Polêmica sobre mandatos e STF tenta gerar crise entre poderes

A questão sobre a cassação de deputados federais condenados pelo Supremo Tribunal Federal é uma dessas polêmicas artificiais cujo objetivo é criar instabilidade política e, se possível, uma crise institucional entre dois poderes da República. 

Por José Dirceu*, em seu blog

A AP 470 – chamada de processo do mensalão pela imprensa – ainda não transitou em julgado (ou seja, ainda há recursos a serem analisados) e a própria decisão do STF sobre o artigo 55 da Constituição é passível de recursos, já que foi aprovada por cinco votos a quatro (quando há ao menos quatro votos contrários, está assegurado o direito de recorrer). O artigo 55 trata justamente da possibilidade de perda de mandatos de parlamentares.

Os deputados exercem seus mandatos plenamente e dentro da lei e da Constituição. Quando a AP 470 estiver transitada em julgado e os recursos com relação à decisão constitucional do STF estiverem esgotados, a Câmara dos Deputados decidirá segundo a Constituição Federal no seu artigo 55 e com base em seu Regimento Interno, que estabelece o procedimento para a cassação de mandatos parlamentares. Afinal, somente – e tão somente – o Poder Legislativo pode decretar um mandato cassado.

O artigo 55 e seus parágrafo 2º são mais do que diretos e claros. São esclarecedores da falsa questão jurídico-constitucional ou de uma suposta desobediência por parte do Legislativo de uma decisão da Suprema Corte.

Vejamos, portanto, o que diz a lei. Grifei o trecho que trata diretamente da parte alvo da falsa polêmica:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994)
 

Cabe ao presidente da Câmara dos Deputados e a sua Mesa Diretora cumprirem o que manda o artigo 55, inciso VI e paragrafo 2º. É simples. Não há crise, e sim acatamento e cumprimento da Constituição Federal, assim que a AP 470 e os recursos sobre a decisão e sobre os mandatos transitarem em julgado.

* José Dirceu é advogado, blogueiro, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT