Os perigos da corrida cinematográfica na América Latina

“A Colômbia será o próximo destino do cinema mundial”, bradou o presidente Juan Manuel Santos no último mês de julho, diante de uma plateia de profissionais de cinema de várias nacionalidades, fazendo vibrar as frias paredes da Casa de Nariño, em Bogotá. A ocasião era o “lançamento” da Lei 1556 no país, “pela qual se fomenta o território nacional como cenário para a filmagem de obras cinematográficas”.

Por Camila Moraes, em Opera Mundi

A cena seria normal, até plausível, se o aparato que apoiava o discurso de Santos não denunciasse já de antemão do que se tratava a novidade. A cenografia: um telão exibindo imagens de arquivo de Tom & Jerry (e o devido logotipo de Warner), Indiana Jones, ET, Guerra nas Estrelas e, para culminar, Superman (acompanhado, como de praxe, da bandeira dos Estados Unidos), acompanhado da respeitável Orquestra Sinfônica de Bogotá, ali presente para executar algumas trilhas sonoras clássicas de filmes norte-americanos.

De um lado, colombianos orgulhosos e, de outro, estrangeiros estupefatos. E não é difícil imaginar por quê: sabe-se que a Colômbia é um dos países latino-americanos mais alinhados com as políticas estadunidenses. Isso não vem de hoje e nem deste século, mas custa um pouco mais conceber a ideia de um presidente, até mesmo um colombiano, anunciando seu país com “descontos especiais” para os Estados Unidos como um feirante que vende a baciadas e cobra mais barato de “moça bonita”.

Mas é uma realidade.

A Lei 1556 prevê a devolução de 40% do que for gasto em serviços cinematográficos e 20% do que se gastar, por exemplo, em hotel e passagens. É baseada em políticas praticadas por film commissions, que são entidades normalmente ligadas a governos e responsáveis por vender determinado lugar como destino de filmagem, dando em troca, sobretudo, vantagens fiscais.

São muito válidos – e importantes para a economia de uma cidade, como por exemplo, Nova York. No passado, ela superou um período de falência financeira graças às vantagens atraíram um punhado de filmagens – os propósitos de uma film commission. Mas muito diferente disso é criar uma lei de cinema que fomente a indústria cinematográfica nacional.

A lei que promete atrair à Colômbia filmagens que supostamente aquecem a economia local, em realidade beneficia Hollywood e os interesses de sempre. No país, apesar da mão de obra utilizada ser a colombiana (no caso dos técnicos, porque os “cargos altos”, como direção de fotografia ou roteiro, por exemplo, são obviamente importados), as empresas beneficiadas tendem a ser as usuais, grandes e já estruturadas.

[à esquerda, cartaz do filme Do Amor e outros Demônios (Del Amor y otros Demonios), de Hilda Hidalgo; adaptaçãopara o cinema de livro de Gabriel García Marquez]

Para trás ficarão as pequenas, sem falar de uma produção nacional com tendência a que se incrementem os orçamentos e um futuro incerto para quem se arriscar a um cinema menos comercial. Resumiu bem o conto o crítico colombiano Pedro Adrian Zuluaga no site razónpublica.com: “Um produtor nacional agora poderá fazer filmes cinco a 10 vezes mais caros, deixando de lado os mecanismos disponíveis na velha lei de cinema, a de 2003, que previa um férreo e sensato mecanismo de limites de investimento para evitar a especulação e a lavagem de dinheiro”.

O panorama é colombiano, mas a tal lei já inspirou os governos de outros países latino-americanos, especialmente os que ainda não têm lei de cinema, como a Guatemala, que está estudando seguir os passos de Santos. A comissão fílmica do Rio de Janeiro, para não ir muito longe, opera com estímulos parecidos – e filmar por lá é cada vez mais caro.

Enquanto isso, em Buenos Aires, Cristina Kirchner anunciou a criação de um pólo audiovisual, com investimentos públicos e privados, para atender filmagens nacionais e internacionais com estúdios, sets e uma série de facilidades de produção – assim como prometeu fazer até o final de 2013, também, a cidade de Medellín. Esforços válidos, mas é preciso ter cuidado.

Aqui e ali, as tentativas são de se firmar como o destino latino-americano do cinema internacional, mas no fim das contas o que parece é que – agora que estão comprando – nos apressamos em vender barato. Vai um país aí?