Greves mineiras marcaram 2012 na África do Sul

Dois acontecimentos muito relevantes marcaram a África do Sul em 2012: o Centenário do dirigente Congresso Nacional Africano (CNA) e os distúrbios grevistas em várias minas do país, que causaram cerca de meia centena de mortos.

No dia 9 de janeiro, o CNA, legítimo vencedor do regime de segregação racial, cumpriu seu primeiro século no meio de um processo de construção institucional e aperfeiçoamento democrático do país arco-íris, onde as contradições sociais e econômicas do passado ainda definem o presente.

Conquanto nos últimos 12 meses esse Estado africano tenha se sobressaído por seu papel na arena internacional com suas ações como membro da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e do grupo BRICS, integrado pelo Brasil, Rússia, Índia e África do Sul, ainda sua razão política está muito comprometida em solucionar temas domésticos.

"O movimento de libertação nacional surgiu de dentro da inteligentsia da África do Sul, que fundou o Congresso Nacional Africano em 1912. Essa geração foi testemunha das consequências do ouro e dos diamantes na derrota da resistência militar ao colonialismo e o rápido desgaste dos limitados direitos dos povos indígenas no Cabo liberal". Esse foi o retrato feito pelo então secretário geral do CNA, Kgalema Motlanthe, no preâmbulo do livro Classe e cor na África do Sul, dos comunistas Jack e Ray Simons.

As prioridades da organização são fortalecer-se como eixo político, criar milhões de empregos, diminuir a brecha econômica quanto ao poder aquisitivo, aumentar os benefícios públicos como os serviços de saúde e educação e trabalhar no desenvolvimento integral do indivíduo como garantia de sua inserção na nova África.

No entanto, as condições nas quais se encontram o governo do CNA apresentam dificuldades que vão para além de sua vontade política de mudança no meio de um quadro complexo da realidade econômica do país, onde desde o fim de 2011 e no segundo semestre do atual ano uma onda de greves no setor mineiro causou perdas de mais de 1,14 bilhões de dólares.

Questão racial

O censo sul-africano de 2011, publicado pelo Instituto de Estatística, revelou as grandes diferenças entre negros e brancos, herdadas do sistema de apartheid derrotado em 1994, e reconheceu também os avanços socioeconômicos dos últimos 18 anos.

Os rendimentos médios para os brancos são seis vezes maiores que os dos negros, ainda que estes sejam 79,6% da população e seus lares tenham se triplicado nos últimos dez anos, além de receber só 6.990 dólares anuais, menos dos 42.150 dólares que obtêm as famílias brancas, segundo o censo.

Mineiração

No caso dos mineiros, eles integram um setor que é o pulmão econômico do país ao contribuir com 9% do Produto Interno Bruto e 19% se forem incluídas todas as atividades anexas, além de representar a metade do valor das exportações nacionais, daí o risco de suas greves.

O movimento de desempregos em 2012 teve seus antecedentes nas discrepâncias entre a entidade patronal e os sindicatos no final de 2011, quando os operários começaram a demandar às empresas trasnacionais que exploram as jazidas um aumento dos salários e a criação de condições de vida e de segurança trabalhista em suas zonas de residência e de trabalho.

A ministra de Energia, Elizabeth Dipuo Peters, afirmou que os investidores estrangeiros deviam reconhecer que as condições dos mineiros tem que melhorar: uma das razões que explica os acontecimentos da jazida de Marikana, da firma britânica Lomnin, onde a 10 de agosto se desatou a greve de três mil mineiros por melhorias salariais.

O pessoal dessa mina de platina findou suas funções para exigir um aumento de salário de até 12.500 rands (cerca de R$3.300), três vezes mais que sua retribuição naquele momento, ao que se opunha a firma estrangeira, cujos patrões afirmavam que haviam sido distribuídos fundos que compensavam essa solicitação.

Essa demanda entranhava não só o assunto das retribuições monetárias, mas se associa com problemas de déficit de atenção social, fluxo migratório interno e do exterior por necessidades trabalhistas, e nas assimetrias das possibilidades de avanço no seio da sociedade sul-africana.

A greve tornou-se violenta e complicou-se com choques entre sindicatos -um que o convocou e outro que o recusou- em um processo que, segundo a polícia, saiu de controle em 16 de agosto quando 34 mineiros morreram. No total, foram 44 vítimas fatais.

Com respeito ao ocorrido impõe-se destacar que existe uma divisão entre a National Union of Mineworkers (NUM), o sindicato tradicional do ramo, e a Association of Mineworkers and Construction Union (AMCU), que se pronunciava por uma posição menos negociadora com a patronal.

A greve dos mineiros causou dezenas de feridos e 259 detentos pelos distúrbios. A Promotoria sul-africana culpou 270 pelo delito de assassinato, o que fomentou o desassossego por uma acusação que não se referia à ação dos polícias, sobre quem também estava pendente a realização de uma investigação oficial. Para alguns, as greves criaram um palco marcado pela necessidade de mudanças na redistribuição de capitais, em grande parte para o bem público.

O ocorrido durante os meses de desemprego as manifestações fizeram vir à tona a realidade do subsolo sul-africano, um problema não resolvido no âmbito das relações de propriedade no contexto capitalista mundial, no qual a concorrência rege com mais virulência que qualquer decisão que entranhe solidariedade humana.

Fonte: Prensa Latina