Garzón compara julgamento na Argentina a Nuremberg

No segundo dia do julgamento dos crimes cometidos pelo grupo de tarefas da ESMA (Escola de Mecânica da Armada), nesta quinta-feira (30), o juiz Baltasar Garzón afirmou que as penas serão um exemplo de como responder a crimes contra a humanidade.

"Depois de Nuremberg [que definiu as penas de participantes da Segunda Guerra Mundial], acho que não houve um julgamento desta envergadura por crimes contra a humanidade. É muito importante não só para a Argentina, como para o mundo inteiro”, disse ao jornal Tiempo Argentino o juiz, conhecido pelo desempenho em processos de crimes contra a humanidade, devido aos julgamentos do ditador chileno Augusto Pinochet e do ex-oficial da Marinha argentina Adolfo Scilingo, que confessou ter participado de dezenas de “voos da morte”.

"Volto a me encontrar com os rostos de muitos dos que investigamos na Espanha”, afirmou Garzón, que condenou alguns dos 68 réus julgados pelos crimes no principal centro de prisão clandestina da ditadura argentina (1976-1983). “Muitos foram processados por mim na Espanha e vê-los submetidos a julgamento é o que qualquer juiz aspira, principalmente por fatos tão graves como este”, afirmou o magistrado, que esteve acompanhado da presidente da associação Avós da Praça de Maio.

Para Garzón, os julgamentos a repressores, restabelecidos na Argentina após o derrogamento das leis de anistia, em 2003, são “um exemplo de como se deve responder a crimes massivos em defesa e proteção das vítimas e do futuro, [mostrando] que ninguém está por cima da lei”.

Iniciado nesta quarta-feira (28/11), o segundo julgamento de crimes cometidos pelo grupo de tarefas da ESMA é o maior da história argentina no que diz respeito a violações aos direitos humanos, mortes e desaparecimentos na ditadura do país. Ao todo, os casos de 789 vítimas serão analisados. Entre os réus, estão membros da Marinha, Exército, Polícia Federal, Prefeitura naval e do Serviço Penitenciário, e dois civis.

Entre os crimes julgados, além de assassinatos, também estão o roubo de bens de prisioneiros, violência sexual, tortura e sequestro e adoção ilegal de bebês nascidos em maternidades clandestinas da ESMA.

Voos da morte

Oito dos réus são julgados por participação nos “voos da morte”, prática utilizada por militares para o desaparecimento de prisioneiros políticos, que eram sedados e jogados no Rio da Prata, do alto de aviões. A prática, mantida em sigilo por anos, apesar dos rumores de sua existência e da aparição de cadáveres no litoral uruguaio, foi detalhadamente descrita e ganhou repercussão a partir da entrevista do jornalista Horacio Verbitsky ao próprio Scilingo, que resultou no livro “El vuelo”, publicado em 1995.

Na entrevista, Scilingo afirma que os voos não eram perpetrados por um grupo, mas sim por toda a Marinha. “Se o senhor acha que um grupo de dez caras pode mobilizar aviões da Prefeitura Naval e da Marinha, está um pouco enganado. Era uma força armada que estava se mobilizando”, afirmou ele, que também garantiu que existiam listas de mortos da prisão clandestina.

O ex-oficial da Marinha também descreveu a Verbitsky um dos voos que participou: “Fui ao porão, onde estavam os que iam voar. Aí informaram que eles seriam transferidos ao Sul e que por esse motivo iam receber uma vacina… quero dizer, uma dose para deixá-los tontos, sedados. Aí eram adormecidos”, detalhou, sobre o momento prévio a transportar os prisioneiros políticos ao aeroporto militar. “A partir daí carregaram os subversivos como zumbis e os embarcaram no avião”, relatou.

Fonte: Opera Mundi