Peritos da ONU criticam prisões brasileiras

Convidado pelo governo brasileiro a avaliar eventuais violações de direitos humanos nos presídios, um grupo de peritos independentes nomeado pela Organização das Nações Unidas (ONU) visitou o país e encontrou uma série de problemas que vão desde a precária estrutura oferecida aos acusados que dependem de advogados públicos até a escassez de camas destinadas aos 550 mil presos.

Por Leandro Kleber*, no Correio Braziliense

Prisão - Agência Brasil

Os especialistas entregaram um relatório preliminar à Procuradoria Geral da República e a órgãos do governo federal na última quarta-feira. Eles criticam a internação compulsória de dependentes químicos, não acompanhada sistematicamente pelo Estado; a quantidade de presos que aguardam julgamento — mais de 215 mil; e a violação dos direitos dos indígenas, que não conseguem se comunicar com juízes em audiências por falta de intérpretes.

De acordo com o grupo, se o país não fortalecer a instituição dos defensores públicos será difícil reverter a atual situação carcerária do país — 98% dos presidiários, segundo o grupo, são pobres. A constatação é de que os profissionais dessa área são sobrecarregados e não dão conta de atender a demanda. “Os ricos não cometem delitos? Claro que sim, mas não são tratados como perigosos. Eles conseguem pagar seus advogados”, diz o chileno Roberto Garretón, integrante do grupo responsável pela América Latina e Caribe.

Os especialistas da ONU também condenaram a falta de medidas alternativas a prisões determinadas por juízes. Garretón ressalta que a proporção da quantidade de presos em relação ao tamanho da população brasileira é uma das mais altas do mundo. “Não se pode ter o aprisionamento como única solução para o delito. Há outras medidas a serem adotadas. A prisão, que custa muito caro e, muitas vezes, não ressocializa a pessoa, tem de ser a exceção, e não a regra”, observa.

A avaliação é de que os juízes brasileiros, por motivos variados — entre eles a questão cultural — relutam em adotar penas alternativas porque o país não consegue controlar e monitorar as pessoas. Outro problema apontado pelos técnicos da ONU está relacionado ao tratamento dado aos detentos. De acordo com o grupo, o sistema prisional do país oferece apenas 360 mil camas aos 550 mil presos, algo considerado inaceitável.

Unidade experimental

Outra constatação grave feita pelos integrantes do colegiado se refere a seis adolescentes que estão detidos na Unidade Experimental de Saúde em São Paulo. De acordo com os especialistas da ONU que visitaram o local, os indivíduos foram detidos por crimes graves e perigosos e estavam perto de atingir os três anos máximos exigidos por lei. Eles foram, então, transferidos para o local, onde foram institucionalizados sem o devido processo legal. Os especialistas demonstraram preocupação com a falta de base legal para a detenção dos seis indivíduos. “É uma instituição singular no Brasil, e talvez no mundo”, alertou o ucraniano Vladimir Tochilovsky, integrante do grupo.

Além disso, as minorias da população também acabam sendo prejudicadas pelo sistema judicial. O grupo observou que os indígenas não são auxiliados por intérpretes para se comunicar com juízes. “Vimos que os indígenas recebem uma pena superior à dos não indígenas. (No Brasil, ainda) prendem a pessoa pela opção sexual ou pela religião diferente”, critica Garretón.

Eles evitaram comparar a situação do país à das demais nações visitadas. O relatório final com recomendações ao governo brasileiro será apresentado em Genebra, na Suíça, em 2014. Cabe às autoridades do Brasil acatarem ou não as propostas. O Ministério da Justiça informou que não vai se pronunciar até receber o documento. A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que o governo brasileiro se esforça para implementar todas as recomendações apresentadas ao país por organismos internacionais.

Problemas apontados

Confira o diagnóstico feito pelo grupo de peritos independentes do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas no sistema carcerário brasileiro. O relatório final da visita será apresentado ao conselho da ONU, em Genebra, na Suíça, em 2014:

» A internação compulsória de dependentes químicos não é acompanhada periodicamente pelo Estado.

» A instituição da defensoria pública tem de ser fortalecida, pois não consegue atender a demanda de pessoas que não podem pagar advogados.

» Os indígenas não são auxiliados por intérpretes para se comunicar com juízes quando acusados de algum crime.

» O sistema prisional brasileiro tem 550 mil pessoas, mas, apenas 360 mil camas.

» As pessoas chegam a ficar até três anos presas provisoriamente sem terem sido julgadas. Dos 550 mil presos, pelo menos 216 mil ainda não foram condenados e aguardam julgamento.

» Os juízes brasileiros não adotam medidas alternativas à prisão. Segundo a entidade, o encarceramento deve ser exceção, pois custa caro e, muitas vezes, não oferece condições de ressocialização.

» O prejulgamento e a pressão social antes mesmo que o acusado tenha amplo direito de defesa é fato comum no país.

*Leandro Kleber é jornalista