Uma carta ao camarada "Fernandão"

O professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e militante do movimento docente Fernando Amorim, fundador do Proifes, morreu na noite de quinta-feira (2), após sofrer um infarte. Abaixo, uma carta publicada pelo professor e pesquisador Remi Castioni, da Universidade de Brasília (UnB).

Comunicamos com grande pesar o falecimento nessa noite do camarada Fernando Amorim, da UFRJ. Fernandão como era chamado por nós do movimento docente deixa um enorme vazio entre nós.

Coordenador da Fração dos professores comunistas das universidades e institutos federais, Fernandão tinha solução para tudo. Engenheiro de formação, do curso de engenharia naval, parecia se inspirar no horizonte do oceano e antevia com acuidade o caminho seguro a prosseguir.

Nesse pouco mais de dois anos que tive a oportunidade e o privilégio de conviver, às vezes, quase que diariamente, em contato telefônico ou presencialmente aqui em Brasilia, nas reuniões do Proifes, só tenho a dizer nesse momento, que perdemos um grande quadro. Entendia como poucos o ritmo da universidade. Recentemente ao comentar numa reunião do Proifes sobre um dos pontos da negociação, a que trouxe para dentro da carreira o cargo isolado de professor titular, fez grande homenagem aos professores comunistas, em particular, ao Horácio Macedo, da UFRJ, o qual como tantos comunistas, nunca conseguiram ascender a esse cargo porque o reacionarismo e a perseguição na universidade isolavam o mérito em favor do compadrio. Somente lendo a história para entender as circunstâncias sombrias que levaram a Reforma de 1968 a trucidar o cargo de professor catedrático e a de criar o de titular como cargo isolado do magistério superior. Fernandão sabia como poucos esse movimento, as pessoas preteridas, os preferidos pelo regime, os motivos que levaram a criar o cargo.

Também é dele o rótulo que em algumas mensagens circulamos aqui de "vanguarda do atraso". Fernandão lutava no Conselho Universitário, da UFRJ, representando os professores associados e enfrentava esse movimento desqualificado e descomprometido pequeno burguês dos "ditos" novos revolucionários.

Sua incansável luta em favor da educação via nesses grupos o manto do conservadorismo na universidade, daqueles que tentam restringir o acesso da população a universidade. Foi assim quando lutou bravamente para utilizar o Enem NEM como forma de acesso a UFRJ, contra os que diziam que isso ia acabar com a Universidade. Da mesma forma sua defesa da expansão da universidade, sua paixão pelo ensino e sua luta incessante para ligar a educação básica com a educação superior o levou a criar o Colégio Politécnico da UFRJ. Iniciativa impensável para uma universidade, mas que com sua dedicação funcionava e atendia professores da rede municipal e jovens do ensino médio na cidade de Cabo Frio.

Quando apresentei a ele no mês de junho, na reta final de tramitação do Plano Nacional da Educação (PNE), na Comissão Especial da Câmara, a proposta de tratar os gastos em educação como investimento e, portanto, fora da meta do superávit primário me dizia que fariamos história. Eu não acreditei muito nisso, mas pude conferir depois que a proposta deu um nó no Plenário da Comissão de Orçamento e Finanças do Congresso. E por pouco não foi aprovada. Dizia-me que tinhamos dado a solução para fazer o gasto em educação crescer e tratá-lo como investimento, portanto, por fora do limite constitucional.

Sua entrada no Fórum Nacional de Educação, representando o Proifes e que prepara a próxima Conferência Nacional de Educação deu outro ritmo a essa instância. Lá também sua presença será sentida.

Tinha também grande preocupação com o partido. Nesse processo de expansão estava muito determinado a melhorar a forma da nossa intervenção.

Poderia enumerar várias das suas qualidades e seu compromisso com a educação, mas fico por aqui. Tal como o ex- reitor Aloisio Teixeira, morto na semana passada, vai deixar muitas saudades, mas como ele constumava dizer "é vida que segue".

Para nós será também enorme desafio substituí-lo, principalmente, nesse momento em que estamos saindo de uma greve muito divididos, mas com enorme saldo político. Isso vale tanto para a nossa Fração como para o próprio Proifes.

Só tenho a dizer nessa despedida obrigado Fernandão por nos mostrar que é possível sonhar e concretizar nossas ideias e colocá-las a favor dos que precisam.