Comunidade acadêmica na USP se mobiliza por Comissão da Verdade

A Criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 17 de maio, trouxe com força o debate sobre os desaparecidos do período da ditadura militar e o direito à verdade e memória. Mobilizando-se em torno dessa causa, a sociedade civil tem se organizado em comitês municipais e estaduais para contribuir com as investigações. Um desses focos é na Universidade de São Paulo (USP), que tenta criar sua Comissão.

Nas universidades brasileiras, que sofreram inúmeros ataques, invasões e perseguições durante a ditadura, as comunidades acadêmicas também estão demonstrando organização e interesse em contribuir com os trabalhos da CNV.

A comunidade da Universidade de São Paulo (USP) já vem, há alguns meses, se mobilizando para organizar a sua comissão da verdade. A iniciativa começou com o Fórum aberto pela democratização da USP, que lançou a ideia de uma comissão oficial interna para investigar os casos de repressão e desaparecimento de estudantes da universidade, oficialmente 34.

“A USP foi um palco privilegiado na ditadura, tanto de repressão, como de resistência. Muitos dos membros dos movimentos de resistência de luta armada haviam sido quadros da universidade. Com certeza há muito mais casos do que aqueles que constam na lista oficial, o que justifica uma investigação mais profunda. Achamos que a CNV não terá tempo de se debruçar sobre todos os casos”, explicou Renan Quinalha, estudante da universidade e um dos articuladores da iniciativa dentro do Fórum pela democratização da USP.

O primeiro passo para instalação da comissão foi a circulação de um abaixo-assinado, que será enviado ao Conselho Universitário da USP. De acordo com Renan, a intenção da comunidade é que a comissão seja oficial e reconhecida pela reitoria da universidade. Participarão dessa comissão membros da comunidade acadêmica definidos por voto.

No próximo dia 27 de agosto (segunda) haverá um ato na USP para oficializar a campanha pela criação da Comissão da Verdade na universidade. Até o momento, a reitoria da universidade não se manifestou nem em favor, nem contra essa criação. Paira no ar uma desconfiança, por parte da comunidade acadêmica em relação, ao apoio da reitoria ao projeto.

“O que vemos é que nada vem sendo feito por parte da reitoria no sentido de colaborar com a campanha e avançar com essa negociação e não houve nada mais concreto. Vamos esperar a entrega do abaixo-assinado para que a universidade coloque uma posição oficial”, explicou Renan.

Para o diretor de memória do movimento estudantil e estudante de direito da USP, Gabriel Landi, a suspeita é legítima: “Minha avaliação é de que essa comissão remexeria muitos dos esquemas de manutenção da ordem na Universidade hoje. Por exemplo: hoje, uma série de estudantes são expulsos politicamente, como base no regimento disciplinas de 1972, que foi promulgado na Ditadura e contém atrocidades como a proibição de ‘manifestações de carater político-partidários, religiosas ou etnicas”, explicou.

Por que uma Comissão da Verdade dentro de uma universidade?

Em todos os países da América Latina onde foram instauradas comissões da verdade, não há registro de que trabalhos específicos nesse sentido tenham sido realizados dentro de universidades. Ainda assim, Renan justifica a iniciativa da comunidade uspiana como um reflexo dos laços de proximidade com o período da ditadura militar ainda existentes na universidade.

“O regime disciplinar da USP é o mesmo desde 1972. Trata-se de um decreto feito na época do governo Médici (1969-1974), um dos mais autoritários do período da ditadura, que foi assinado pelo então reitor na época, que também assinou o Ai-5. O regimento está vigente e é uma continuidade no plano legal do autoritarismo do período da ditadura militar”, disse Renan.

O estudante também exemplificou o autoritarismo na universidade citando a forma de escolha do reitor: ainda hoje não há participação alguma da comunidade acadêmica nessa escolha. “É o governador quem decide e a comunidade nem é consultada”.

Recentes demonstrações de violência e autoritarismo dentro da campus da universidade demonstram que tais colocações em relação ao posicionamento da universidade podem conter verdades. Em outubro do ano passado, casos de reação violenta e autoritária da PM de São Paulo contra estudantes da universidade chocaram a população (Leia aqui nota da UEE-SP sobre o caso http://www.une.org.br/2011/10/nota-da-uee-sp-sobre-a-violencia-policial-na-usp/ ).

Na opinião de Renan, situações como essa são reflexo da apropriação por parte da atual reitoria da herança desse projeto autoritária de gestão de universidade imposta pela ditadura. “É por essa razão que queremos uma comissão oficial. A universidade praticou atos de violência e o caráter atual dela tem muito a ver com esse período. Queremos debater esse projeto de universidade também”, disse. “A comissão tem exatamente a capacidade de evidenciar o que continua presente, que nos nossos dias é um resquício autoritário do regime militar. Uma comissão como essa ajuda a esclarecer o presente, descortinando o passado”, finalizou.

Fonte: Site da UNE