Tribunal do Egito ordena dissolver parlamento

A menos de 48 horas do segundo turno das eleições presidenciais, o mais alto tribunal do Egito ordenou, nesta quinta (14), a dissolução da Câmara Baixa do Parlamento, após anular um terço dos membros da Assembleia Popular.

Menino egípcio protesta em frente ao prédio da Suprema Corte no Cairo / Foto: AP

A corte declarou inconstitucional a chamada "lei de isolamento". Se tivesse sido implementada, essa legislação teria impedido a participação de Ahmed Shafiq, ex-primeiro-ministro de Hosni Mubarak, nas eleições a serem realizadas no próximo sábado e domingo.

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De acordo com o tribunal, a lei eleitoral sob a qual se celebraram as eleições parlamentares do último inverno é inconstitucional, o que implica a dissolução do Parlamento e a assunção por parte da junta militar de plenos poderes legislativos.

A controversa decisão volta a situar a complicada transição egípcia em seu ponto de partida e pode representar uma perigosa escalada no confronto entre a Irmandade Muçulmana, cujo braço eleitoral dominava o legislativo, e a junta militar.

Segundo a lei eleitoral impugnado, dois terços dos deputados devem ser eleitos por um sistema de listas partidárias e o terço restante corresponderia a candidatos individuais. No entanto, após um acordo entre a junta militar e forças políticas, a regra foi alterada para permitir que, na eleição de candidatos individuais, pudessem concorrer pessoas filiadas a partidos.

A ação contra a lei eleitoral, apresentada por um advogado egípcio, argumenta que a participação de candidatos ligados a partidos políticos enfraquece as chances de cidadãos independentes servirem no Parlamento. Esta não é a primeira vez o tribunal invalida resultados eleitorais com a mesma justificativa legal, pois já o fez em 1987 e 1990. Em 2000, também declarou inconstitucional a lei eleitoral, mas por outras razões.

Enquanto a decisão sobre a inconstitucionalidade da "lei de isolamento" já era esperada, a dissolução das duas câmaras do Parlamento foi uma surpresa. Nos últimos dias, vários vazamentos à imprensa local apontavam que a decisão seria adiada para depois da eleição presidencial.

De acordo com Faruq Sultan, presidente do Tribunal Constitucional, o veredicto representa a dissolução da "totalidade da câmera" e não apenas de um terço, como muitos meios tinham interpretado após a publicação do acórdão.

Política em alerta durante protesto na frente do Tribunal / Foto: AP

 A "lei do isolamento", aprovada em meados de abril, tinha como finalidade privar os altos funcionários do regime de Mubarak de todos os direitos políticos, incluindo o de ocupar qualquer cargo eletivo. Então, se tivesse sido implementada, Shafiq deveria ter sido desclassificado da disputa presidencial.

No entanto, numa decisão controversa, a Comissão Eleitoral optou por dar luz verde de forma cautelar à candidatura de Mubarak, e levar a norma ao Tribunal Constitucional para que se pronunciasse sobre a sua legalidade.

Juristas egípcios mostraram-se divididos sobre a constitucionalidade da regra, que só afeta aqueles que ocuparam os cargos de presidente ou vice-presidente, primeiro-ministro ou posições de liderança dentro do dissolvido PND – o partido do regime – , entre 2001 e 2011.

Os especialistas que se opõem à legislação argumentam que a "lei do isolamento" viola os direitos individuais. Sustentam que não pode remover os direitos políticos de uma pessoa sem um veredicto de culpabilidade por um tribunal.

O veredicto do tribunal voltou a inflamar os ânimos dos jovens revolucionários, e houve confrontos entre militantes e forças de segurança perto do Tribunal Constitucional. Durante a semana passada, dezenas de milhares de pessoas lotaram a Praça Tahrir exigindo a aplicação da "lei de isolamento" e, portanto, a desqualificação de Shafiq das presidenciais.

O fato de que tanto o Conselho Eleitoral como o Tribunal Constitucional serem formados por magistrados da confiança de Mubarak já havia levantado suspeitas antes da decisão, que agora parecem ter sido confirmadas.

Protesto em frente ao Tribunal Cosntitucional / Foto: Reuters

 Os dois veredictos marcam as horas anteriores à eleição de sábado, influenciando na decisão de muitos egípcios que ainda estão indecisos. Há muito medo entre o público de que uma vitória de Shafiq implique em grande escala na restauração do regime de Mubarak, que nunca foi dissolvido, apesar da queda do presidente.

Certamente, esses temores se multiplicaram durante as últimas horas, pois a imprensa egípcia publica hoje que a Junta Militar aprovou recentemente um decreto que permite aos membros dos serviços de inteligência a prisão sem mandado judicial de cidadãos em atos de protesto.

Levantado o estado de emergência há duas semanas, as autoridades egípcias, o chamado "Estado profundo", já têm uma nova ferramenta legal para abortar as esperadas manifestações em massa que uma vitória de Shaquif certamente provocaria.

Fonte: El País