Jaime Sautchuk: Farenheight 451

O escritor Paulo Coelho é o brasileiro que mais vende livros no mundo, em papel, nas livrarias e bancas de revistas. Outro dia, porém, numa entrevista a uma rede de TV, ele se disse orgulhoso por não ter livros em suas casas, em diversas partes do mundo, porque não gosta de ler obras em papel. Só lê na telinha. Isso talvez explique o que ele escreve.

Por Jaime Sautchuk*

As afirmações do mago das livrarias suscitam alguma lucubração sobre a importância da leitura para a compreensão da vida e da linguagem que usamos . Quem sabe expliquem o famoso dito de que as pessoas inteligentes e de grande cultura têm muitas dúvidas, enquanto os imbecis têm muitas certezas. E por isso viram políticos. Ou escritores de textos de autoajuda.

Afinal, você não tem na Internet as obras completas de Aristóteles, Marx, Balzac, Victor Hugo, Tolstoi, Thomas Mann, Sheakespeare, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Gracialiano Ramos, Guimarães Rosa e assim por diante. Aliás, eu procurei e não achei o clássico romance “Farenheight 451”, do norte-americano Ray Bradbury, que virou o filme não menos clássico do francês François Truffaud e que trata deste assunto.

Portanto, nem esse Coelho deve ter lido, pois ele diz que só lê o que aparecer no computador. Justo ele, que virou milionário vendendo livros que se pode pegar nas mãos e ler página a página.

Aí entra a discussão sobre o papel do livro em papel no mundo de hoje. Em seu romance, Bradbury criou uma sociedade em que um imaginário estado autoritário proíbe a leitura, sob a alegação de que ler livros tornaria as pessoas improdutivas, sem objetividade. Por isso, o livro vira uma droga condenada e quem os traficar ou usar é preso.

O título do livro (e do filme) se refere ao grau da temperatura que faz o papel pegar fogo. No tal regime ditatorial criado por Bradbury era tarefa dos bombeiros apreender livros mocozados atrás de paredes, pisos e outros lugares e queimá-los sem piedade, junto com as casas ou escritórios dos criminosos leitores.

O enredo gira em torno do drama de um desses bombeiros, de nome Montag, que rouba livros antes de atear fogo às bibliotecas, os esconde em casa, mas é denunciado por sua mulher. Para não ser preso, ele consegue fugir e é levado por uma amiga para um lugar ermo, onde vivem viciados, chamados de “homens-livros”, que decoram obras das mais diversas para poderem curti-las pelo resto da vida.

Pois bem, nessa Bienal do Livro de São Paulo, os editores trouxeram a boa notícia de que a venda de livros cresceu bastante no Brasil nos últimos anos. Mas isso não refresca muito a situação. As crianças e jovens brasileiros que não estão nas ruas ficam a maior parte do tempo diante do computador ou da TV. E mexendo com coisas de um mundo bem diferente, bastante exotérico.

Nem é preciso falar que as livrarias em geral têm um setor dedicado a uma categoria chamada de “infanto-juvenil”. Ora, meninos e meninas adolescentes não gostam de parecer criança. Ficam perdidos entre as prateleiras e caem fora, caso forem a uma livraria.

Além disso, as escolas, tanto públicas como particulares, de um modo geral não têm bibliotecas. Tampouco as pequenas cidades do interior, que não tomam iniciativas nesse sentido para oferecer às suas comunidades, com algumas belas exceções. Mas não quer dizer que o livro impresso tenha acabado.

O Ministério da Educação tem agora um programa voltado para isso, mas ainda não há uma política que de fato force as escolas e prefeituras a manterem bibliotecas diversificadas. O desinteresse pelo livro não significa uma tendência da vida moderna, muito pelo contrário. É falta de oportunidade e de incentivo.

Quando surgiu o rádio, diziam que a imprensa iria acabar, mas os jornais e revistas continuam aí. O cinema iria matar o teatro e os demais meios de comunicação, mas não matou. A TV, meio século depois, iria liquidar o cinema, mas não liquidou. E agora a Internet vai acabar com todos, inclusive os livros. Tenha paciência…

Ou seja, Paulo Coelho está sintonizado com o atraso. De minha parte, continuarei imitando Montag. Só não vou furtar livros dele!

*Jaime Sautchuk  é jornalista,escritor/poeta,lutador por um mundo melhor, coordenador do CEBRAPAZ/DF, ambentalista e revolucionario em tempo integral.