'David' mostra sua espada: Israel quer demonstrar força

As negociações de cessar-fogo estão sendo ensaiadas entre Israel e Hamas, enquanto atores regionais buscam um papel mais importante na questão, como mediadores. Israel exige a cessação de ressuprimento de Gaza com armas e outros materiais bélicos, e o Hamas exige o fim do bloqueio israelense já duradouro sobre Gaza. Será outro episódio de declarações retóricas? O principal ponto é a repetição praticamente idêntica deste cenário.

Por Moara Crivelente*, especial para o Vermelho

O emir do Catar, Sheik Hamad bin Khalifa al-Than, acompanhado do primeiro-ministro, visitou Gaza há algumas semanas – é o primeiro chefe de Estado a fazê-lo desde que o Hamas tomou o controle da Faixa, em 2007 –, o que causou decepção por parte do Fatah, partido político no poder da Autoridade Palestina, na Cisjordânia. Apesar das conversas de reaproximação – mediadas inclusive pelo próprio Catar – entre o Fatah e o Hamas, que governa Gaza, ainda não há propriamente uma “parceria”. Segundo o Fatah, a visita do emir a Gaza serviu para legitimizar o Hamas como um ator político – considerado uma organização “terrorista”, inclusive por Israel, a União Europeia e os EUA–, ao que o primeiro- ministro respondeu: “visitamos seres humanos”, e não o Hamas em específico, “que certamente não precisa de nós” para se legitimar.

Acompanhar essas negociações, em que as partes envolvidas reforçam o seu “desejo” pela paz e por uma solução mais abrangente – mencionando inclusive a solução do conflito como um todo, criando ainda um Estado palestino, no caso do Hamas – é como olhar para os eventos de escalada de violência anteriores. Ainda assim, é preciso observar de forma esperançosa, principalmente em contexto de “Primavera Árabe”: se muitos simpatizaram com o levante árabe contra o autoritarismo e a opressão de muitos de seus governos, deverão simpatizar também com a população palestina. Se não em sua totalidade, ao menos com o 1,7 milhão que vivem em condições extremas em Gaza, um dos lugares mais densamente habitados do mundo, que teve à volta de 25% das residências destruídas ou parcialmente destruídas pela última operação militar israelense, em 2008-09.

Segundo o governo de Israel, porém, David – que lutou contra o gigante Golias num esforço heroico – são eles: o primeiro-ministro Benyamin Netanyahu, quando falando das negociações tão desejosas por um cessar-fogo, diz que “às vezes é preciso levantar a espada antes, para demonstrar vigor” em relação à sua posição nas negociações; hoje, por exemplo, o governo já recusou uma proposta do Catar e da França para o cessar-fogo, segundo o jornal israelense Ha’aretz. Ainda, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, segue para a região para participar – ou para apenas mostrar presença, como das outras vezes.

Khaled Mashal, por outro lado, líder político do Hamas – vivendo agora no Catar, depois de se mudar da Síria – disse que o “primeiro passo para uma trégua deve vir de Israel”, enquanto estão todos ainda apreensivos com a movimentação de milhares de reservistas e tanques israelenses para a fronteira com Gaza. Além da espada, Israel pressiona Gaza com mísseis que destroem casas, hospitais, escolas e estações de televisão, como Skynews e Al-Arabyia, entre outros alvos. A destruição de meios de comunicação não é novidade – no caso dos Bálcãs, do Afeganistão, entre outros, foi até mesmo uma estratégia – mas o impacto que isso traz para a postura dos atores envolvidos na negociação e para a proteção dos próprios cidadãos é bastante significativo para ser ignorado.

Enquanto a ONU e os próprios EUA incentivam a participação de atores regionais na mediação das negociações entre Israel e Palestina – evitando-se uma influência ainda maior de outros atores, como o Irã e a Síria, sobre o Hamas –, a instalação do escudo anti-míssil Iron Dome, que esta semana já foi mostrado cumprindo o seu papel, financiado pelos EUA, compra alguma segurança para os israelenses contra os mísseis vindos de Gaza. A proporção de vítimas fatais entre os lados é constantemente relembrada para mostrar a assimetria deste conflito, ainda que os mísseis Qassam, fabricados pela brigada Ezzedin Al-Qassam, tenham cada vez maior alcance. Há poucos dias foi coberta intensamente a notícia de que alguns mísseis vindos de Gaza atingiram, pela primeira vez, as proximidades da paradisíaca cidade de Tel-Aviv, ou “a bolha”. Além de ser referência da proteção israelense, esta cidade praiana é um universo paralelo, alheio à condição de “sob ataque” modelada para o resto do país, atraindo milhares de turistas todos os meses.

Especula-se também sobre o papel a ser desempenhado pelo Egito, agora governado por Mohammed Mursi, da Irmandade Muçulmana. Tendo angariado apoio até entre os que não simpatizam com a Irmandade, pelo fato de esta representar a alternativa ao regime anterior, a organização caminha sobre ovos na questão palestina. O Hamas sempre foi como um de seus filhos, e é inevitável que a Irmandade o apoie na negociação com Israel, da qual pretende participar – o Egito tem sido há muito um ator importante, ao menos em termos declaratórios. A questão é também a manutenção dos Acordos de Paz de Dayton, de 1995, assinados entre Egito e Israel, entre outros, e com os quais Mursi já reiterou seu compromisso; não quer entonar uma voz beligerante contra Israel, apesar de agora ter de demonstrar aos preocupados com a causa palestina – tanto em Gaza quanto dentro do próprio Egito – a que veio uma Irmandade Muçulmana governante.

*Moara Crivelente é colaboradora do Vermelho, cientista política e mestranda do curso de Comunicação dos Conflitos Internacionais Armados e dos Sociais, da Universidad Autónoma de Barcelona.