Cheias na Amazônia devem piorar em junho, alerta pesquisador

A cheia no Rio Negro atingiu, na sexta-feira, 18 de maio, a marca recorde de 29,1 metros, a maior dos últimos 100 anos. Mas a situação pode ficar pior. Historicamente, as águas atingem o seu ponto máximo nos meses de junho e julho, quando aumenta o volume de chuvas na região amazônica.

Hoje, já são mais de 80 mil pessoas desabrigadas em consequência das enchentes. Christovam Barcellos, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é coordenador do projeto Observatório de Clima e Saúde, sítio sentinela que acompanha os efeitos das variações climáticas e possíveis impactos sobre a saúde da população local.

Ele conversou com a Rede Brasil Atual sobre as consequências das cheias na Amazônia e alerta: a população tem de pressionar os governantes, porque já é possível saber quando as chuvas vão ultrapassar os limites normais e causar prejuízos.

Como é que está a situação das cheias na região Norte ?
Essa parte da região Norte é razoavelmente bem preservada. O oeste do Amazonas, próximo à região onde fica Manaus, é muito mais preservada do que onde fica o Pará, o Mato Grosso. Está havendo cada vez mais extremos climáticos. Em 2009 houve uma grande cheia, em 2010 teve uma grande seca e agora tem uma grande cheia no inicio de 2012.

Isso está assustando a população, as pessoas achavam que estavam adaptadas àquela situação de variabilidade do clima de chuva, mas essa variabilidade está aumentando e comprometendo as cidades. As cidades estão todas na Amazônia, baseadas em uma determinada costa de vazão do rio e é a partir dessa costa que as pessoas conseguem andar de uma cidade para a outra, é por onde os alimentos circulam, a água chega nas casas para o abastecimento, o esgoto escoa.

Essa cota está sendo superada, a gente chegou em uma cota de total colapso, ao menos em alguns bairros em volta do centro. Você tem um colapso na rede de esgoto, na rede de água, as pessoas não têm a capacidade de escoar alimentos e isso tudo está ocorrendo em várias cidades. Manaus é um bom exemplo, mas tem muitas outras situações em cidades do interior.

Essas cheias eram previstas?
Eram previstas já há bastante tempo. Na Amazônia, que é um caso de modelo climático dentre os que já existem, há muitos indícios de que se chover muito na cabeceira do Rio Madeira, as enchentes serão maiores. O tamanho das enchentes são proporcionais ao tamanho das chuvas nas cabeceiras, tanto do norte quanto do sul da Amazônia. Estava previsto que ia ocorrer uma grande cheia.

E isso foi levado às autoridades do estado?
Elas foram alertadas. A ANA (Agência Nacional de Águas) e a CPMN ( Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais ) têm alguns alertas e eles já vinham sendo emitidos desde abril, alertando que viria uma cheia muito forte no Amazonas.

E qual foi a resposta do governo?
Algumas coisas eu acho que foram providenciadas, sistemas de emergência de limpeza de ruas, sistema de evacuação da população em algumas áreas mais alagadas, mas é insuficiente.

O excesso de chuvas tem impacto negativo também na saúde da população. Como está essa questão? O poder público está respondendo nesse aspecto?
A gente ainda não tem nenhum dado que comprove o estado de saúde da população dessas cidades, porque tem um tempo até a produção dessa doença. As águas enchem, as casas são alagadas com esgoto, o lixo não pode ser escoado e isso produz alguns problemas, mas demora um tempo até aparecem as doenças.

E que doenças são essas?
A gente já começa a perceber um aumento de diarreia na região de Manaus. E agora a gente espera um surto de leptospirose, doença que aparece quando se entra em contato com fezes de ratos. A gente sabe que ratos estão circulando em várias áreas da cidade. A malária, provavelmente, vai aparecer ou reaparecer no final da enchente, lá para o mês de julho e agosto, quando começam a descer as águas. A malária tem uma dinâmica um pouco diferente das outras doenças.

Como prevenir essas doenças?
Diarreia, por exemplo, tem uma quantidade enorme de microorganismos que estão envolvidos, então não existe vacina. Existem medidas preventivas, o combate aos vetores. Os ratos têm de ser combatidos, os mosquitos, tanto da malária quanto da dengue, também.

E também tem a preocupação com cobras e outros animais peçonhentos que aparecem com as chuvas.

Quando o ecossistema, o nicho de algum animal é alterado, ele migra e é o que está acontecendo com cobras e aranhas que estão entrando nas casas das pessoas. O aumento de casos é muito grande, principalmente com crianças, que é um grande perigo. Nós já tivemos vários acidentes com cobra e muitas notificações de aparecimento desses animais dentro das casas das pessoas.

O pico dessas cheias é previsto para junho. A perspectiva então é de que a situação piore daqui até o final do mês de junho?
A previsão é que a situação piore e depois tem outras consequências. Toda essa água que está subindo vai deixar resíduos nas cidades. Ai começa o processo de limpeza onde está acumulado o lixo, os animais, as cobras, o material infectado com vírus, bactérias. É quando os cuidados devem ser redobrados.

Já que não houve um trabalho preventivo, resta à população aguardar pelas ações do governo municipal e estadual para minimizar os efeitos dessas cheias?
Isso, os governos têm de começar a agir já. Criar os sistemas de alertas e já ir melhorando a situação da população, porque tem muita gente que está e vai ficar doente. E uma coisa que é importante destacar é que Manaus é um centro importante da Amazônia inteira, muitas pessoas devem estar chegando a Manaus, até porque não tem situação de moradia em cidades menores. Então, Manaus é o centro de concentração de toda a região e isso tem de ser pensado estrategicamente pelo governo estadual, porque o município não dá conta de todo o atendimento que será necessário.

No caso da seca do Nordeste, também dava para prever que a situação ia ficar tão crítica como está?
Também. Hoje em dia, já dispomos de alguns equipamentos de previsão. Era previsível uma seca, mas não sabíamos que seria no interior da Bahia e no sertão de Pernambuco com essa magnitude. Em geral, esses eventos estão ligados ao processo La Niña no Pacífico e este ano tinha indícios fortes de que haveria consequências.

O que a gente está propondo é que se crie um alerta para que os governos comecem a providenciar estoques de água, de medicamento, para poder dar conta dessas emergências. Tem dois ou três meses para que elas ocorram. Ao mesmo tempo, a gente tem de incentivar a participação da sociedade, ou seja, o governante sozinho ou não sabe ou não quer fazer direito. Eles normalmente culpam a natureza pelos problemas no município.

A população tem de cobrar os governantes e estar em contato com organizações não-governamentais, com a sociedade civil organizada, e tem de pressionar. Os governantes têm de emitir um alerta e, em alguns casos, têm de cobrar a utilização de recursos nos casos de emergência.

Acesse o site do Observatório de Clima e Saúde para acompanhar a situação na Amazônia e em outras regiões.

Fonte: Rede Brasil Atual