Em Israel, greves de fome de prisioneiros completam dez meses

Cerca de 1,5 mil palestinos detidos pressionam por melhores condições carcerárias e o fim das detenções administrativas, prática condenável do Estado sionista israelense.

O palestino Akram Rikhawi chegou no último sábado (14) ao 94º dia de greve de fome. A situação é grave. Rikhawi sofre de asma e osteoporose. De acordo com exame feito em 4 de julho, o último permitido a médicos independentes, ele está com problemas no coração e nas pernas. Profissionais da organização Médicos pelos Direitos Humanos de Israel (MDH) levantam a possibilidade de o serviço hospitalar da prisão de Ramleh, onde o palestino está detido, ter tratado sua asma com altas doses de esteroide, o que em um longo prazo leva a danos irreversíveis.

Akram “bate o recorde” de Mahmoud Sarsak, o jogador da seleção de futebol palestina que conseguiu ser libertado após 92 dias em jejum. Ambos estão na lista de palestinos que, desde setembro do ano passado, desafiaram a ocupação israelense usando sua saúde em protestos contra a política prisional.

Hoje, ao lado de Akram, Samer al-Barq, no 54º dia em jejum, e Hassan Safadi, no 23º, são os mais recentes manifestantes de um movimento que colocou em evidência a prática israelense da DA (Detenção Administrativa). “A prisão ocorre baseada em material secreto, sem acusações ou necessidade de apresentar provas à Corte. A ordem da DA pode ser de até seis meses e renovada por tempo indefinido. O preso fica sem poder se defender e não sabe quando será libertado”, explicou a diretora da palestina Addameer (Associação de Apoio a Prisioneiros e Direitos Humanos), Sahar Francis ao Opera Mundi.

O conceito da DA foi herdado das Leis de Emergência de 1945, do Mandato Britânico na Palestina, e complementada pela Ordem Militar 1226, de 1988, que permite deter palestinos da Cisjordânia por até seis meses se houver “bases razoáveis para assumir que a segurança da área ou a segurança pública requerem a detenção”. No entanto, a expressão “razões de segurança” em Israel tem contornos pouco definidos e pode ser imputada a terroristas e ativistas políticos, a civis e protestantes pacíficos.

O futebolista Sarsak, por exemplo, foi preso em 2009 quando ia da Faixa de Gaza à Cisjordânia jogar um amistoso. Cruzar as barreiras controladas por Israel parece ter sido seu único crime. Ele ficou preso com base na Lei do Combatente Ilegal (LCI), aplicada a estrangeiros que supostamente têm ligações com organizações terroristas. Como a ocupação formal de Gaza acabou com a retirada israelense em 2005, a DA não é aplicada lá. Em substituição, as autoridades usam a LCI no território palestino. O jogador, que conseguiu um acordo em 18 de junho e foi libertado na terça-feira (10/07), foi o último a conquistar uma vitória individual contra o sistema prisional israelense.
Repercussão das greves

Para a diretora da Addameer, o movimento foi significativo porque colocou o assunto em destaque no cenário internacional. A Anistia Internacional, a ONU e a União Europeia condenaram o Estado israelense. "Devemos levar os casos de DA a instâncias internacionais de alto escalão para promover alguma mudança. Não acho que apenas manifestações de apoio, locais ou internacionais, serão suficientes para forçar Israel a mudar sua política. É preciso colocar mais pressão", opina Francis.

O marco desse movimento, porém, foi a greve de fome de Khader Adnan, um padeiro de Jenin, estudante da Universidade de Bir Zeit e membro da Jihad Islâmica. Ele foi preso em 17 de dezembro e no dia seguinte começou a jejuar. Em 8 de janeiro, as autoridades israelenses definiram sua DA em 4 meses. “Ele foi o primeiro na história do movimento palestino a fazer uma greve de fome que passou dos 60 dias (foi a 66). Adnan estava decidido a continuar a a luta dos presos de outubro”, conta Sahar. Desde Khader, 11 presos fizeram longas greve de fome, incluindo os atuais três.

A "luta de outubro", nome dado ao movimento, é apoiada pela Frente Popular de Libertação da Palestina, de desobediência civil contra as autoridades prisionais israelenses. Como parte da campanha, 100 presos entraram em greve de fome. O objetivo era protestar contra condições inapropriadas de encarceramento, o isolamento extensivo de prisioneiros (alguns há 10 anos) e a limitação a visitas de família. O movimento parecia ter vida curta, pois em 11 de outubro era anunciado o acordo Hamas-Israel para a libertação do soldado israelense Gilad Shalit, capturado em 2007. Em troca, seriam libertados cerca de mil prisioneiros em duas levas.

Porém, a Addameer soltou um relatório no fim de 2011 que desbancava a efetividade do acordo. Nos dois meses seguintes à libertação da primeira leva de 477 prisioneiros, em 18 de outubro, outros 470 palestinos passaram por prisões israelenses. No dia em que a segunda leva de 504 palestinos era libertada, 19 de dezembro, Adnan já estava há dois dias na prisão.
Mudanças

Assim, Adnan deu vida nova ao movimento. A greve de fome chamou a atenção da organização MDH, que hoje envia médicos independentes às prisões para examinar os grevistas. “Os palestinos não confiam e acham que a equipe da prisão é parte do sistema prisional. O exército diz que a relação é ótima, mas ouvimos muitas reclamações", conta Anat Litvin, coordenadora do Departamento de Presos e Detidos da MDH. Segundo ela, os médicos agem de acordo com a Declaração de Malta (da Associação Médica Mundial, sobre pessoas em greve de fome), ou seja, não forçam a alimentação ou tratamento: "Explicamos ao prisioneiro os riscos e as consequências, afinal, eles colocam suas vidas em perigo”, explica.
Após o sucesso de Khader, palestinos deram forma à “Intifada do Estômago Vazio”. Em 17 de abril, foi lançado um movimento de massa que chegou a ter 2,5 mil presos em greve de fome aberta, alguns já há dois meses sem comer, como Bilal Diab e Thaer Talahleh. A possibilidade de um dos palestinos no movimento morrer podia fazer com que o silencioso levante, circunscrito às prisões de Israel, chegasse às ruas. Em 15 de maio, Israel e um Comitê de Lideranças da Prisão fecharam um acordo.

Os presos terminariam suas greves de fome e Israel cumpriria os seguintes termos: fim do isolamento de longo prazo por "razões de segurança"; libertação em 72 horas dos 19 prisioneiros em isolamento; autorização de toda visita de familiares de primeiro grau; formação de um comitê para encontros entre a API e os prisioneiros organizados pela Inteligência Israelense e, para fechar a lista, o fim das prisões por DA ou renovação de ordem para os 308 palestinos atualmente presos por tal política, a não ser que os arquivos secretos contivessem informações consideradas "muito sérias".

O acordo foi feito, mas dois meses depois os termos já viraram letra morta. “Até o momento, não vimos grandes mudanças. Pessoas ainda estão sendo presas sob DA e ordens para presos que já estavam na prisão foram estendidas”, diz Sahar.

Cronologia do movimento:

27 de setembro de 2011 –100 palestinos começam uma greve de fome como parte de um protesto de desobediência civil contra políticas da Autoridade Prisional Israelense.

11 de outubro – anunciado o acordo Hamas-Israel para a libertação do soldado Gilad Shalit. Em troca, Israel liberta duas levas de presos palestinos, a primeira escolhida pelo Hamas (477), a segunda por Israel (550).

17 de dezembro – Khader Adnan é preso e inicia sua greve de fome. Com ele, foi iniciada uma campanha internacional que pedia não só sua libertação, mas a condenação da política de Detenção Administrativa (DA).

21 de fevereiro de 2012 – Adnan chega a 66 dias em jejum em condições graves de saúde e consegue um acordo de libertação com Israel. Outros palestinos entram em greve de fome na esteira do sucesso.

29 de março – Hana Shalabi, após 43 dias em greve de fome, consegue sua libertação. Outros palestinos, como Bilal Diab e Thaer Talahleh, entram em greve de fome.

17 de abril – Movimento de greve de fome em massa é lançada contra a política de DA e as condições dentro das prisões israelenses. Estimativas de que até 2500 presos tenham aderido.

15 de maio –Israel e um Comitê de Prisioneiros fecham acordo. Fica acertado o fim da greve de fome e o cumprimento de demandas dos prisioneiros, entre elas a restrição do uso da DA. Mahmoud Sarsak e Akram Rikhawi continuam em jejum, já que seus casos não foram contemplados.

18 de junho – Sarsak, jogador da seleção palestina, chama atenção internacional e consegue acordo de libertação. Outros dois palestinos, Samer al-Barq e Hassan Safadi, que foram contemplados pelo acordo de maio mas tiveram suas DAs renovadas, voltam à greve de fome e se juntam a Akram.

14 de julho – Akram “bate o recorde” de 94 dias em jejum e corre risco de morte, com problemas no músculo do coração e das pernas. Samer e Hassan chegam a 54 e 23 dias, respectivamente, sem comer.

Opera Mundi