Samuel Sérgio Salinas: Tempestade sobre o Supremo 

O Vermelho, nas edições dos dias 12 e 13, estampou o inteiro teor de um acórdão do Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro Celso de Melo , que surpreendeu e deixou aturdidos os juristas e cidadãos que acompanham a ação penal conhecida por “mensalão”.

Por Samuel Sérgio Salinas*, especial para o Vermelho

O Ministro deveria proferir o seu voto sobre a sua anunciada decisão de acolher o parecer do relator, Barbosa, que já decidira pela cassação de parlamentares, condenados por crime comum, previstos no Código Penal ,nos autos da referida ação. O resultado sobre a cassação, até o voto de Celso de Melo, apontava o empate na Suprema Corte em relação à pena de perda do mandato legislativo dos parlamentares. A Corte se dividiu alguns ministros foram a favor da cassação, enquanto outros se manifestaram contrários a essa medida.

Ambos os lados se apoiaram em dispositivos constitucionais e sustentavam os seus votos em longos enunciados. O desempate era esperado na dependência do voto de Celso de Mel, no dia 12. A sessão do Tribunal, porém, não ocorreu no dia marcado, pois o Ministro Melo não compareceu, sob a escusa de uma enfermidade das vias respiratórias. Posteriormente teria hospitalizado em hospital de Brasília, não mencionado pela imprensa. O desapontamento foi total no Supremo, pois já se conhecia que o voto de Melo acolhia a posição do relator, atribuindo a quebra dos mandatos dos parlamentares às referidas condenações penais.

Ocorreu que a divulgação, nos momentos que antecediam a votação, de um voto proferido por Melo no acórdão nº 179 502 – 6, proveniente de São Paulo, em 1995, publicado em 1902, e a repentina enfermidade do Ministro estabeleceu um clima de perplexidade, no Plenário e nos corredores. Como se comportará o decano dos ministros do Supremo ante esta súbita revelação de um entendimento anterior, explícito, claro, sustentando que a norma inscrita no artigo 55, parágrafo 2º da Carta Federal, enquanto preceito de direito singular, encerra uma importante garantia constitucional destinada a preservar, salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar, a intangibilidade do mandato titularizado pelo membro do Congresso Nacional, impedindo desse modo, que uma decisão emanada de outro poder (o Poder Judiciário) implique, como consequência virtual dela emergente, a suspensão dos direitos políticos e a própria perda do mandato parlamentar.

Essas palavras do Ministro, constantes do Acórdão mencionado, revelam o estilo peculiar de Celso de Melo. O Interessado na época era um vereador que fora condenado a perder o mandato legislativo em decorrência de condenação criminal. No acórdão mencionado, o Ministro Celso de Melo, decano no exercício do Supremo, expressou o seu voto, argumentando: “Enquanto perdurar o seu mandato, só perderá deste excepcionalmente: É que o congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste, excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros da sua própria Casa Legislativa”.

A análise do discurso jurisprudencial não se apoia em instrumentos de pesquisa distantes do seu involucro de manifestação imediata da lei e sua interpretação. Não são ainda convocadas a natureza social, sociológica, psicológica e psicanalista desses discurso sobre o Direito .Não está o jurista ao discursar ou escrever, deixando de revelar, na palavra ou na escrita, conteúdos que se afastam do puro entendimento do texto legislativo, jurisprudencial ou doutrinário, na forma mais rebarbativa ao oferecer um discurso que recalca ao não dizer o que se disse? A linguagem jurídica, manietada em fórmulas consagradas era, ou ainda é, como na arte clássica, menos uma linguagem, mas um processo discursivo, encontro ideal de um Espírito universal, expressando o sentido puramente revelado. A emergência de um segundo discurso, enovelado no tempo de uma sociedade específica, revela essas contradições que se escondem no intelecto, mas repousam na vida social e política do momento em que se traduzem na palavra revelada, no sintoma, em suas múltiplas singularidades.

Os mitos, os ídolos, repulsam o que se disse e não se quer dizer, ao custo de uma trágica decisão pessoal. Todo este processo está revelando o pulsar desta presença sinuosa da política e da ideologia num caso em que os impulsos sociais e pessoais , o íntimo pertencer de classe, o intuito de obter uma vingança judicial, foram crescendo a ponto de ameaçar a integridade do Supremo Tribunal Federal. O Supremo foi vítima de decisões externas , curvou-se à força externa, mas agora é um tumulto de questões internas, no íntimo, no subconsciente da Corte, que o inimigo se agasalha.

*Samuel Sérgio Salinas é procurador de Justiça aposentado, colaborador do Vermelho