Aldo Rebelo: é importante que as pessoas valorizem o esporte

O ministro brasileiro do Esporte, Aldo Rebelo (foto), concedeu entrevista exclusiva à Voz da Rússia. Ele falou sobre os desafios apresentados pela realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016 e comparou essas questões com aquelas que são também enfrentadas pela Rússia para a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 e a Copa do Mundo de 2018.

Voz da Rússia: O senhor poderia descrever quais são os maiores desafios atuais do Ministério que o senhor chefia, por causa desses eventos vindouros? Teremos uma Olimpíada, uma Copa do Mundo de Futebol e ainda a Copa das Confederações, que é praticamente agora.
Aldo Rebelo: O Ministério tem por finalidade levar a prática do esporte, como educação, lazer, entretenimento e alto rendimento, a toda a população brasileira, principalmente às crianças e aos jovens. Mas nós nos deparamos com dois grandes desafios, que são os eventos da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. São não apenas os dois maiores eventos esportivos do planeta, mas também dois acontecimentos de repercussão mundial. A Copa trata do esporte mais universal, que é o futebol, e as Olimpíadas reúnem as modalidades de alto rendimento em todo o planeta. O Brasil tem hoje uma economia muito forte. Nós buscamos construir a infraestrutura esportiva para a Copa, em 12 estados, melhorar a mobilidade urbana, melhorar a infraestrutura aeroportuária, cuidar da segurança pública, da segurança das delegações, dos turistas. E nas Olimpíadas também são esses os desafios: construir a infraestrutura para os Jogos Olímpicos e, ao mesmo tempo, garantir o conforto e a segurança dos atletas e dos visitantes. Eu diria que não há segredo nem mistério. Essa será a vigésima Copa do Mundo, e as Olimpíadas são organizadas, no período mais recente, há mais de cem anos. O que há é muito trabalho, e nós estamos trabalhando com muita dedicação, muita disciplina, para que o Brasil faça os dois eventos de acordo com as expectativas do mundo e do Brasil.

Voz da Rússia: Como o senhor poderia definir o ritmo dessa preparação? O Brasil está no ritmo certo? Os russos ficaram muito felizes recentemente com uma visita da Fifa. O representante da entidade máxima do futebol mundial disse que a Copa na Rússia está sendo muito bem preparada, está entre as mais bem preparadas com antecedência. Até houve várias declarações na imprensa russa no sentido de que “Olha só, o Brasil sedia uma Copa antes da gente, mas nós estamos mais bem preparados”. O que o senhor poderia comentar sobre isso?
AR: Em obras, você tem um ritmo – que é uma coisa, que pode ser mais ou menos intenso – e você tem um tempo. Quando o seu tempo é maior, o seu ritmo pode ser menor. Quando o seu tempo é menor, o seu ritmo tem que ser mais intenso. Porque você precisa fazer mais coisas num tempo menor. Eu acho que nós estamos com um ritmo muito bom, mas o tempo nós precisamos saber usar muito bem. Nós não temos muito tempo. No caso da Copa do Mundo, vamos entregar os 12 estádios. Para a Copa das Confederações são seis, e mais seis para a Copa do Mundo. No caso das Olimpíadas, vamos ter um pouco mais de tempo. Mas é preciso saber utilizá-lo bem. Como o país já dispõe de uma infraestrutura e já acolhe grandes eventos, como o carnaval no Rio de Janeiro, em Salvador, no Recife, há uma certa tradição em acolher grandes eventos. Acho que vamos dar conta da tarefa, mas vamos ter bastante trabalho.

Voz da Rússia: Esse histórico de relação com a Fifa não foi só pacífico, só de amizade. Já houve até uma espécie de bate-boca, algumas declarações de Jérôme Valcke geraram até um ressentimento aqui no Brasil. Como está sendo essa relação? É complicado deixar a Fifa feliz?
AR: Não creio, porque a Fifa é uma entidade que tem todo o sucesso em organizar e disciplinar um esporte tão universal como o futebol. A Fifa tem mais nações associadas do que a própria ONU. Ela consegue resolver problemas geopolíticos que a ONU não consegue. Como é o caso da relação entre Israel e a Palestina. A ONU não conseguiu resolver, mas a Fifa administrou de forma satisfatória. Israel e Palestina participam como membros plenos da Fifa, disputam as eliminatórias, sem qualquer tipo de ruído numa relação que é, em qualquer fórum, muito difícil. A Fifa tem os seus interesses privados, é uma entidade que lida com os seus patrocinadores, detentores de direitos de imagem. E o governo tem uma preocupação diferente, uma preocupação com o interesse público e o interesse nacional. Mas tanto a Fifa quanto o governo têm o interesse em fazer da Copa do Mundo um sucesso. E nós temos trabalhado em cooperação para o sucesso da Copa. E, como queremos a mesma coisa, a maioria dos temas é resolvida por processo. Quando os interesses não coincidem, nós conversamos. O governo sempre vai procurar fazer prevalecer o interesse da população brasileira e o interesse do nosso país.

Voz da Rússia: Então hoje podemos dizer que a relação com a Fifa está boa?

AR: É uma relação de cooperação. As diferenças sempre aparecem, mas nós conseguimos administrar sem maiores conflitos.

Voz da Rússia: E as múltiplas exigências novas? Todo mundo sabe que o Brasil precisou reconstruir vários estádios por causa dessas exigências modernas de segurança e infraestrutura. Muitos dos antigos já não correspondiam mais a essas exigências. A Rússia até cogita demolir um estádio em Moscou, por exemplo – um estádio histórico, do Dínamo, famoso clube da cidade –, para construir um novo no lugar. Eles acharam inviável tentar modernizar uma estrutura dos anos 1930.
AR: A construção de novos estádios não é apenas por uma exigência da Fifa. Eu creio que o conceito de estádio multiuso, onde não há apenas partidas de futebol, mas espaços culturais, espaços para eventos, congressos, feiras, alguns com hotéis, bares, restaurantes, shopping centers, é um conceito mais atual, mais contemporâneo. E esses estádios no Brasil – e creio que na Rússia – vão ser construídos com esse conceito mais atual, que é bom para os usuários. Eles não vão ali apenas por um jogo de futebol. Então, acho que, ao criar essa infraestrutura, o Brasil também vai beneficiar o próprio futebol brasileiro. Vai ampliar a presença do futebol no PIB nacional, como um fator não apenas de lazer e entretenimento, mas também como um fator de geração de emprego e renda para a população e para o país. Tanto que não são só os estádios para a Copa que estão sendo construídos no Brasil. O Palmeiras está construindo um estádio moderno em São Paulo e sem relação direta com a Copa. O Grêmio, em Porto Alegre, também já construiu o seu estádio. E acho que, na Rússia, as pessoas naturalmente vão guardar a lembrança do estádio do Dínamo, onde jogaram astros do futebol russo, do antigo futebol soviético e do futebol mundial, mas é evidente que a Rússia precisa de estádios compatíveis com as condições do futebol nos dias de hoje.

Voz da Rússia: A gente aponta mais uma semelhança entre a Rússia e o Brasil: a dimensão geográfica. Os dois países vão enfrentar muitos desafios no sentido de locomover os torcedores entre as cidades-sede da competição. Como o senhor vê essa questão da infraestrutura em países do porte do Brasil e da Rússia para sediar eventos dessa natureza?
AR: Eu creio que há muitas semelhanças entre o Brasil e a Rússia. São dois grandes países, com grande população, os traços de personalidade do russo e do brasileiro são muito parecidos, são pessoas muito afetivas, são civilizações muito próprias, que têm troncos muito diversificados – e isso oferece uma riqueza muito grande à criatividade e à flexibilidade do povo. E acho que nós nos deparamos com desafios comuns. O Brasil resolveu fazer a Copa do Mundo em todo o nosso território. Não tinha como desconhecer 2/3 do nosso território que ficam na Amazônia Legal. Tínhamos que fazer a Copa na Amazônia, no Pantanal mato-grossense, em Cuiabá, e nos centros mais dinâmicos da economia e dos negócios, que são São Paulo, Rio de Janeiro, o Sul e o Sudeste do Brasil. Nós teremos a Copa também no Nordeste. Eu não sei quais são exatamente as cidades-sede da Copa na Rússia, mas parece que boa parte delas fica na bacia do Volga.

Voz da Rússia: É, descartaram a Sibéria por ser longe demais. Eles procuraram realizar o evento nas cidades mais próximas da Europa, por uma questão de logística.
AR: Eu lamento. Lamento porque a Sibéria é parte da identidade da Rússia e é uma região muito conhecida no mundo, muito respeitada por ser um bioma muito específico e por ter particularidades civilizatórias muito próprias. Mas é uma opção e, naturalmente, haverá razões para isso. Mas acho que a Copa na Rússia vai ser um fator muito importante para atrair o turismo, a curiosidade. A Rússia já desperta a atenção do mundo pela sua História, pela força da sua cultura, pela sua presença no cenário mundial, pela sua literatura, a sua música e também pelo seu futebol. A Rússia teve, numa posição muito importante, o maior jogador de todos os tempos, o goleiro Lev Yashin, que hoje batiza um dos prêmios que a Fifa oferece. E, no Brasil, o meu clube, o Palmeiras, tem a honra de ostentar na sua sala de troféus o Troféu Lev Yashin, que conquistou num torneio disputado em Moscou. São duas mãos esculpidas em madeira, representando as mãos do grande goleiro do futebol mundial. Depois também houve outros grandes jogadores, em outras posições. Então, a Copa do Mundo também se justifica na Rússia pela sua presença no futebol e pela valorização como um esporte muito popular. Acho que a Copa na Rússia também será um sucesso.

Voz da Rússia: Ministro, uma questão que mexe com o caráter nacional é a cobrança por medalhas. O russo exige muito dos seus atletas e fica frustrado, muito triste, quando os esportistas não alcançam o resultado esperado. Esse fator de cobrança pesa muito no Brasil? Não apenas no futebol, mas também nas demais modalidades. É uma questão séria?
AR: Eu tive a oportunidade de ver pela televisão a despedida do presidente Putin da delegação russa que foi às Olimpíadas de Londres. Vi que ele valorizou muito o papel dos atletas russos e vi que o esporte olímpico tem um peso importante na identidade e na projeção da imagem dos russos e da Rússia perante o mundo. No Brasil, nós também valorizamos muito o papel dos nossos atletas na projeção da imagem do país. Quando nós ganhamos a Copa do Mundo pela primeira vez, em 1958, Pelé e Garrincha, entre outros atletas, se tornaram nomes conhecidos em todo o mundo e ajudaram a projetar a imagem do Brasil. E, no próprio país, nós redescobrimos o Brasil na figura daqueles jovens atletas. O Pelé tinha 17 anos, mas teve um grande desempenho na Copa e passou a ser uma celebridade mundial. E acho que isso para o país é uma coisa boa, ajuda a construir a confiança, o otimismo que uma nação precisa ter para seguir adiante. Há muitos obstáculos no mundo de hoje na construção de uma nação – na sua independência econômica, científica, tecnológica, cultural – e as nações precisam desses exemplos para seguir. E acho que o esporte ajuda a moldar a imagem do país e do povo que queremos ser. E isso não é diferente na Rússia ou no Brasil. Talvez os russos tenham uma diversidade maior nos esportes olímpicos. Têm ídolos mundiais, ou já tiveram, na natação, no salto, no atletismo. Mas acho que nós percebemos da mesma forma a importância do esporte para os nossos povos, para os nossos países, para as nossas crianças e os nossos jovens.

Voz da Rússia: Mas existe um esforço para formar novos atletas no Brasil, principalmente antes das Olimpíadas?
AR: Existe. Nós temos o Plano Medalhas. Vamos investir R$ 1 bilhão até 2016, apenas no treinamento dos atletas que nós julgamos que podem alcançar medalhas em 2016. Nós não queremos ter apenas um bom desempenho na organização dos jogos. Nós queremos ter também um bom desempenho no quadro de medalhas.

Voz da Rússia: A Rússia também está se preparando para uma Olimpíada, já em 2014. São os Jogos Olímpicos de Inverno, que acontecem em Sochi, no sul do país. E saiu um dado recente, tornado público, de que esse evento vai custar US$ 50 bilhões à economia nacional. Aí, a gente se pergunta: qual será o legado disso tudo? No Brasil, onde serão realizadas a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, também há esse tipo de preocupação? O que será possível aproveitar depois desses grandes eventos?
AR: Há dois tipos de legado. Um é o material, que o país acrescenta à sua infraestrutura esportiva em equipamentos, em capacidade de oferecer esporte tanto educacional quanto de alto rendimento para a sua população. O outro legado é intangível, é imaterial, é a valorização da prática da atividade física e do esporte como prática de saúde. As pessoas vão passar a valorizar mais a atividade física e o esporte. Isso é uma coisa muito importante. Há a projeção que esses eventos dão ao país. Ele passa a ser mais conhecido, mais procurado como destino turístico, ele passa a ser mais respeitado pela sua capacidade de organizar grandes eventos, passa a ser mais admirado pela sua capacidade de receber bem as pessoas e tratar bem os visitantes. Eu creio que no Brasil nós teremos ganhos importantes. Consultorias internacionais calculam que Copa e Olimpíadas juntas, no Brasil, vão criar mais de 3,6 milhões de empregos, vão acrescentar 0,4% – só a Copa do Mundo – ao PIB brasileiro até 2019, vão melhorar a qualidade da nossa engenharia civil, do setor de serviços, como turismo, hospedagem e transporte. As nossas cidades passarão a ser mais conhecidas. Principalmente aquelas que vão sediar a Copa do Mundo. Tanto é assim que há sempre uma disputa muito forte para sediar esses eventos. A Olimpíada de Londres passou por uma disputa com Paris, duas metrópoles que são celebridades no mundo. Na do Rio de Janeiro, o Brasil disputou com a cidade do presidente Obama, Chicago. E a Copa do Mundo é um sonho de todo país. Os chineses já trabalham para sediar uma Copa daqui a trinta anos pelo menos. Os argentinos e os uruguaios querem trazer a Copa do Mundo para celebrar o centenário no Uruguai, onde ocorreu a primeira edição da Copa, em 1930. Então, eu acho que há ganhos importantes para o país, tanto na Copa do Mundo quanto nos Jogos Olímpicos.