Panamá vive ilusão do neoliberalismo, diz líder da nova esquerda

Chegando à Cidade do Panamá, o que mais chama atenção ao visitante é a imagem de desenvolvimento, modernidade e bem estar emanada pela capital. Arranha-céus de mais de 80 andares e um sistema de transporte de metrô em construção, uma Ferrari fazendo roncar seu motor no semáforo e milhares de pessoas em movimento por suas largas avenidas abarrotadas de lojas não é algo normal na região centro-americana.

Por Giorgio Trucch, no Opera Mundi

Panamá - Wikicommons

Entretanto, para Genaro López, dirigente da Conusi (Confederação Nacional de Unidade Sindical Independente) e do Frenadeso (Frente Nacional pela Defesa dos Direitos Econômicos e Sociais), essa imagem, somada aos conceitos de “pleno emprego” e “crescimento econômico” que enche de orgulho o atual governo de Ricardo Martinelli, são elementos que só servem para gerar um ilusão por trás da qual se esconde uma realidade muito diferente no país.

Um Panamá pós-invasão norte-americana (1989), assegura López ao Opera Mundi, que nada tem de democrático e que continua sacudido pelos altos índices de pobreza, pela injusta redistribuição da riqueza, pela precarização e flexibilização dos postos de trabalho por poderosas multinacionais, repressão social e uma corrupção generalizada.

Diante dessa situação, o dirigente sindical assegura que o país está em uma encruzilhada: continuar vivendo de ilusões ou buscar alternativas reais para uma refundação do país.

Neste sentido, o processo de formação do partido FAD (Frente Ampla pela Democracia) por meio das próprias entranhas dos movimentos sociais, populares e sindicais do Panamá, representa – disse López – “um passo decidido em direção ao rompimento das ilusões que enganam o povo panamenho e em direção a uma mudança real”.

Giorgio Trucchi/Opera Mundi
Opera Mundi: O Panamá é uma miragem ou realidade?
Genaro López: Os políticos gostam de dizer que o Panamá é o “país das maravilhas”, que tem pleno emprego e uma taxa de crescimento econômico que está entre as mais altas da região centro-americana. No entanto, a realidade nos diz outra coisa. Por exemplo, que somos o segundo país da América Latina com a pior distribuição da riqueza, que o salário mínimo não cobre sequer a cesta básica, que mais de 40% da população vive na pobreza e que mais de 90% da população indígena – que representa 11% do total nacional – é pobre ou extremadamente pobre.

Além disso, 47% da força de trabalho empregada está no setor informal, está precarizada, não goza de nenhum tipo de direito trabalhista, nem de benefícios sociais. Por fim, o crescimento econômico que temos não chega à maioria e fica concentrado nas mãos de poucos. No Panamá, o desenvolvimento econômico não equivale a desenvolvimento humano, e isto é o resultado das políticas neoliberales que começaram a ser implementadas a partir dos anos 1990.

Quais foram estas políticas?
Todos os governos que sucederam a invasão norte-americana (1989) implementaram as mesmas políticas de privatização dos bens públicos, dos recursos naturais e dos serviços básicos, acompanhadas da venda de empresas de capital nacional ao capital estrangeiro. Tudo isso trouxe mais concentração da riqueza e privações à população, além de mais corrupção e mais repressão contra os movimentos e organizações que se opuseram a estas medidas.

Há setores que acreditam que a invasão de 1989 trouxe a democracia para o país. O senhor está de acordo?
Depende do que se entende por “democracia”. Para nós, “democracia” vai mais além de poder votar a cada cinco anos no carrasco que irá nos impor as mesmas medidas. Não podemos falar de “democracia” quando a maioria da população não tem suas necessidades básicas atendidas.

Daquela trágica experiência ficou a violação e o enfraquecimento da nossa soberania, a dor de nosso povo, o sofrimento dos familiares das vítimas. Passaram-se quase 23 anos e nunca foi feita uma investigação, nem sabemos quantas pessoas perderam a vida, quantos são os desaparecidos, quantas foram as perdas materiais.

Ainda que os setores abastados e mesmo o governo norte-americano queiram colocar um véu de silêncio sobre o que aconteceu, nós continuamos lutando para que as pessoas não se esqueçam, para que se investigue e sejam indenizados os familiares das vítimas.

Qual a presença dos Estados Unidos hoje no país?
Depois que entregaram o canal, buscaram uma forma de continuar no país. Sob o pretexto da luta contra o narcotráfico, não apenas mantêm suas bases militares, mas estão incrementando a exibição das tropas e seu nível de assessoramento. A realidade é que os norte-americanos seguem tendo uma forte incidência na administração do Estado.

 Como é avaliado o desempenho do governo do presidente Ricardo Martinelli?
Martinelli tem um histórico de grande empresário envolvido na política. Antes de ser eleito presidente, atuou como diretor da Caixa do Seguro Social no governo de Ernesto Pérez Balladares (1994-1999) e como Ministro do Canal do Panamá durante o período de Mireya Moscoso (1999-2004).

Quando assumiu seu mandato, prometeu fazer um governo que iria resolver as necessidades do povo, mas o que vimos foi exatamente o contrário. Impulsionou uma maior desregulação e privatização do mercado e incrementou o nível de repressão contra as organizações sociais, populares e sindicais.

O resultado foi que, em 2011, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) colocou o Panamá em uma lista de 25 países onde mais se violam os direitos trabalhistas e, portanto, os direitos humanos. Contudo, continua o protesto dos estudantes, dos trabalhadores da Caixa do Seguro Social, dos povos indígenas e de amplos setores da sociedade panamenha.

Quais foram os momentos mais difíceis pelos quais o protesto social passou no Panamá?
Quando aprovaram a Lei 30, conhecida como “Lei Chorizo”, e a Lei 14, conhecida como a “Lei do Encarceramento”. Quiseram reformar o Código do Trabalho, o Código Penal, o Judicial e um sem-número de leis. Quiseram criminalizar os protestos sociais e dar um golpe mortal nos direitos trabalhistas, sindicais e humanos.

Não podemos nos esquecer que os trabalhadores da produção de banana em Bocas del Toro foram reprimidos brutalmente, com um saldo de mortos – ainda que as pessoas assegurem que foram pelo menos dez –, mais de 500 feridos com tiros, 56 dos quais perderam a visão em um olho e três ficaram cegos.

Há poucos meses, assistimos também ao protesto maciço do povo originário Ngäbe Bukléno, na região de San Félix, província de Chiriquí, contra a repressão do governo e do Parlamento ao permitir a implementação de megaprojetos mineiros e hidrelétricos em seu território. Também nesse caso houve mortos e dezenas de feridos.

A Frenadesco também denunciou repetidamente a corrupção no governo.
A corrupção está em todas as partes e vimos isso recentemente com o caso do italiano Valter Lavitola, um antigo colaborador do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, que foi acusado de ter subornado a membros do gabinete do governo e mesmo a Martinelli em troca de contratos para a construção de prisões no Panamá.

Giorgio Trucchi/Opera Mundi

Ainda em construção, o partido Frente Ampla pela Democracia (FAD) pretende estabelecer uma alternativa política no Panamá

Aqui todo mundo sabe, por exemplo, que as licitações para grandes obras já estão arranjadas para que as empresas estrangeiras as ganhem. É uma situação que tem que mudar, porque toda a riqueza que se cria, incluindo a que se origina da administração do Canal, nunca serve para resolver os graves problemas de fome, pobreza, desemprego e marginalização. Ao contrário, estamos vendo como o Panamá está abandonando a agricultura e agravando a situação de insegurança alimentar das pessoas.

No entanto, as pessoas parecem não estar buscando alternativas políticas.
Não é assim. Em cada processo eleitoral, há um voto de protesto contra o governo que está de saída, mas o problema é que não existem alternativas políticas reais. Nesse sentido, acreditamos que este é o momento mais oportuno para a criação de um instrumento político-eleitoral que possa ser uma alternativa de mudança no país.

Qual seria, exatamente?
A partir da experiência da Frenadeso, que reúne amplos setores da sociedade panamenha, decidimos iniciar o processo de formação do partido Frente Ampla pela Democracia (FAD). Nosso propósito é criar um instrumento que represente uma alternativa com equidade e justiça social e que aponte para uma refundação do país por meio de uma nova Constituição originária.

Inauguramos nossa sede na capital e, atualmente, estamos no processo de coleta de assinaturas, e já superamos 20 mil adesões das 64 mil necessárias para se oficializar como partido frente às autoridades eleitorais.

Apesar de o procedimento ser bastante complicado no Panamá para a inscrição de um novo partido, além de um Código Eleitoral totalmente antidemocrático, o FAD é a única formação política que conseguiu, até o momento, manter seu status de “partido em formação”, e estamos convencidos de que podemos chegar a participar das eleições nacionais de 2014.

Historicamente, os movimentos sociais tiveram dúvidas sobre se deveriam se converter em partido político e participar de um processo eleitoral. Como chegaram a essa decisão?
Foi uma grande e difícil discussão e, finalmente, avaliamos que era o momento propício para oferecer um espaço em que pudessem convergir amplos setores. Nosso objetivo é somar, e que as pessoas participem porque acreditem no projeto e no programa, e não porque lhes são oferecidos cargos, como fazem os partidos tradicionais.

Sabemos que não vai ser fácil e que as forças conservadoras e retrógradas nacionais e internacionais farão de tudo para boicotar e frear nosso projeto, tal como já estão fazendo em países da América Latina onde os povos colocaram no governo forças progressistas ou de cunho socialista. Mas estamos dispostos a seguir em frente.