Diogo Santos: Dez anos de governo tucano em Minas
Completou-se uma década de governos do PSDB em Minas Gerais. Em seu último artigo do ano de 2012 na Folha de S.Paulo, o senador Aécio Neves (PSDB) comemorava o decênio colocando no centro das realizações dos governos tucanos a adoção do programa Choque de Gestão.
Por Diogo Santos*
Publicado 21/02/2013 14:48 | Editado 04/03/2020 16:49
Não pretendo discutir o conceito de eficiência de um governo. Se ela se mede somente pela gestão ou também pela solução dos problemas que a população enfrenta e pela pavimentação de um caminho de desenvolvimento. O objetivo aqui é conhecer as escolhas do governo e suas consequências.
Primeiramente é importante entender quais foram as escolhas iniciais dos governos tucanos ainda no início do primeiro governo Aécio. Para compreendê-las recuemos um pouco no tempo. O governo Aécio herdou uma dívida de R$ 77 bilhões do governo Itamar Franco. Este havia herdado uma divida de R$59 bilhões do governo tucano de Eduardo Azeredo e este por sua vez praticamente dobrou o montante da dívida herdado do governo anterior.
A política de juros altos dos governos FHC, a definição do IGP-DI como “índice da dívida” dos estados com a União e a desoneração do pagamento do ICMS pelos exportadores de produtos primários estão entre as principais causas da ampliação da dívida pública dos estados. Mesmo assim, não faltou a mão amiga do governo neoliberal de FHC com o governo neoliberal de Eduardo Azeredo. O governo Azeredo foi altamente beneficiado pelos acordos realizados com o governo FHC que postergavam o pagamento da dívida.
Após a derrota em outubro de 2008 para Itamar Franco, Azeredo e FHC assinaram acordos que transferiam obrigações de pagamento de Minas com a União, que venceriam ainda em seu mandato, para final de 1999. A solução encontrada pelo governo Azeredo para a dívida de Minas foi simplesmente deixá-la para seus sucessores pagar. Durante o governo Itamar Franco, a crise do Real, o cenário externo desfavorável, os juros elevados e o cerco feito pelo Governo Federal ao estado foram as principais causas do crescimento da dívida no período. Contudo, apesar de todo o esforço do governo Itamar de estancar o crescimento da dívida, não podemos esquecer a equivocada decisão de aumentar de 6% para 12% ao ano os juros pagos para CEMIG.
Diante do cenário adverso o governo Aécio, ao contrário do governo Itamar, não saiu em defesa dos interesses do estado buscando renegociar a dívida com a União e com os demais credores como a CEMIG. A opção tomada pelo governo foi a mais conservadora possível, a maquiagem das contas públicas.
O governo utilizou o conceito contábil (a melhor definição seria maquiagem contábil) de resultado orçamentário para construir a miragem do déficit zero. Segundo o governo, o resultado orçamentário do estado é sempre superavitário desde 2004. Contudo, como um ilusionista, o governo esconde do público o seu truque. O governo expande o lado receitas incluindo nestas as operações de crédito, que são na verdade novas dívidas contraídas pelo governo. A verdade é que de 2003 a 2010, o resultado orçamentário do governo de Minas excluindo as operações de crédito somente foi superavitário em três anos (2004, 2005 e 2008). Sendo extremamente negativo em 2009 e 2010, devido à queda nas receitas do estado resultantes da crise. Este conceito contábil ainda exclui os encargos da dívida não pagos pelo governo em cada ano, o que aumenta o poder da maquiagem.
Se limparmos a maquiagem do resultado orçamentário e analisarmos o resultado nominal, que inclui os encargos da dívida não pagos pelo governo, veremos que durante todo o período de 2003 a 2010 o governo acumulou grandes déficits e deixou de pagar 59% dos encargos da dívida. O governo Aécio, portanto, deu uma grande contribuição para agravar a crise da dívida pública mineira, comprometendo o futuro das finanças do estado. Tudo isso em nome da imagem falaciosa da gestão eficiente.
Essa escolha inicial manteve-se em todos os governos e foi ao mesmo tempo seu trunfo e sua maldição. Trunfo, pois, a exitosa propaganda oficial sempre foi centrada na imagem da gestão eficiente que sanou as contas públicas de Minas em pouco tempo. Tudo sob a marca publicitária do Choque de Gestão. Mas foi também sua maldição, pois se o governo resolvesse enfrentar em público o problema da dívida, estaria assoprando a sua própria casinha de palha, ou seja, desmentindo a própria propaganda da eficiência do Choque de Gestão. O governo Aécio atou as mãos de Minas com a algema do mito da gestão eficiente.
Passou a ser uma obsessão dos governos tucanos conseguirem contrair empréstimos dentro e principalmente fora do país para sustentar sua miragem. A maquiagem das contas públicas e o enxugamento do Estado tiveram o papel principal de agradar os investidores internacionais para o governo conseguir o crédito necessário para sustentar seu castelo de areia. O governo passou a enviar para a Assembleia Legislativa uma série de pedidos de autorização de empréstimos, o que nos faz lembrar do governador de Minas, Fanfarrão “Minésio”, descrito nas “Cartas Chilenas”. Este, enquanto realizava grandes festas para a elite local, a isentava de impostos e construía obras como o presídio de Ouro Preto como forma de demonstrar a qualidade de seu governo, pedia aos deputados que fizessem o que fosse necessário para conseguir dinheiro para o governo sustentar sua política, até vendendo patrimônios pessoais. Outro mecanismo utilizado pelo governo para ter sempre uma via de crédito aberta foi a CEMIG, adiante discutiremos.
A partir de 2004, dentro da expansão geral da economia brasileira e mineira, ocorre a elevação dos preços e da quantidade exportada de minério do estado impulsionada pela ampliação da demanda internacional com destaque para a China. O boom das commodities e a expansão econômica foram os acontecimentos econômicos mais importantes da última década em Minas. A ampliação na arrecadação deu o fôlego necessário para o governo fazer políticas de impacto social e reforçar a imagem, artificialmente montada, de gestão eficiente. Muito provavelmente se não ocorresse o aumento das receitas, a maquiagem contábil e a propaganda do choque de gestão teriam se desmanchado muito tempo atrás.
Contudo, ao contrário da propaganda oficial, a expansão da economia mineira acima da média nacional representa sua fraqueza e não seu dinamismo. A estrutura produtiva mineira é muito mais dependente da exportação de commodities minerais do que a economia nacional. Portanto, é obvio que ao ocorrer uma ascensão nos preços das commodities minerais (essencialmente o minério de ferro) e na quantidade exportada, a economia mineira irá responder com uma expansão maior que a nacional. O contrário também é verdade. Para verificar, basta observar o outro lado da moeda: quando ouve queda na demanda de minério, como ocorreu em 2009, no pior momento da crise, a economia mineira afundou, recuando 4%, e a economia nacional recuou apenas 0,3%. A vulnerabilidade da economia mineira em relação à economia internacional é flagrante.
Enquanto o Brasil desde 2003 aproveitou o bom momento das exportações para iniciar um processo de transformação social, o governo de Minas fez deste momento uma forma de sustentar a falácia do déficit zero e manter o pacto de poder com as mineradoras, fonte de sustentação dos governos tucanos e de financiamento de suas campanhas. Mas ainda era preciso criar uma fonte segura de empréstimos e de apoio político. Aí entra a CEMIG.
Em 2011, o governo de Minas fechou o ano com uma dívida de mais R$ 69 bilhões. Sendo R$59,4 bilhões (86%) com a União e R$5,6 bilhões (8,1%) com a CEMIG. A CEMIG é o segundo maior do estado. Aqui se encontra outro ponto interessante da história.
A generosidade do governo com a CEMIG que tem quase 80% dos seus acionistas do setor privado é quase comovente. Os altos juros pagos pelo estado à União (7,5% a.a.) ainda são mais baixos do que o estado paga a CEMIG (8,2% a.a.). E este valor ainda pode chegar a 12% em caso de inadimplência. Além disso, a depender da situação, a CEMIG poderia reter até 100% do lucro da empresa a que o estado teria direito. Todos estes termos foram construídos no governo Aécio. Os governos tucanos em Minas transformaram a CEMIG em seu principal agiota.
Em 2010, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais revelou a preocupante situação da dívida pública mineira. Somente em 2011, depois de nove anos de governos tucanos e quando o PSDB já havia garantido a eleição de Aécio e de Antônio Anastasia, foi que o governo tomou alguma medida no sentido da renegociação da dívida. A postura adota pelo governo estadual foi a de responsabilizar o governo federal pela situação fiscal do estado e não se responsabilizou pelo não pagamento da maioria dos encargos da dívida e nem colocou em questão os juros abusivos pagos por ele a CEMIG, na qual é o principal acionista. O governo estadual cobrou, corretamente, que o IGP-DI fosse substituído pelo IPC-A como índice de correção dos valores da dívida com a União, mas ele mesmo em 2006 fez um aditivo ao contrato com a CEMIG que reafirmou o IGP-DI como índice da dívida do estado com a empresa.
A CEMIG opera com tarifas de energia entre as mais caras do Brasil, atrasa os investimentos em tecnologia, manutenção e expansão da rede e passou 15 anos sem concurso público, reduzindo milhares de trabalhadores. Não é difícil concluir que a política do governo com a CEMIG (pagamento de juros altos, tarifas altas, falta de investimento e cortes de mão-de-obra) tem claro viés de beneficiar os acionistas nacionais e internacionais. Ou seja, o papel da CEMIG foi completamente desvirtuado, ao invés de impulsionar o desenvolvimento do estado, ela se tornou fonte da exploração financeira. Para garantir os empréstimos necessários à manutenção da miragem do déficit zero e apoio político dos acionistas, entre os quais se encontra a Construtora Andrade Gutierrez, famosa financiadora das campanhas de Aécio, o governo de Minas entregou a CEMIG ao rentismo.
É fácil entender porque o governo de Minas e o próprio senador tucano rodaram a baiana quando a presidenta Dilma anunciou a redução das tarifas de energia. Isto atingia o núcleo do pacto entre os governos do PSDB mineiro e os acionistas da empresa.
A prioridade do governo é construir uma imagem de governo exemplar no trato com as contas públicas. Para manter esta imagem se alia aos rentistas, aos exportadores de commodities minerais, aos bancos, como no caso do Bradesco, às empreiteiras e realiza algumas obras e programas de impacto social, para não se distanciar do povo.
O desenvolvimento social com redução das desigualdades regionais e serviços públicos de qualidade fica totalmente submetido à prioridade número um do governo: a miragem do governo eficiente. Nas áreas sociais, o choque de gestão tem um visível impacto negativo: congelamento dos salários dos servidores públicos, desrespeito ao piso nacional salarial dos professores e precarização dos serviços públicos. No pacto construído pelo PSDB, só resta à população programas sociais desarticulados, focalizados e muita propaganda para sustentar a miragem de um governo eficiente.
O futuro de Minas, pelo menos enquanto parte deste bloco se mantiver no poder, está enormemente comprometido. Mesmo se a dívida pública for renegociada, o estado estará comprometido com ela pelo menos até 2028. A modernização da estrutura produtiva mineira, os aproveitamentos dos recursos oriundos da mineração para a solução das demandas sociais, entre outras coisas, estão fora do horizonte do atual pacto de poder. O caminho é quebrar este pacto e construir outro em que a classe trabalhadora participe.
Os governos do PSDB nos últimos dez anos, complicaram ainda mais a situação financeira do estado, jogaram fora a oportunidade aberta com o boom das commodities em nome de uma miragem e diminuíram a qualidade dos serviços públicos. Se o senador considera isto motivo para comemorar os dez anos do PSDB a frente do governo de Minas, com certeza ele seria um convidado ilustre para as festas do Fanfarrão Minésio, se não fosse o próprio anfitrião.
*Diogo Santos é secretário estadual de comunicação do PCdoB em Minas, granduando em Ciências Econômicas pela UFMG e membro da Fundação Maurício Grabois em Minas. Foi presidente da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais na gestão 2007-2009.