Reserva do governo federal para juros cresce 258% em julho

O “superávit primário” (o desvio de verbas do orçamento para os juros) do governo central aumentou 258,17% em julho, em relação ao mês anterior, segundo relatório do Tesouro Nacional divulgado no último dia 29 – de R$ 1.113.807.187 (junho), o desvio passou para R$ 3.989.303.617 em julho.

Por Carlos Lopes, em Hora do Povo

É completamente inútil, para qualquer informação séria, recorrer à entrevista do secretário do Tesouro, Arno Augustin, em que anunciou o relatório. Soltar foguetes diante de uma pilhagem ao Estado e ao povo parece que se tornou um vício do sr. Augustin. Nem parece o mesmo lá de Carazinho, onde nasceu, terra que, entre outros homens ilustres, também é o torrão natal de Leonel de Moura Brizola. Mas é o tal negócio: seguem as gerações e aparecem as tentações…

Já o sr. Mantega, que nasceu na Itália, não deve nem saber onde é Carazinho, quiçá o Brasil. Com a economia parada, os salários dos servidores federais reajustados abaixo da inflação (ou seja, com o governo reduzindo na marra os salários reais), a indústria em retrocesso e a agropecuária em graves dificuldades, ele e sua equipe não viram coisa melhor para fazer do que contemplar a gritaria dos bancos e sua mídia, que reclamavam um aumento do “superávit primário”, isto é, um confisco ainda maior dos recursos públicos, com sua drenagem para o poço financeiro.

Os bancos queriam uma compensação pelo pouco que deixaram de ganhar com a baixa dos juros básicos – mesmo com estes ainda muito acima do nível internacional. Há duas edições (v. HP, 24/08/2012), quando registramos essa grita, não tínhamos esperanças na sólida firmeza do sr. Mantega, mas não pensamos que ele cederia tão rápido. Na verdade, quando escrevemos naquela edição, ele já havia cedido. O sujeito é um azougue.

Em julho, enquanto o “superávit primário” aumentava +258,17%, houve uma redução de -61,6% na execução do PAC e -10,1% no item “outras despesas de capital”, que inclui o programa “Minha Casa, Minha Vida” (cf. STN, “Resultado do Tesouro Nacional – julho/2012”, págs. 13 e 14).

Naturalmente, aparecerão alguns para dizer que sublinhamos um único mês, enquanto o “superávit primário” de janeiro a julho permanece abaixo daquele do mesmo período do ano passado.

É verdade, mas isso é apenas vontade de mascarar o resultado de julho pela sua dissolução num período maior. Porém, façamos a vontade desses cavalheiros (e damas). Com a economia no mesmo nível ou com a mesma velocidade de 2007, vejamos alguns resultados de 2012, segundo o Tesouro:

1) Como, nesse relatório, a Secretaria do Tesouro utiliza dois critérios diferentes para considerar que uma despesa está “paga”, é difícil saber quanto, precisamente, foi a efetiva liberação do investimento. Com certeza, em sete meses, algo entre 5,79% e 10,4% daquilo que foi aprovado pelo Congresso para o ano, em valores atualizados (cf. rel. cit., anexos, tabelas A1 e A9). Como a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o Tesouro a emitir um relatório sem esse tipo de ambiguidade até 30 dias depois de encerrado o “bimestre”, dentro em breve saberemos qual é a verdade. Deve ser a única coisa boa nessa lei. Mas seja qual for a verdade, é evidente que a equipe do sr. Mantega continua segurando os investimentos públicos.

2) O governo, em relação ao PIB, dispendeu menos com salários e encargos sociais que no ano passado. Apesar do crescimento estagnado, “nos sete primeiros meses de 2012, as despesas com pessoal e encargos sociais reduziram 0,16 p.p. do PIB em relação a igual período de 2011, atingindo 4,28% do PIB em 2012 ante 4,44% do PIB em 2011”. (cf. STN, “Resultado do Tesouro Nacional – Julho/2012”, pág. 15).

3) Em termos de comparação direta: as despesas com pessoal e encargos sociais de julho de 2012, comparadas a julho de 2011, aumentaram apenas 4,9% – menos, portanto, que a inflação do período, seja pelo INPC (5,4%) ou pelo IPCA (5,2%).

4) O dispêndio com salários e encargos sociais (R$ 107,72 bilhões) de janeiro a julho foi inferior à meta do próprio governo (R$ 108,30 bilhões) para o período, estabelecida pelo decreto nº 7.781/2012 – é verdade que essa meta é posterior, pois o decreto foi assinado no dia 1º de agosto, com a intenção, entre outras coisas, de limitar o gasto com salários em R$ 123,775 bilhões até agosto e a R$ 187,611 bilhões até dezembro. Nem por isso deixa de ser verdade o que afirmamos.

5) Com o resultado de julho, o governo federal (isto é, o Tesouro Nacional, sem a Previdência e sem o Banco Central) cumpriu 77,72% da sua meta anual de desvio para os juros, estabelecida pelo mesmo decreto (nº 7.781/2012). Em relação ao governo central (Tesouro Nacional + Previdência + BC), em julho o governo superou sua própria meta de “superávit primário” para o segundo quadrimestre em 13,2%, mesmo sem o resultado de agosto.

6) O investimento total de R$ 38,8 bilhões de janeiro a julho (incluindo o “Minha Casa, Minha Vida”), anunciado pelo governo como um aumento de 29,4% em relação ao ano passado, é constituído em 72,63% por “restos a pagar”, isto é, despesas referentes a orçamentos de outros anos que haviam sido bloqueadas ou postergadas, enquanto a economia soçobrava (cf. STN, “Resultado do Tesouro Nacional – Julho/2012”, anexos, tab. A9).

Com um desvio de verbas para juros de R$ 51,9 bilhões em sete meses – e um gasto, no mesmo período, de mais de R$ 90 bilhões em juros, isto é, pelo menos uns R$ 40 bilhões acima do próprio “superávit primário”, aumentando artificialmente o endividamento público – é completamente ridículo (para não falar, nauseante) que certas autoridades venham dizer que não podem dar aumento de salário (aumento real) aos servidores porque há uma crise nos EUA ou na Europa, ou, como disse aquele ministro, porque implicaria em aumentar a despesa com salários “além da margem fiscal”, isto é, além da suposta capacidade do governo de continuar pagando juros aos bancos da mesma forma que atualmente. Se a consequência fosse esta, seria mais uma razão para aumentar os servidores.

Mas não é por qualquer razão ou teoria econômica que a atual equipe age dessa forma. Tudo isso são racionalizações, ou, francamente, vigarices. Persiste o problema político e ideológico – talvez moral: a diferença de tratamento dada aos bancos e aos servidores públicos, assim como aos demais trabalhadores. No entanto, foram estes, e não aqueles, que elegeram o atual governo – e, inclusive, salvaram a candidatura à Presidência no momento em que ela mais esteve em perigo, depois do primeiro turno das últimas eleições presidenciais. Ao que parece, é isso o que Mantega e assemelhados querem jogar no mato, em prol de interesses tremendamente mesquinhos – por mais rendosos que sejam.