Novo salário mínimo arranha imagem de Piñera no Chile

A derrota imposta na última quarta-feira (11) pela Câmara de Deputados ao projeto governista de reforma do salário mínimo resultou em novas tensões entre governo e oposição no Chile, que se trasladaram ao Senado do país, onde a proposta iniciou novo trâmite parlamentar.

Em entrevista concedida a emissoras de rádio locais, após reunião de chefes de bancadas dos partidos governistas com o ministro da Fazenda Felipe Larraín, a senadora Ena von Baer, líder do governo no Senado, afirmou que, caso a oposição obstrua a aprovação do projeto no Senado, “a cidadania deveria conhecer os endereços daqueles que votem contra o aumento do salário mínimo, para cobrar o aumento daqueles que não quiseram apoiar uma medida que melhora a vida dos chilenos”.

O projeto de lei apresentado pelo governo nos primeiros dias de julho procura dar um aumento de 6% ao salário mínimo vigente no país, que é de 182 mil pesos chilenos (aproximadamente R$ 755) – o aumento agregaria mais 11 mil pesos a este valor, elevando-o a 193 mil pesos (equivalente a pouco mais de R$ 800). Na votação realizada na última quarta-feira (11), na Câmara de Deputados, a proposta recebeu 60 votos contra, e os 57 a favor não foram suficientes para determinar sua aprovação.

Tema de maior repercussão no país durante toda a semana, o projeto causou sua primeira polêmica logo na segunda-feira (09), quando em um café da manhã oferecido pelo presidente Sebastián Piñera no Palácio de La Moneda, sede do governo, especialmente para definir a estratégia para conseguir os votos necessários na Câmara Baixa, o senador Carlos Larraín, presidente do partido RN (Renovación Nacional, o mesmo de Piñera), abandonou o evento por divergências com o líder da bancada de deputados da sua própria legenda, Joaquín Godoy.

Larraín é visto como um problema dentro de sua aliança, desde que, na semana anterior, declarou simpatia à ideia da oposição, de insistir em um novo salário mínimo de 200 mil pesos (equivalente a R$ 830).

Ena von Baer, do partido UDI (União Democrata Independente, considerado o mais à direita da coalisão governista), que foi ministra porta-voz durante os primeiros 18 meses de mandato de Piñera como presidente, terminou sua declaração aos meios de imprensa fazendo um apelo aos parlamentares da oposição, para que “ponham uma mão no coração e pensem nas pessoas que necessitam desse incremento salarial, e não na teimosia por interesses políticos e eleitorais”.

Movimentos sociais pedem mais

Desde a chegada do projeto ao Congresso, diversos movimentos sociais têm organizado atos de protesto de média repercussão. Na quinta-feira passada (05), a CUT (Central Unitária dos Trabalhadores) realizou uma marcha onde pouco mais de 12 mil pessoas reivindicaram um salário mínimo de 250 mil pesos (pouco mais de R$ 1000), criticando tanto a proposta governamental quanto a contrapartida da oposição.

Uma das organizações que defende um aumento salarial superior às propostas dos dois conglomerados políticos hegemônicos do Chile é a Fundação Sol, voltada a temas ligados ao trabalho. Marco Kramerman, economista ligado ao grupo, disse que “a lei do salário mínimo, criada em 1937, estabelece que o valor deve ser o mínimo necessário para satisfazer as necessidades básicas do trabalhador e seu grupo familiar, e esse valor hoje não pode ser menor que 500 dólares (246 mil pesos chilenos)”.

O salário mínimo proposto pela Fundação Sol é de 270 mil pesos (pouco mais de R$ 1100), valor que, segundo seus representantes, não geraria desemprego, respondendo às alegações predominantes no Congresso, de que um salário maior a 200 mil pesos causaria um desastre na economia e na capacidade do país de gerar empregos.

O economista também é consultor da OIT (Organização Internacional do Trabalho, ligada à ONU) para temas trabalhistas latino-americanos, e utiliza parâmetros da entidade para classificar o caso chileno como um “mini salário mínimo”, que segundo a OIT são os salários mínimos que representam menos de 30% do PIB per capita de um país (sendo os salários superiores a 60% do PIB per capita considerados “maxi salários mínimos”). O atual projeto do governo chileno estabelece um salário equivalente a 29% do PIB per capita, a menor relação desde 1989, quando ainda regia a ditadura de Pinochet.

Apesar de ter sido assessor do Ministério do Trabalho durante o governo de Michelle Bachelet, Kramerman reconhece que a política salarial do atual governo é a mesma dos governos da Concertação (1990-2010), hoje opositora, e diz que ambas as coalizões desconhecem as reais necessidades econômicas da maioria mais frágil da população. “O projeto do governo não consegue cobrir nem 70% das necessidades básicas de uma família chilena média, a oposição oferece essa porcentagem, mas o problema é os 30% que essas famílias deixam de ganhar”, explicou o economista.

Fonte: Ópera Mundi