Livro faz síntese dos 80 anos de Maria da Conceição Tavares

Com certo atraso, o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento decidiu comemorar agora os 80 anos, completados em 24 de abril de 2010, de Maria da Conceição Tavares, uma das maiores economistas da história brasileira. Mas bem do jeito de que ela gosta: com a publicação de um livro que discute desenvolvimento econômico e crise, seus temas favoritos (organização de Luiz Carlos Delorme Prado, da Contraponto Editora).

Por Luiz Sérgio Guimarães, do Valor

Maria da Conceição Tavares

A homenagem consiste nisso: retomar em alto nível a discussão da teoria econômica, da economia do desenvolvimento, dos problemas do Brasil e da dimensão internacional, questões às quais Conceição devotou esforços inovadores. A qualidade dos ensaios escritos por eminentes amigos e ex-alunos, dos depoimentos e dos textos de autoria da própria professora torna perdoável o atraso.

Não é uma obra, segundo o prefácio de Luiz Carlos Delorme Prado, professor da UFRJ, dedicada à análise da produção acadêmica de Conceição, nem de sua atividade política. Também não pretende ser laudatória, eivada de panegíricos melosos, embora as várias seções contenham uma boa dose disso tudo. O que é natural. Afinal, textos destinados a homenagear a portuguesa que se naturalizou brasileira aos 27 anos nunca poderiam ser frios, despidos de emoção. Polemista brilhante e furibunda, de tiradas demolidoras e humilhantes, Conceição não mereceria homenagens discretamente elegantes.

A primeira parte do livro é a mais árida, dedicada aos temas caros a Conceição. Os professores da Unicamp – universidade da qual Conceição é Professora Titular – Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida abordam a dinâmica econômica e o princípio da demanda efetiva. O professor emérito da FGV-SP Luiz Carlos Bresser-Pereira, retoma depois as teses do novo desenvolvimentismo. Em seguida, Ernani Teixeira Torres Filho, da UFRJ – da qual Conceição é professora emérita -, rediscute uma das obsessões da economista: as razões pelas quais o Brasil não tem crédito privado de longo prazo. Wilson Cano revisita os efeitos da crise de 1929 no Brasil. Mas talvez seja mais deleitável começar a ler o livro pela seção de depoimentos.

O primeiro, escrito pelo atual ministro da Educação, Aloizio Mercadante, esmiúça a trajetória partidária de Conceição. Relata as campanhas incendiárias assumidas pela deputada federal (PT-RJ) no seu primeiro e único mandato, de 1995 a 1999, sobretudo contra as iniciativas liberalizantes (privatizações, abertura ao capital estrangeiro e reformas econômicas) do governo FHC. Nessa fase de sua atuação política, rompeu com vários ex-alunos, autoprofessadamente seus discípulos, que abraçaram o neoliberalismo.

A Conceição militante é desvendada em detalhes mais acurados no depoimento da amiga Hildete Pereira de Melo, professora da UFF. Mas, para chegar lá, a autora desenha um pequeno, mais muito rico, retrato biográfico de Conceição. Filha de pai anarquista e mãe feminista defensora de causas sociais, Conceição formou-se em matemática em Portugal. Desembarcou no Rio de Janeiro em pleno Carnaval de 1954. E iniciou o curso de economia em 1956, na UFRJ. A matemática ajudou-a a arrumar seus primeiros empregos no Rio. Hoje, diz que os modelos matemáticos não servem, em Economia, para nada. Servem apenas para especular e ganhar dinheiro no mercado financeiro.

Outro depoimento, mais carregado em emoção, é do professor da Unicamp Fernando Nogueira da Costa. Ele lembra algumas batalhas épicas travadas por Conceição nos tempos da ditadura militar, os momentos em que a então modesta professora da UFRJ começa a se transformar em uma lenda. Costa trata também dos primeiros e definitivos ensaios de sua feição mais acadêmica, os relativos ao processo de substituição de importações no Brasil, aos problemas de financiamento numa economia em desenvolvimento, à possibilidade de haver acumulação financeira mediante a criação de capital fictício, à natureza da inflação brasileira e à estagnação.

Em sua última parte, o livro traz o mérito de resgatar três textos de Conceição que o leitor comum teria dificuldade em encontrar em suas fontes originais. Dois são debates com economistas internacionais disponíveis apenas nos arquivos do BNDES. E outro, intitulado “O sistema financeiro brasileiro e o ciclo de expansão recente“, foi publicado originalmente nos “Cadernos de Opinião” de setembro de 1979.

Bons coadjuvantes à leitura do livro são os vários vídeos disponíveis no YouTube tendo a professora como protagonista, embora não consigam emular a sua presença. Quem nunca assistiu a uma palestra de Conceição não pode imaginar a eletricidade palpável que percorre o ambiente quando ela começa a falar. O silêncio é assombroso, a atenção total, nem todas as palavras são compreendidas por causa da velocidade da locução, do resquício de um longinquo sotaque português, do emprego constante do mais refinado jargão dos economistas em meio a uma saraivada de palavrões, do atropelo vertiginoso de ideias, comparações, lembranças, propostas, alertas, gracejos, incentivos à luta e alguma esperança. O debate após a palestra é o momento mais divertido. Mesmo os que tentam, de alguma forma fadada ao fracasso, elogiar a professora com perguntas referentes aos seus acertos, são rechaçados com impaciência. E se alguém discordar…… Bem, esse alguém vai inspirar pena antes mesmo de a professora responder. Ela geralmente retoma a palavra num tom de voz irônico e quase inaudível e vai aos poucos se inflamando e pode terminar a resposta aos gritos ou batendo com os sapatos na mesa. No fim de tudo, em estado de choque, mas energizada, a plateia se retira com a certeza de que algo muito vivo e fundamental acabou de acontecer ali.“

Serviço
Livro:
Desenvolvimento econômico e crise – Ensaios em comemoração aos 80 anos de Maria da Conceição Tavares"
Editoras:
Contraponto e Centro Celso Furtado

Fonte: Centro Celso Furtado