De Doha a Dacar, a insegurança alimentar é a regra
O Catar pode ser um dos países mais ricos no mundo, mas tem algo em comum com os seus homólogos africanos – insegurança alimentar. Esta nação do Oriente Médio produtora de petróleo importa 90% da sua alimentação devido ao fato de ser um país seco. "A alimentação é muito dispendiosa aqui," disse à IPS um taxista, imigrante ganês, que preferiu ficar anônimo.
Por Mantoe Phakathi, na agência IPS
Publicado 03/01/2013 12:58
"Um litro de gasolina é mais barato do que água," disse o taxista, que passou a última semana a transportar os delegados da décima oitava Conferência das Partes (COP 18) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas para o local de reunião.
Embora os problemas de insegurança alimentar do Catar resultem do seu terreno, os países africanos debatem-se com insegurança alimentar devido à pobreza e aos padrões climáticos irregulares que reduziram dramaticamente a produção agrícola nos últimos anos, disse à IPS Emmanuel Seck, director de programas da organização Acção em Matéria de Desenvolvimento e Meio Ambiente no Terceiro Mundo, sediada em Dacar.
Uma vez que os países africanos porfiam por utilizar os seus vastos recursos terrestres para melhorar a produção alimentar devido às alterações climáticas, o Catar, tal como os outros estados do Golfo e as economias emergentes como a China, está a alugar ou a comprar terras em África, explicou Seek. De acordo com um relatório do Instituto de Oakland, os investidores nos Estados Unidos e na Europa são líderes na aquisição de terra no estrangeiro.
Mas países em desenvolvimento como a Suazilândia estão já a harmonizar as suas polítcas em relação à produção e ao fornecimento de alimentos para o Catar, tendo as duas mornarquias estabelecido relações diplomáticas.
"Temos muita terra virgem no nosso país que pode ser usada para produzir alimentos para o Catar a fim de impulsionar a nossa economia," disse o director da missão técnica da Suazilândia à COP 18, Mbuso Dlamini.
A Suazilândia, porém, não produz produtos alimentares básicos suficientes para os seus cidadãos, e importa a maioria desses alimentos da África do Sul, país vizinho. O setor que mais produz moeda estrangeira na Suazilândia é o açúcar.
Segundo o último relatório do Instituto Worldwatch, dos 70,2 milhões de hectares de terras alugados ou comprados em todo o mundo na última década, 34,3% encontram-se em África. O Catar e outros estados do Golfo adquiriram um total de 6,4 milhões de hectares de terra nos países em desenvolvimento.
Bruce Campbell, director de programas do Consórcio dos Centros de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR) e Programa de Pesquisa sobre Alterações Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar (CCAFS), afirmou que era necessário estabelecer um equilíbrio para assegurar que as comunidades pobres que dependem da agricultura de subsistência não fossem expulsas das suas terras para abrir caminho ao desenvolvimento agrícola levado a cabo por governos estangeiros e multinacionais.
"Os países precisam de implementar mecanismos que garantam que o aluguel de terra não marginaliza essas comunidades," afirmou Campbell à IPS.
Disse ainda que o aluguel de terra não era necessariamente uma má ideia visto que algumas pessoas estavam a afastar-se da agricultura de subsistência para procurarem emprego. Segundo Campbell, as directrizes sobre Posse Responsável da Terra, Pescas e Florestas no Contexto da Segurança Alimentar liderada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) iria ajudar os países a atingirem este equilíbrio.
A doutora Emma Limenga, investigadora tanzaniana da Universidade de Dar es Salaam, alertou os governos africanos a não alugarem a terra por longos períodos. Normalmente, os acordos de aluguel de terra têm uma duração de 99 anos, o que, segundo Limenga, podia ameaçar a segurança alimentar das gerações futuras.
"Lembrem-se que as gerações futuras não são responsáveis pelas decisões que tomamos agora," recordou Limenga numa entrevista concedida à IPS. "Um aluguel de 10 a 20 anos é razoável."
Explicou que o aluguel de terra e a justificação dessa prática dizendo que criava empregos não eram certa nem errada. Salientou ainda que, embora as comunidades mais pobres possam ter acesso à terra, podem não ser capazes de comprar os alimentos devido ao desemprego.
"Algumas comunidades não chegam a cultivar a terra devido a padrões climáticos imprevisíveis…. O acesso a empregos ajuda as pessoas a adquirirem alimentos," afirmou Limenga.
Burger Patrice, director executivo da ONG Centro de Acções e Realizações Internacionais, disse à IPS que a pobreza em África não devia ser uma desculpa para a "apropriação de terras".
Patrice explicou que a reabilitação das terras áridas constituía a solução para a apropriação de terras e a insegurança alimentar.
"As terras áridas são o resultado das variações climáticas durante muitos anos," indicou. "É mais barato reabilitar a terra através da utilização de adubos e da agricultura ecológica do que deixar que ela continue a deteriorar."
"É no interesse de países como o Catar começar a produzir os seus próprios alimentos dado que, a certa altura, o petróleo vai esgotar-se e não poderá depois financiar os elevados custos da importação de produtos básicos," referiu Patrice. Disse ainda que, apesar de terra ter sofrido o maior impacto das alterações climáticas, as negociações em Doha, a capital do Catar, tinham ignorado esse mesmo aspecto. Afirmou igualmente que a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação era um primo pobre no sistema das Nações Unidas porque a terra não tinha recebido o destaque que merecia.
Fonte: IPS