UEE-SP instala sua própria Comissão da Verdade

Jogar luz no período de sombras que vitimaram inúmeros jovens, seus amigos e familiares é reinserir no debate social uma dor que ainda não passou. Descobrir, esclarecer e reconhecer os abusos de um passado nem tão distante são prioridades para quem infelizmente aprendeu a conviver com a dúvida. Com o objetivo de dar voz ao silêncio alimentado pelo tempo, a União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP) anuncia a instalação da “Comissão da Verdade Alexandre Vannucchi Leme”.

Com a escolha de seu nome para identificar a iniciativa, a entidade presta uma homenagem ao estudante de geologia da Universidade de São Paulo (USP), torturado e morto há exatos 40 anos pela ditadura civil-militar no país.

A implementação da Comissão da Verdade dos estudantes paulistas contará com um processo de busca em arquivos públicos e privados, visitas em locais onde a violação foi cometida, entrevistas com testemunhas e apuração dos fatos junto às vítimas (no caso de perseguição e tortura) e seus familiares.

Coordenados pelo presidente da UEE-SP, Alexandre ‘Cherno’ Silva e pelo diretor Vitor Quarenta, advogados, pesquisadores e estudantes farão parte da equipe que promoverá, com base nas pesquisas documentais, a reconstrução histórica.

O objetivo é criar dentro da própria entidade um órgão temporário para identificar e reconhecer casos de perseguição, tortura, morte e ocultamento de cadáver. A Comissão da Verdade Alexandre Vannucchi Leme terá o prazo de 12 meses para a conclusão de seus trabalhos e divulgação do relatório concluído.

“Queremos também promover com esta iniciativa um encontro de gerações, oferecendo para os estudantes de hoje as histórias de quem viveu e sofreu na pele as violações deste período na luta por um país democrático”, afirma o presidente da entidade.
Verdade, justiça e reparação histórica

O documento final denunciando as violações de direitos humanos exercidos dentro das instituições de ensino no Estado de São Paulo no período do regime ditatorial, será entregue para a sociedade com a missão de oferecer a verdadeira face dos fatos e consequentemente o direito à memória.

Embora saibamos que o processamento civil e penal dos agressores das violências e abusos cometidos não seja o objetivo principal da Comissão da Verdade Nacional, a UEE-SP se compromete em disponibilizar o material para que seja utilizado como instrumento da justiça por meio de ações civis e penais.

Alexandre Vannucchi Leme, presente!

Natural de Sorocaba-SP, Minhoca (como era carinhosamente conhecido) tinha 22 anos e cursava o 4ª ano da faculdade quando foi capturado pelos encapuzados da Operação Bandeirante (Oban) e levado para DOI-CODI no dia 16 de março de 1973, às 11h, de dentro da Cidade Universitária, local de forte resistência estudantil ao regime militar.

Nas mãos dos repressores, o estudante foi submetido a sessões de torturas sendo iniciadas no momento da prisão durando horas consecutivas, lideradas diretamente pelo comandante daquele departamento, o major Carlos Alberto Brilhante Ulstra. Em seus relatos, os sobreviventes contam que o estudante ao chegar no DOI-CODI, após horas de torturas foi colocado em uma solitária. De lá saiu apenas no dia seguinte para mais uma sessão, voltando a ser torturado ininterruptamente até o meio-dia. Por volta das 17h, ao conduzi-lo para uma nova sessão o carcereiro encontrou Vannucchi Leme morto na cela com uma forte hemorragia no abdômen.

As informações divulgadas pela imprensa da época confirmava a versão dos militares que dizia que o estudante morrera atropelado por um caminhão, na Rua Bresser, em São Paulo. A farsa trazia um laudo assinado pelos médicos Isaac Abramovitch e Orlando Brandão, alegando uma contusão na cabeça.

Desafiando o ambiente de terror, silêncio e repressão os estudantes realizaram uma missa de 7º dia celebrada no dia 30 de março, na catedral da Sé, pelo cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns com a presença de cinco mil pessoas. Seu corpo foi enterrado como indigente, sem caixão em uma cova rasa do cemitério de Perus, forrada com cal para acelerar o processo de decomposição e encobrir as marcas da tortura que motivaram sua morte. Somente em 1983, dez anos após o assassinato é que José de Oliveira Leme e Egle Vannucchi Leme, seus pais, conseguiram trasladar o corpo para sua cidade natal.

Fonte: Site da UNE