Cinema perde olhar autoral de Carlos Reichenbach
A morte do produtor e roteirista Carlos Reichenbach, nesta quinta (14), privou o cinema brasileiro de um dos seus mais importantes criadores e incentivadores. Quando os olhos sagazes e corajosos de um cineasta como ele se fecham, é como se uma forma de ver e representar a vida se perdesse.
Publicado 15/06/2012 17:52

Reichenbach sofreu uma parada cardíaca a caminho do hospital, por causas ainda não divulgadas. Faleceu no mesmo dia em que completava 67 anos. Com 22 filmes realizados, 21 roteiros filmados e 38 produções em que atuou como diretor de fotografia, ele era daqueles raros artistas apaixonados por cinema, no qual encontram uma fonte inesgotável de prazer, a ponto de ter um conhecimento extremamente aprofundado sobre tudo que envolve o ofício e a arte de filmar.
É pelo cinema também que criadores como Reichenbach encontram o meio mais eficaz de expressar a realidade em que vivem, mas também de refletir a respeito da riqueza de seu mundo interior e do próprio papel como artista. Ou seja, ele era um representante do hoje cada vez mais raro “cinema de autor”.
Além de produzir, como sócio da Dezenove Som e Imagens, ao lado de Sara Silveira e Maria Ionescu, Carlão, como era chamado pelos amigos, era um dos mais intensos incentivadores da prática da sétima arte no Brasil. Exerceu durante vários anos a função de professor de cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP e, desde 2004, cuidava da Sessão do Comodoro, no CineSesc, em São Paulo, onde exibia todos os meses filmes raros e inéditos no circuito brasileiro.
Carlos Reichenbach nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul mas, com apenas um ano, chegou a São Paulo, cidade que adotou como sua e sempre fez questão de retratar em seus filmes. Ele participou de importantes movimentos cinematográficos de vanguarda na capital paulista, como o Cinema Marginal dos anos 1960/1970 e da Boca do Lixo dos anos 1970.
Até mesmo quando o cinema brasileiro parecia se extinguir, em função do então presidente Fernando Collor de Mello extinguir órgãos importantes como a Embrafilme, Carlão encontrou forças para realizar uma de suas maiores obras-primas, “Alma Corsária”, de 1993, em que tratou da vida e da morte, ao falar de dois poetas, amigos de infância, que reunem os mais diferentes tipos da "fauna paulistana", no lançamento de um livro numa pastelaria do centro da capital paulista.
Aluno de Luis Sérgio Person, Carlão estreou nos filmes de episódios “As Libertinas” (1968) e “Audácia, a fúria dos desejos” (1969), e deixou obras-primas como “Lilian M: Relatório Confidencial” (1974), “A Ilha dos Prazeres Proibidos” (1979), “Império do Desejo” (1981), “Filme Demência” (1985), “Anjos do Arrabalde” (1987), “Dois Córregos” (1999), “Garotas do ABC” (2003) e – o mais recente – “Falsa Loura” (2007).
Ignorado pela Academia, era, contudo detentor de diversos prêmios em festivais nacionais como Gramado, Brasília e Ceará. Era referência no cinema nacional, a ponto de receber uma mostra especial no Festival de Roterdã, na Holanda, na década de 1980. Via com maus olhos as recentes tentativas do Brasil de buscar um Oscar. "Isso é uma sandice. Uma das coisas mais funestas que aconteceu nos últimos tempos é esse tipo de cobrança".
“Tenho muito respeito por sua obra e pelos riscos que correu. Sempre gostou de surpreender. Além de cineasta, era um grande cinéfilo. Era sempre um prazer falar com ele sobre filmes”, lamentou o diretor Cacá Diegues (“O Maior Amor do Mundo”).
“Ele foi um grande amigo, sempre pude contar com ele. A notícia de sua morte me deixou muito chateado”, comentou José Mojica Marins, o Zé do Caixão. O diretor Heitor Dhalia (“12 Horas”) ressaltou a paixão de Reichenbach pelo cinema brasileiro. “Tive um contato muito próximo e muito rápido, mas uma coisa me chamou muita atenção: ele era um cara extremamente generoso, era um torcedor do cinema brasileiro, torcia pelos filmes de todo mundo, não só pelos dele. Isso é raro nessa área, em que a competição é muito grande.”
“Perdemos um amigo, um camarada generoso e entusiasmado. Nunca vou me esquecer de suas palavras emocionantes e emocionadas num texto sobre meu primeiro filme, ‘Um Céu de Estrelas’ (1996)”, declarou Tata Amaral.
Carlos Oscar Reichenbach Filho era casado com Lygia Reichenbach e deixa três filhos e uma neta. “Nós vivenciamos muita coisa em muito pouco tempo e tínhamos um sentido, sobretudo, ‘canibal’ da cultura, de buscar uma síntese, utilizando o que havia de melhor ou pior”. Assim, o cineasta definiu o cinema marginal, do qual foi um dos mais assíduos representantes, à “Revista do Brasil”, de setembro de 2010, deixando mais uma de suas inúmeras lições.
Com Rede Brasil Atual e Pipoca Moderna