O paraíso e o inferno dentro de nós

O ex-presidiário Luiz Alberto Mendes lançou seu quarto livro, Cela Forte, nesta terça-feira (16), em São Paulo. São 26 contos que expõem a realidade carcerária, que Mendes enfrenta desde que foi preso como menor infrator. Não é a vida nua e crua, mas filtrada pela crítica, inteligência e fantasia

Por Christiane Marcondes

Luiz Alberto Mendes

Um menino de 16 anos faz pensar em muita vida pela frente, família ao lado desbastando arestas no caminho, descoberta do amor, arquitetura dos sonhos, desejo que muda com as estações. Liberdade!

Não se pode negar que a mente do escritor Luiz Alberto Mendes sempre foi imaginativa pela própria natureza, mas, aos 16 anos, não arquitetava sonhos e, sim, a paz possível em uma realidade adversa, a do confinamento em uma casa de correção de menores infratores. Prisão!

Luiz vivia com um olho na passagem pela porta de saída sem volta, quando completasse 18 anos, e outro ao redor, paisagem hostil que ostentava a cela-forte. Era o destino de quem fugia e, invariavelmente, resgatado à força. Na casa, o fujão chegava apanhando dos guardas, desde o lugar onde fora encontrado até ser “conduzido ao fundo da cela-forte e então é que começava o pau de verdade. Horas e horas de surra. Salmora e cafua e, no plantão seguinte dos guardas, podia acontecer mais surras e violências. Quando eles paravam e deixavam o pobre infeliz na cela-forte, este se sentia feliz da vida! A cela-forte agora era o paraíso, todo o desejo da alma dele. Então amargaria por quatro ou seis meses a solidão total, sem ver gente e sem falar com ninguém a não ser os PMs na hora da água ou da alimentação. E esse não falavam.” (Memórias de um sobrevivente, de Luiz Alberto Mendes, Companhia das Letras, 2001).

Depois de adulto, recebeu nova condenação e acabou passando grande parte dos seus 60 anos atrás das grades, mas com a mente livre e aberta para o mundo real e surreal dos pensamentos. Encontrou na literatura a tal porta da libertação com que sonhava na adolescência e publicou o primeiro livro, Memórias de um sobrevivente, com aplausos de público e crítica. O escritor Fernando Bonassi foi padrinho nessa empreitada; hoje são amigos.

Contas acertadas com a sociedade, o autor publica agora seu quarto livro, Cela Forte. São 26 contos que representam o sumo da sua experiência com a solidão e a violência na cadeia. Com a teimosia característica, que garantiu a autodefesa nos piores tempos e o atual convívio criativo com o passado de difíceis recordações, Mendes lapida no livro as histórias e personagens das cenas em bruto que protagonizou. Também inventa, como bom escritor.

É um soco no estômago que desperta para a vida, um olhar incisivo sobre sofrimentos que muitos prefeririam enterrar e, principalmente, uma conversa franca e transformadora com o leitor. Esta é, vale enfatizar, a marca da escrita de Mendes, também presente na comunicação cotidiana, em que trivialidades são dispensadas como couvert que engana o apetite. “Eu vivo para escrever”, declara. O que não implica reclusão por conta própria, nem impede que seja a melhor das companhias e um sujeito ávido por uma existência intensa.

O novo livro integra a coleção Literatura Periférica, da Global, uma série que reúne autores que moram ou têm origem nas periferias dos grandes centros urbanos e que frequentam seus saraus, núcleos de cultura, oficinas e ONGs.

Luiz Alberto Mendes nasceu em na Vila Maria, em São Paulo, em 1952. Tomou gosto pela leitura na prisão, onde permaneceu por trinta anos devido aos diversos delitos que cometeu. Foi lá que começou também a escrever com voracidade e estilo próprio, e fez da literatura a ferramenta para alcançar o bem que lhe parecia o mais precioso da vida: a liberdade. Além de Memórias de um sobrevivente (2001), escreveu Tesão e prazer – memórias eróticas de um prisioneiro (2004) e Às cegas (2005 – finalista do prêmio Jabuti em 2006). Mantém há dez anos uma coluna revista Trip e também o blog Mundo Livre (http://revistatrip.uol.com.br/blogs/mundolivre/).

Livro

Cela Forte. Luiz Alberto Mendes. Editora Global, São Paulo