Crônica: Cabral e o ovo de Colombo

A metafórica expressão "Ovo de Colombo" refere-se a soluções encontradas para certos problemas agindo de uma maneira que nos parece simples, comum, até natural, mas que na verdade houve época em que ninguém havia pensado naquilo, até que alguém planejou e resolveu agir daquela forma. Daí em diante, aquele método se tornou corriqueiro, solução óbvia, mas nem sempre teria sido assim.

Por Fernando Soares Campos*

Depois do descobrimento da América, Cristóvão Colombo passou a desfrutar uma fama de dar inveja a Galileu, Gagarin ou aos Beatles. Os institutos castelhanos de pesquisa registravam homéricos índices de popularidade colombina, percentuais que, desde então, só são menores que os da popularidade de Lula, coisa nunca antes alcançada na história.

Certo dia, Colombo foi convidado para mais um banquete em que lhe prestariam honrosa homenagem. Um dos convidados, enciumado com a badalação em torno do nome de Colombo, lhe fez a seguinte pergunta:

– Você descobriu o Novo Mundo, certamente merece reconhecimento, mas, por acaso, acredita que não existem outros homens na Espanha que poderiam ter realizado esse mesmo empreendimento?

Colombo, mantendo a fleugma, não respondeu diretamente à pergunta, mas propôs um desafio aos presentes. Pegou um ovo de galinha e desafiou todos os que ali se encontravam a colocar o tal ovo em pé, apoiando-o sobre uma de suas extremidades.

Muitos foram os que decidiram tentar vencer o desafio. Debalde (palavra que, à época, estava em voga, assim como “em voga” era naquele momento uma expressão em voga). Todos fracassaram.

Depois de muitas tentativas, os desafiados voltaram-se para Colombo e declararam a impossibilidade de realizar aquela façanha.

Colombo pegou uma pitada de sal, colocou-a num canto da mesa e assentou o ovo sobre os cristalinos grãos (há quem diga que ele bateu cuidadosamente o ovo contra a mesa até que a casca se quebrasse levemente na parte mais arredondada). Dessa forma, foi simples colocá-lo em pé.

O homem que o havia provocado inicialmente protestou:

– Assim qualquer um pode fazê-lo!

Colombo respondeu:

– Sim, qualquer um! Mas “qualquer um” que tivesse tido a idéia que tive. – E concluiu: – Uma vez que eu mostrei o caminho do Novo Mundo, “qualquer um” poderá segui-lo. Entretanto, antes, tive a idéia e a coloquei em prática. "Qualquer um", agora, pode seguir o exemplo.

Dizem ainda que entre os convidados para o banquete estava o navegador português Pedro Álvares Cabral, que, diante da lição dada por Colombo, acreditou ter aprendido a realizar grandes navegações. Cabral estava convicto de que poderia até fazer um pouco mais, chegar um tanto mais longe que seu colega espanhol. E foi assim pensando que o comandante português se lançou ao mar.

Dias depois de iniciar a aventura que o levaria a terras tupiniquins, Cabral aportou nas Ilhas Canárias e postou uma carta a Colombo, através da qual fazia a seguinte observação:

"Você nos ensinou a colocar o ovo em pé, fator considerado imprescindível para realizar grandes navegações, mas, já nestas primeiras milhas navegadas, posso lhe garantir que mantê-lo nessa posição com o mar agitado é praticamente impossível."

Moral : Para fazer mais que os outros, às vezes precisamos quebrar um pouco mais a casca do ovo ou aumentar a quantidade de sal em que este será apoiado.

P.S.1 : Há quem acredite que Lula não deveria ter feito certos acordos em nome da governabilidade ou do eleitoralismo; saiba, porém, que, nesse caso, fazer mais que ele exige firmar aliança até mesmo com Judas. E ainda mais estreita que com Maluf.

P.S.2 : Fazer mais não significa fazer melhor.

*Escritor, colaborador do Vermelho