Vergonhoso “Memorando de Downing St.” será requentado para o Irã?

Uma década depois do infame “Memorando de Downing Street” [orig. Downing Street Memo] e sua inteligência “reformada” para a invasão do Iraque, volta a pressão para que se ‘reformem’ os fatos – quase todos – de modo a viabilizar mais uma guerra, dessa vez contra o Irã. O MI6 britânico e a CIA curvar-se-ão outra vez? É o que perguntam dois ex-analistas de inteligência, Annie Machon e Ray McGovern.

Por Annie Machon e Ray McGovern, Consortium News


Comentários recentes vindos de Sir John Sawers, atual chefe do MI6 britânico (serviço secreto de inteligência, equivalente britânico da CIA norte-americana), nos obrigam a considerar a possibilidade de que Sawers se prepare para “reformar” a inteligência sobre o Irã, exatamente como fez seu antecessor Sir John Scarlett, que “reformou” a inteligência reunida sobre o Iraque.

É relativamente bem conhecido o papel de Scarlett no período que antecedeu a invasão do Iraque, quando se inventaram “dossiês pré-arranjados”, que ampliavam a ameaça das inexistentes “armas de destruição em massa”. Dia 4 de julho passado, outra vez acenderam-se as luzes de alerta contra manipulação política de informes de inteligência, luminosas, em Londres, quando Sawers disse a altos funcionários da burocracia britânica que o Irã está “a dois anos de tornar-se estado nuclear”. De onde terá Sawers tirados esse preciso prazo de “dois anos”?

Comentários recentes vindos de Sir John Sawers, atual chefe do MI6 britânico (serviço secreto de inteligência, equivalente britânico da CIA norte-americana), nos obrigam a considerar a possibilidade de que Sawers se prepare para “reformar” a inteligência sobre o Irã, exatamente como fez seu antecessor Sir John Scarlett, que “reformou” a inteligência reunida sobre o Iraque.

É relativamente bem conhecido o papel de Scarlett no período que antecedeu a invasão do Iraque, quando se inventaram “dossiês pré-arranjados”, que ampliavam a ameaça das inexistentes “armas de destruição em massa”. Dia 4 de julho passado, outra vez acenderam-se as luzes de alerta contra manipulação política de informes de inteligência, luminosas, em Londres, quando Sawers disse a altos funcionários da burocracia britânica que o Irã está “a dois anos de tornar-se estado nuclear”. De onde terá Sawers tirados esse preciso prazo de “dois anos”?

Desde 2007, o parâmetro para avaliar o programa nuclear iraniano é a conclusão unânime de todas as 16 agências de inteligência dos EUA, segundo as quais o Irã suspendeu seu programa nuclear no final de 2003 e, até meados de 2007, não o havia reativado. Essas conclusões têm sido validadas anualmente todos os anos, desde então, apesar do que digam Israel e seus apoiadores neoconservadores, sem apresentar qualquer prova.

O documento conhecido como US National Intelligence Estimate (NIE) de 2007 ajudou a conter o projeto de atacar o Irã em 2008, último ano do governo Bush/Cheney. É fato registrado até nas memórias de George Bush, Decision Points, nas quais o autor lastima a “surpreendente declaração da NIE: ‘Estamos muito fortemente convencidos de que, no outono de 2003, Teerã suspendeu seu programa de armas nucleares.’”

E Bush continua: “Mas depois da NIE, como poderia eu explicar o uso dos militares para destruir instalações nucleares de um país do qual a comunidade de inteligência dizia não ter programa ativo de armas nucleares?” (Decision Points, p. 419)

De mãos atadas na frente militar, floresceram as operações clandestinas dos EUA, que, à época, apropriaram-se de $400 milhões para uma enorme escalada do lado obscuro da força na luta contra o Irã, segundo fontes militares, de inteligência e do Congresso citadas por Seymour Hersh em 2008.

A guerra tão clandestina quanto real contra o Irã incluiu ataques de vírus de computadores, assassinato de cientistas iranianos e o que os israelenses chamam de desaparecimento “não natural” de altos funcionários, dentre os quais o major-general da Guarda Revolucionária Hassan Moghaddam, pai do programa iraniano de mísseis.

Moghaddam foi morto numa violentíssima explosão, em novembro passado, com a revista Time citando “uma fonte da inteligência ocidental” que teria dito que o Mossad estaria por trás da explosão. Mais perigosas para o Irã são as severas sanções econômicas impostas ao país e cuja imposição equivale a ato de guerra.

O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu e neoconservadores pró-Israel nos EUA e por toda a parte têm pressionado a favor de imediato ataque ao Irã, recolhendo cada pretexto que consigam encontrar ou inventar. Exemplo recente é Netanyahu, que foi suspeitamente rápido ao aparecer com denúncias de que o Irã estaria por trás do trágico atentado terrorista que matou turistas israelenses na Bulgária, dia 18 de julho passado, apesar de as autoridades búlgaras e até a Casa Branca já terem alertado no sentido de ainda precipitado atribuir responsabilidades, naquele caso.

A acusação instantânea, automática, feita por Netanyahu contra o Irã sugere fortemente que ele esteja já à caça de desculpas ‘prévias’. Com o Golfo Persa em situação de acidente à espera de acontecer, congestionado como está com navios de guerra dos EUA, da Grã-Bretanha e outros – e sem canais de comunicação segura com os comandantes da Marinha iraniana – nunca, mais do que hoje, esteve preparado o cenário para um acidente, ou para ato de ativa provocação que gere rápida escalada no conflito.

23 de julho, Dia da Infâmia

Estranhamente, o discurso de Sawers dia 4 de julho aconteceu às vésperas de data importante – o décimo aniversário de um triste dia para a inteligência britânica e norte-americana que trabalhava sobre o Iraque. Dia 23 de julho de 2002, em reunião em 10 Downing Street, o então chefe do MI6, John Dearlove, comunicou ao primeiro-ministro Tony Blair e a outros altos funcionários do governo a conversa que tivera com George Tenet, diretor da CIA, em Washington, três dias antes.

Nos termos oficiais do briefing (hoje conhecido como “Memorando Downing Street”), que foi vazado para o London Times e publicado dia 1/5/2005, Dearlove explica que George Bush decidira atacar o Iraque; e que a guerra devia ser “justificada pela conjunção de terrorismo e armas de destruição em massa”.

Quando o então secretário de Assuntos Exteriores Jack Straw chamou a atenção para o argumento “ralo”, Dearlove explicou como se nada houvesse, ali, de espantoso: “A inteligência e os fatos estão sendo reformados em torno da política.”

Não há anotação, nos registros da conversa, de que alguém tenha tido crise de soluços – muito menos que alguém tenha protestado contra declarar-se ali guerra absolutamente injustificável, ou de que alguém tenha tentado abalar a determinação de Blair de unir-se a Bush para fazerem o tipo de “guerra de agressão” que o Tribunal de Nuremberg tornou expressamente ilegal depois da II Guerra Mundial e ilegal também nos termos da Carta das Nações Unidas.

Ajudado pela conivência de seus espiões-chefes, o governo Blair abraçou ali uma prática política sem qualquer controle democrático, indiferente aos informes e avaliação de qualquer inteligência e regida por documentos falsificados, com desastrosas consequências para o mundo.

Os cidadãos britânicos foram empanturrados, pelo Dossiê de Setembro (2002), com quantidades astronômicas de inteligência forjada e em seguida, seis semanas antes do ataque ao Iraque, meteram-lhes goela abaixo o “Dossiê Reformado”, baseado principalmente numa tese de PhD já velha de 12 anos, baixada da Internet – requentada por espiões e políticos mancomunados naquele golpe, como se lá existisse alguma obscena inteligência premonitória.

Assim se fez a guerra do Iraque. Só mentiras, que resultaram em centenas de milhares de mortos e mutilados além de milhões de iraquianos sem casa, que vagam sem destino ou futuro. Até agora, ninguém respondeu por esse crime.

Sir Richard Dearlove, que poderia ter evitado tudo isso, se fosse íntegro o suficiente para falar, foi premiado com aposentadoria com honras e salário integrais e foi nomeado Master de uma faculdade de Cambridge. John Scarlett, o qual, como presidente do Comitê Conjunto de Inteligência, assinou os dossiês falsificados, foi recompensado com um título de Cavaleiro e o emprego de top espião no MI6. George W. Bush condecorou George Tenet com a Medalha Presidencial da Liberdade – a mais alta condecoração civil nos EUA.

Quem precisa de mais provas? “São eles, todos eles, homens honrados” –– lembrança dos aliados do assassino Brutus, na peça de Shakespeare, mas sem Marco Antônio que os exponha e faça despertar a adequada resposta popular.

Aí de fato está o problema: em vez de denunciados, acusados e julgados, para que respondam pelos seus crimes, os tais “homens honrados” foram, ora… Foram homenageados. A evidência de que todos se safaram oferece tenebroso exemplo a burocratas ambiciosos, sempre prontos a deixar o jogo sujo correr solto e a navegar para onde os mandem os ventos dominantes.

A homenagem fácil e o favor nem detêm nem desincentivam os atuais e futuros chefes de inteligência tentados a produzir e seguir inteligência corrompida, em vez de impor fatos aos seus chefetes políticos, simples fatos não adulterados. Integridade? Nesse milieu, a integridade atrai perigos, não homenagens. E pode acontecer de você ser expulso do clube.

A operação de “reformar” informação, no caso do Irã

Estaremos entrando em mais uma rodada de informação “reformada” – agora sobre o Irã? Logo saberemos. O primeiro-ministro de Israel Netanyahu, sobre o ataque terrorista na Bulgária, já forneceu quantidade gigantesca de uma variação do mote de Dearlove de dez anos atrás. Já opera na direção de justificar a guerra “pela conjunção de terrorismo e armas de destruição em massa”.

Segundo o Jerusalem Post do dia 17 de julho, Netanyahu disse que todos os países que entendem que o Irã é exportador mundial de terrorismo devem unir-se a Israel e “declarar claramente o fato” – enfatizando a importância de impedir que o Irã produza armas nucleares.

Em aparições no domingo, no programa Face the Nation da rede CBS e em Fox News Sunday, Netanyahu voltou àquele tema. Culpou o Hizbollah libanês, apoiado pelo Irã, pelo ataque terrorista na Bulgária. E convidou os telespectadores a imaginar o que aconteceria se o regime mais perigoso do planeta obtivesse a mais perigosa das armas.

Já se ouviu coisa semelhante… Há dez anos.

O chefe Sawers do MI6 modelará sua conduta hoje pela dos predecessores que, há dez anos, “justificaram” a guerra ao Iraque? Cuidará, por sua vez, de “reformar” a inteligência, para fazê-la caber na política de EUA/Grã-Bretanha para o Irã? Cabe ao Parlamento exigir que Sawers se manifeste, antes que o um dia bulldog britânico seja arrastado, feito poodle, para mais uma guerra desnecessária.