Jaime Sautchuk: Rio+20 foge do Foco

A conferência mundial sobre meio ambiente, a Rio+20, em curso na capital carioca, infelizmente se encaminha para seu fim sem sequer triscar de verdade nas questões centrais a serem atacadas em plano global. O documento final, salvo jeitosamente pela diplomacia brasileira, repete jargões genéricos e evasivos, o que, no final das contas, significa um atraso em relação à Agenda 21, de 1992.

Por Jaime Sautchuk:, colunista do Vermelho

Depois de dois anos de negociações, em reuniões com representantes de quase todos os países, as metas a serem definidas agora acabaram chegando ao Rio num calhamaço confuso e bem longe do consensual. Depois de mais uns dias de conversações, a delegação brasileira, chefiada pelo embaixador Luiz Alberto Figueiredo, assumiu a dianteira no processo para assegurar um documento final.

O que move a diplomacia brasileira, em verdade, é a fissura para gerar um documento que signifique um resumo dos pontos sobre os quais se obteve consenso até agora. E isso é pouco, muito pouco. Mas os negociadores brasileiros, que agem como simples relatores, querem é ter um documento, seja o que for. Chegar à reunião dos chefes de estados e de governos sem isso seria um fiasco.

São os famosos panos quentes. Duas questões centrais nesse debate de 20 anos são a criação de mecanismo internacional que tenha força para pôr em prática decisões que são tomadas. Algo como é feito pela Organização Mundial do Comércio (OMG), no campo das relações comercais em plano global. Hoje, há o PNUMA (Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente), que não tem poder algum, e mais umas 30 instituições que buscam fazer algo em seus campos próprios de ação.

Para citar de novo a OMC, normas que regulam o comércio de determinados produtos danosos ao meio ambiente e à saúde pública são alvos de fiscalização e punição dos países infratores. Mas esbarra na rejeição de países ricos, que não aceitam normas, fazem o que bem entendem, e de quebra nem pagam eventuais multas.

O que seria um grande feito da Rio+20 seria a criação de uma forte Agência, vinculada à ONU, mas com poderes para fiscalizar a punir descumprimentos de decisões globais. Entidade que centralizasse a normatização e controle, com poder de punir países transgressores fossem eles quais fossem. Mas estamos longe disso.

Colada a essa questão está a antiga proposta de criação de um poderoso fundo mundial para financiar programas de cobate à balbúrdia que ocorre nas águas internacionais, nos oceanos, por exemplo. Ou para ações específicas de combate à fome em países com dificuldades que vêm dos tempos da colonização direta. Mas, aí, o bicho pega de novo.

Os países ricos se negam a contribuir com quantias razoáveis para que esse fundo funcione. Alegam crises econômicas. Mas nem os Estados Unidos e seus comparsas na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que hoje atua em todos os quadrantes do planeta, se dispõem a reduzir seus investimentos em armas e guerras dominadoras. Dinheiro para matar, tem. Para salvar, não tem.

Essa realidade, entretanto, não é nova. Ao avaliar os possíveis resultados da Rio+10, realizada em Joahnnesburgo, África do Sul, dez anos atrás, o jornalista Washington Novaes já apontava para esses problemas. Só que naquele momento não havia o argumento das crises financeiras. Ou seja, + 10 anos se passaram e o barco só andou para trás.

Muita gente quer dourar a pílula e vem dizer que, “bem ou mal”, a Rio-92 se mostrou eficaz no aumento da conscientização de todas as sociedades do mundo para a questão ambiental. Parece brincadeira. Primeiro, porque ninguém precisaria de uma reunião desse tamanho e cara desse tanto para constatar isso. Qualquer um vê o crescimento do nível de consciência global nesse campo. Mas isso pesa quanto?

O que ainda pesa, no fim das contas, é a haste mais forte do tripé que consubstancia o chamado Desenvolvimento Sustentável, que são o desenvolvimento econômico, preservação do meio ambiente e justiça social. A haste mais forte, é claro, é a dos cifrões, a da acumulação de capital. E, aí, surgem os mais estapafúrdios argumentos para justificar medidas e ações que nada têm de sustentáveis.

É claro que a Rio+20 tem servido para debates paralelos, para trocas de experiências que, embora localizadas aqui e acolá ao redor do mundo, servem para difundir novas ideias e fortalecer ainda mais o processo de conscientização dos povos. Mas é um cortejo que segue por fora, na marginal, sem comover os governantes presentes.

E assim os países seguem seus cursos, com destruição escancarada. Mesmo sabendo que, pelos números da ONU na Rio+20, em menos de duas décadas 70% da população do mundo estará vivendo em cidades, não se sabe como. E há quem diga que o modelo agrário de países como o Brasil está certo. Plantando soja para alimentar bois e outros bichos na Europa e usando mais de um hectare de terra para engordar cada boi aqui. Produtividade zero. E que se dane o que tiver na frente, inclusive o Cerrado e a Amazônia.

Como previsto, pois, bucolicamente a Rio-20 caminha para seu fim. Mas todos conscientes de que, se a Humanidade desaparecer da face da Terra, de repente, para o Universo não fará a mínima diferença.