A inauguração do MAR e a medida do valor da Cultura

Na última sexta-feira (1º/3), foi inaugurado o MAR – Museu de Arte do Rio de Janeiro. Com a presença de autoridades municipais, estaduais e federais – incluindo a presidenta Dilma e a ministra de Estado da Cultura, marta Suplicy – o novo museu foi saudado pela importância que terá no cenário das artes e na educação de crianças, jovens e adultos.

Instituições culturais são sempre muito bem-vindas, assim como os investimentos (privados e públicos) no setor. Mas a pirotecnia que envolveu o evento esconde alguns questionamentos que quem vive o dia a dia das instituições culturais e da educação em museus não pode deixar de levantar. Primeiramente porque do ponto de vista do "acesso universal à cultura", destacado pela ministra no evento, comemoraríamos mais se um museu do porte do MAR também pudesse ser inaugurado em uma região sem museus de grande porte. Ou talvez sem nenhum museu de arte, como é o caso na maioria dos municípios brasileiros.

As falas oficiais são inquietantes. Quer dizer que a Cultura é prioridade do governo federal? Difícil de acreditar, quando no mesmo Rio de Janeiro em que foi inaugurado com pompa e circunstância o novo museu, há uma Biblioteca Nacional, patrimônio cultural do povo brasileiro, em condições alarmantes. O assoalho ameaça ceder levando consigo milhares de volumes e colocando em risco usuários e trabalhadores, parte do acervo já foi danificado em inundações, as instalações elétricas ameaçam a integridade dos acervos, visitantes e funcionários. Na mesma Biblioteca Nacional relata-se que o calor chega perto dos 50 graus no verão, quando do lado de fora as temperaturas são até mais amenas. As denúncias dos servidores, frequentes, já saíram nos jornais à exaustão. E, no entanto, nada foi feito além de promessas.

Também o Palácio Gustavo Capanema (1), edifício projetado por Oscar Niemeyer onde funcionam inúmeros serviços e autarquias do Ministério da Cultura, além de abrigar acervos importantes como as Bibliotecas de Música e Euclides da Cunha da Biblioteca Nacional, Biblioteca Noronha Santos e o Arquivo com a memória das ações do IPHAN, as condições de trabalho são aviltantes. O calor é insuportável, os elevadores costumam despencar e, segundo relatos dos servidores, as baratas têm por hábito assaltar-lhes as marmitas.

O descaso com o Ministério da Cultura vem de longe. O Plano Especial de Cargos da Cultura não chega a ser um plano de carreira e tem uma das tabelas de vencimentos mais baixas do serviço público federal. Mais da metade da remuneração vem de gratificação por produtividade (que se reduz em 50% quando o servidor se aposenta) e, mesmo após inúmeras greves (todas com acordos firmados com o governo) os servidores sequer alcançaram o direito (concedido a inúmeras categorias) de serem remunerados por sua titulação (mestrado e doutorado). A tecnocracia do Ministério do Planejamento insiste em que o trabalho das instituições culturais não "merece" esse tipo de retribuição.

Graças a esse "incentivo", as autarquias ligadas ao MinC e o próprio ministério não conseguem reter seus novos funcionários, como mostra o quadro abaixo, produzido pelas associações de servidores (2) com dados do próprio ministério:

Evasão dos novos concursados (em 2011/2012)

Órgão                              Nº de vagas no últi.concurso         Evasão               %

Min. da Cultura                          253                                            138                    55     
Fund. Biblioteca Nacional       111                                              41                    37
Fundação Palmares                   12                                                8                    67
Funarte                                           68                                             27                    40
Inst. Bras. de Museus-Ibram    294                                          205                   70
Inst.Pat.Hist.Art. – Iphan             187                                            82                    44

Com 53% de evasão dos novos concursados e a previsão de aposentadoria de cerca de 722 servidores nos próximos anos num universo de 2.588 ativos, não é exagero afirmar que o Ministério da Cultura está para ser extinto. Os salários e as condições de trabalho não são capazes de reter os novos funcionários, muitos dos quais mestres e doutores. A terceirização é uma triste realidade do trabalho no Ministério, bem como soluções imediatistas, como contratações de temporários e consultores (que custam aos cofres públicos mais que o dobro dos servidores concursados).

Recentemente comemorou-se a ampliação do orçamento destinado à cultura, que hoje fica perto dos 0.7% do orçamento da União. No entanto não se questiona como será executado esse orçamento (ainda muito aquém do necessário, mas já muito melhor do que em tempo anteriores, é verdade) se não há servidores suficientes e mesmo que haja concursos abertos não será possível suprir a demanda, pois a evasão é uma constante.

É fato que em comparação ao que se tinha antes, há 10 anos, houve uma série de avanços no setor. O Ministério da Cultura conseguiu elaborar um Plano Nacional de Cultura (bem como planos setoriais decorrentes deste) com metas para os próximos vinte anos, o que demonstra uma disposição de construir uma política de Estado para o setor. Mas tornar esse sonho realidade passa por ações de estruturação sem as quais nada de relevante irá acontecer. Permaneceremos na lógica dos "eventos" e dos belos discursos sobre o "valor" da arte e da cultura.

A medida real do valor que se dispensa às políticas culturais não é a beleza das solenidades, mas a capacidade de se democratizar o acesso e prover os serviços essenciais à conservação do patrimônio histórico, artístico, bibliográfico e documental, à educação em museus e instituições culturais, à fruição e produção das artes e manifestações culturais. Centenas de novas instituições pequenas e de livre acesso valem e universalizam muito mais do que mais um enorme museu de arte. E não se faz política de Estado sem serviço público de qualidade em qualquer área. Não é diferente só porque "é a cultura".

Notas:
1 – No Palácio Gustavo Capanema, atingiu-se o recorde histórico de calor, 46º (sensação térmica de 50º), no Rio de Janeiro (O Globo, 27/12/2012)

2 – Veja mais em http://soscultura2011.blogspot.com.br/

Rita Coitinho, militante do PCdoB em Santa Catarina