Maria de Nazaré Pedroza: UNE; uma experiência inesquecível

Vivi na UNE uma experiência única e inesquecível do ponto de vista pessoal. Para a entidade e para o movimento estudantil em geral foi aquele um momento histórico. Refiro-me ao fato de ter acontecido, pela primeira vez, a eleição de uma mulher para um posto da diretoria da UNE.

Por Maria de Nazaré Pedroza*

E coube a mim o protagonismo de ser a primeira mulher eleita para a UNE no contexto de um Congresso Nacional de estudantes ocorrido em junho de 1963, em Santo André, São Paulo, com a participação de "bancadas" ou delegações de todos os estados. Portanto, uma eleição com plena legitimidade. Foi o último Congresso antes do golpe militar. Eu não poderia omitir este relato, concordam?

Não posso minimizar neste depoimento nem a emoção que me ilumina a memória, nem o significado desse evento para todas as centenas de mulheres que sempre estiveram presentes e atuantes desde 75 anos atrás na UNE, na Ubes, nos DCEs, sempre assessorando os rapazes eleitos mais ou menos democraticamente. Com aquela eleição em Santo André todas e todos ganhavam legitimidade em sua militância, a mulher assumia um papel institucional na UNE, ganhava representatividade, saía da invisibilidade eleitoral e, ao que sei, depois desse Congresso, nunca mais (ou raramente) deixou de haver mulheres eleitas para exercer funções nas Diretorias seguintes. Inclusive assumindo, a própria Presidência da entidade o que era impensável mesmo nesse passado relativamente recente ao qual me referi. Fui eleita para o cargo deTesoureira Geral da UNE. Com admiração e amizade abraço a todos os meus colegas de Diretoria.

Nossa Diretoria conseguia desenvolver uma gestão dinâmica, politicamente ousada e consequente, fluindo harmoniosa com a condução política no modelo "frente única," democrática, e vários programas inovadores sendo implementados. No dia 1° de abril de 1964 veio o golpe militar e fechou esse período, tentou calar nossa voz, muitos dentre nós, assassinados, infelizmente foram calados para sempre. Mas o movimento estudantil, como sabemos, se fortaleceu na clandestinidade.

São tantas as ocorrências pra contar… De repente ao escrever estas notas me dei conta de que já fazem 50 anos dos acontecimentos aqui relatados. Não posso retardar em compartilhar, embora brevemente, essas experiências e sentimentos de meio século atrás. Presto homenagem uma vez mais às centenas de mulheres estudantes que participavam do Congresso em Santo André, e que, apesar da "frente única" em vigor, em termos eleitorais estavam divididas entre seguidoras da Ação Popular (AP) e seguidoras do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Após os conchavos e principalmente após o Conchavão eventuais divisões se reduziam e prevalecia a soma resultante do entendimento claro sobre quem eram de fato nossos verdadeiros inimigos.

Como é bom compartilhar aqui que na hora em que foi apresentada por primeira vez a mulher candidata, (fiz questão de apresentar-me a mim mesma, por indicação da bancada do Maranhão) uma surpresa em meio à Assembleia do Conchavão, já sem tempo para conchavinhos com dirigentes e facções, como eu ia dizendo, logo após essa apresentação, todas, absolutamente todas as mulheres estudantes presentes naquele Congresso levantaram-se como uma onda, aplaudindo a candidatura feminina, cantando palavras de ordem e deixando claro que alí não havia margem para divisões.

Como é bom compartilhar também que após um momento de espanto, silêncio, perplexidade talvez e troca de sorrisos amarelos entre alguns dos rapazes, companheiros de jornada política, estes foram compreendendo rapidamente o que se passava com a unidade espontânea das mulheres e então, de início timidamente, foram por sua vez crescendo em aplausos até formarem também uma mesma onda com as mulheres. Tantos sentimentos nos inundaram de forma rápida, porém duradoura. Pura compreensão de algo novo que veio para ficar, de algo muito maior e que qualquer mulher eleita podia, naquele momento simbolizar apenas. Tudo virou símbolo. Símbolo de luta. Símbolo e conquista.

Considero que o movimento estudantil como um todo deu um salto qualitativo naquele momento. Fortaleceu-se nossa Unidade em preparação a tanta arbitrariedade, tanta tortura e dor que já estavam a caminho com os anos de chumbo. Em preparação também a tanta coerência, tanta capacidade de resistência, de luta contra o neoliberalismo, tanta conquista, que também já nos espreitavam na esquina e continuam nos desafiando todos os dias.

A UNE foi minha grande escola de preparação política e para a vida. Do fundo do coração presto homenagem a todos os que tombaram nas trincheiras e também aos que sobreviveram e permanecem fiéis na busca dos mesmos ideais, nutridos durante tanto tempo. Entre os sobreviventes, a História reservou à Presidenta Dilma a tarefa de, para além de ser a primeira Presidenta do Brasil, conduzir e consolidar várias outras formas de pioneirismo que vão tecendo um futuro desafiador, o qual, por sua vez, a UNE vai desbravando, como vanguarda que é, junto ao movimento estudantil brasileiro.

Viva a Gloriosa União Nacional dos Estudantes!!!

* Maria de Nazaré Pedroza é militante do PCdoB