Moara: 29/11, um dia de símbolos no conflito Israelo-Palestino

O dia 29 de novembro vem protagonizando momentos importantes. Em 1947, foi o dia em que a “Palestina histórica” foi dividida entre palestinos e israelenses, em que só estes últimos conseguiram um Estado, dentro dos padrões decentes, para chamar de lar. Como se não bastasse, para a região os simbolismos desse dia ainda não param por aí.

Por Moara Crivelente*

Em 1947 a Assembleia Geral da ONU adotou uma resolução (181 II) para estabelecer, de fato, a divisão do território e os princípios de um futuro governo palestino. Em 1977, depois de diversos eventos de violência direta entre Israel e seus vizinhos árabes – incluindo a Guerra dos Seis Dias, de 1967, em que uma grande parte do território palestino foi ocupada por Israel – e da “inobservância” da Resolução 181, a Assembleia Geral adotou outra (32/40 B) para estabelecer-se 29 de novembro como “Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina”.

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Em 1985, quase como ironia, votava-se a Resolução 40/34, que adotava a Declaração de Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Crimes a Abuso de Poder. O documento inicia-se com uma descrição de quem são as “vítimas de crimes”: são “pessoas que, individualmente ou coletivamente, sofreram com danos psicológicos ou físicos, sofrimento emocional, perdas econômicas ou debilitação de seus direitos fundamentais, através de atos ou omissões que estejam em violação das leis criminais em vigor dentro dos Países Membros, incluindo aquelas leis que proscrevam abuso de poder”.

Em seguida, depois da retórica sobre o acesso à justiça e ao tratamento justo, a declaração dedica-se a descrever as formas de compensação a essas vítimas, e ainda as define melhor com relação ao abuso de poder “através de atos ou omissões que ainda não configurem violações do direito criminal nacional, mas de normas internacionalmente reconhecidas, relacionadas aos direitos humanos”. Ora, se não é uma descrição da condição dos palestinos desde o fatídico 29 de novembro de 1947.

É por isso que, desde então, diversos movimentos internacionais solidarizam-se com a causa palestina por um Estado palestino devidamente – e decentemente – reconhecido, respeitado. Organizaram-se tribunais internacionais constituídos pelos mais diversos membros de sociedades civis, fóruns como o que hoje se inicia em Porto Alegre – o Fórum Social Mundial Palestina Livre – e várias ONGs e outras formas de associação.

Naquele dia de 1947, a ONU havia formado um Comitê Especial sobre a Palestina. O resultado foi que 33 Estados votaram a favor da resolução que dividia o território, 13 votaram contra e 10 se abstiveram; a Grã-Bretanha deixaria o território que comandava desde a dissolução do Império Otomano, através de um mandato da extinta Liga das Nações. Desde o fim da 1ª Guerra Mundial, os judeus que ali viviam já haviam definido as bases para um Estado, e não só um “lar nacional” na região, através da Declaração Balfour. Criou-se um Estado judeu e os palestinos obtiveram nada mais do que uma recomendação de estabelecimento de um Estado árabe.

O lobby dos EUA e dos grupos sionistas foi tamanho que incluiu até mesmo o Paraguai e o Haiti, para que os dois terços de votantes necessários aderissem à campanha pelo estabelecimento do Estado de Israel. Mais importante, a votação ocorreu logo após o Holocausto, o que garantiu a simpatia de grande parte dos países para a proteção do povo judeu, enquanto os árabes estavam desunidos e desarticulados.

Em 1948, quando da implementação da resolução que estabelecia um Estado israelense, ou seja, quando Israel nasceu de fato como Estado, as consequências políticas, sociais e econômicas para os palestinos ainda não podiam ser mensuradas; ainda assim, os palestinos conhecem o dia como Nakba – catástrofe.

Em 2011, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, submeteu à ONU uma candidatura para que a Palestina se tornasse membro da organização. Como previsto pelo promotor Luís Moreno Ocampo, do Tribunal Penal Internacional – quando os palestinos lhe pediram que investigasse os crimes cometidos durante a Operação Chumbo Derretido, de Israel contra Gaza, em 2008-09, e ele teve de negar pelo fato de a Palestina não ser um Estado formal –, o pedido palestino de integração à ONU foi levado da Assembleia Geral ao Conselho de Segurança, pois a primeira não teria competência para decidir o assunto. Como se pode notar, não houve decisão concreta.

Em 2012, Abbas escolheu o mesmo dia em que a Palestina histórica foi dividida para levar à Assembleia Geral o pedido de incorporação à ONU, mesmo que simbólica, e ainda que como Estado não-membro, para que ao menos Israel e os EUA, por exemplo, deixem de tratá-lo como “territórios” apenas, privando-lhe de qualquer legitimidade jurídica. Dos 193 membros da ONU, 132 já reconhecem o estabelecimento do Estado palestino; os EUA são contra, alegando principalmente questões de segurança que supostamente ainda não estão resolvidas.

Muitas outras questões estão sendo levadas em consideração. A Grã-Bretanha, por exemplo, só votará a favor caso os palestinos deixem de buscar aderir ao Tribunal Penal Internacional, o que causaria sérios problemas para Israel; como um Estado reconhecido e membro da Corte, a Palestina poderia acusar Israel de crimes contra a humanidade e crimes de guerra – o que já tentou fazer, em relação à Operação Militar Chumbo Derretido, que para muitos ficou conhecida como “Guerra de Gaza”, mas não conseguiu por não ser um Estado formalmente reconhecido. Desde que abdiquem da justiça, os palestinos podem ter o seu Estado, em outras palavras.

Israel e os EUA também seguem essa linha de ameaças sutis – tática patente em casos de negociações em contexto de resolução de conflitos assimétricos, e ainda pior quando duram mais de 60 anos. Caso os palestinos levem mesmo o seu pedido à ONU – que terá de se pronunciar e, de qualquer forma, causará reação da “sociedade internacional” – haverá consequências para as negociações de paz, segundo os dois países. Israel chegou até mesmo a indicar que retaliaria. Entretanto, já não há negociações substanciais há muito, mas Abbas se coloca a disposição para reiniciá-las assim que a candidatura palestina na ONU esteja resolvida.

Ainda é preciso lembrar, porém, que Abbas está em declínio político entre os palestinos, e precisa do apoio. O Hamas tem conseguido esse apoio demonstrando ser a única força que os defende, mesmo que através da violência – estratégia com a qual muitos palestinos não concordam, claro, e não só por questões ideológicas mas também por sentirem-se ainda mais inseguros. Abbas e seu partido, Fatah, estendendo-se à Autoridade Palestina, têm sido vistos quase como colaboradores que seguem as prerrogativas dos EUA e de Israel, ou seja, cedem demais, muitas vezes em favor de interesses particulares.

Alguns enxergam nesse esforço de 29 de novembro de 2012 apenas um mecanismo para angariar apoio político interno, já que a eficácia da estratégia é questionada, pela desilusão com o sistema internacional e os simbolismos da ONU.

Na semana passada, o cessar-fogo terminou com mais uma onda de violência entre Israel e Hamas, que saiu relativamente vitorioso – apesar das quase 170 mortes e dos danos significativos – por ter enviado mísseis em quantidade e distância pouco ou nunca antes vistos, em direção a Israel. Não é uma vitória para a paz, mas da resistência dentro de Gaza, segundo os próprios grupos internos; necessário é resolver as raízes do conflito. Hoje, veremos se a estratégia dentro do sistema ainda pode funcionar, apesar das repetidas demonstrações contrárias.

*Moara Crivelente é colaboradora do Vermelho, cientista política e mestranda do curso de Comunicação dos Conflitos Internacionais Armados e dos Sociais, da Universidad Autónoma de Barcelona.