José Roberto Torero: a seleção brasileira é um símbolo do Brasil?

1975. Uma classe de quinta série. Os alunos estão um tanto sonolentos em seus uniformes brancos e azuis. A professora Dona Elza, que tem um cabelo tão armado que faz sua cabeça lembrar uma grande lâmpada, abre seu livro de Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Sem muito entusiasmo, ela lê um capítulo que explica que os símbolos do Brasil são quatro: o hino, a bandeira, o brasão e o selo nacional.

Por José Roberto Torero*, na Carta Maior

– E a seleção, professora?

– A seleção?

– É, a seleção de futebol. Ela não é símbolo do Brasil?

Dona Elza põe e tira o lápis em seu vasto penteado seguidas vezes, matutando uma resposta.

Enquanto ela pensa, aproveito para esclarecer que o aluno pouco esperto era eu e que essa era uma dúvida justa naquele tempo. A imagem da seleção era muito ligada ao governo, e os presidentes, com aqueles seus óculos escuros de delegado, até iam aos jogos de vez em quando.

Na prática, a seleção era um símbolo do país. Claro que isso foi incentivado pela ditadura, mas mesmo antes e depois dos governos militares, nossos jogadores já eram uma metáfora de nossos soldados, combatendo as outras nações dentro do gramado.

Mas isso acabou. A seleção já não é mais um símbolo nacional. Ela perdeu seu lugar no coração dos brasileiros. E os motivos também são quatro:

Equipes ruins: Os times de Lazaroni, Dunga e Parreira, mesmo o que venceu em 1994, não conquistaram o torcedor. Não tinham um jeito “brasileiro” de jogar e por isso não puderam se tornar símbolos da nação.

Ricardo Teixeira: Com sua constante fuga da imprensa e cercado por denúncias de corrupção, também ajudou a diminuir a simbologia do escrete, explicitando que se tratava de uma entidade privada, sem vínculos com a nação.

Publicidade: A ligação com marcas comerciais deixou mais claro que a seleção não era a pátria de chuteiras, mas a pátria de chuteiras Nike, tomando Guaraná Antártica, guardando seu dinheiro no Itaú, usando relógios Parmigiani, telefonando pela Vivo, comendo chocolates Nestlé, voando pela TAM, barbeando-se com Gillette, andando de Volkswagen e comprando carnes Seara no Pão de Açúcar. Sim, hoje a seleção tem 11 patrocinadores.

Êxodo: Hoje não sabemos mais quem são vários dos atletas que vestem a “amarelinha”. Antes eles eram quase que parte da família. Mas, por conta do êxodo de nossos atletas, muitos dos convocados são menos conhecidos que o cunhado da prima da sobrinha da vizinha. Por exemplo, você conhece este tal de Hulk, que fez dois gols contra a Dinamarca? Talvez saiba que ele joga no Porto, mas duvido que saiba (pelo menos, eu não sabia) que seu nome é Givanildo, que nasceu em Campina Grande, que tem seis irmãs, que jogou no Vitória, que fez a maior parte de sua carreira no Japão e que ajudava o pai numa barraca de carnes na feira.

Por conta destes quatro fatores, já não amamos mais a seleção. Hoje os brasileiros preferem os clubes. Tanto que o último jogo da seleção teve 13 pontos de audiência e a partida entre Corinthians e Vasco chegou a 34.

Dona Elza estava sendo profética quando tirou o lápis cabelo armado e respondeu: “Não, menino, a seleção não é um símbolo nacional.”

José Roberto Torero* é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e TV, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.