Anos de Chumbo: Quem paga, manda

Na época da ditadura militar, muito se falava dos empresários que financiavam a tortura promovida por entidades como a Operação Bandeirantes (Oban), que se transformaria em DOI-Codi. Parte das verbas destinadas à tortura tinha como origem o desvio de recursos orçamentários; mas o dinheiro grosso, que pagava automóveis descaracterizados, viagens pelo Brasil e países vizinhos, esquemas para livrar-se de corpos, compra de informações e delações, infiltração, este não tinha como ser oficial.

Dava-se como certo que o empresário Henning Albert Boilesen, que seria morto numa
emboscada, era um dos grandes financiadores da repressão clandestina; mas outros
certamente atuariam na mesma área, já que apenas um Boilesen não teria condições de
sustentar um orçamento de tamanho porte.

Comenta-se que muitos empresários colaboraram por motivos ideológicos: queriam evitar
a possibilidade de que movimentos apoiados por Cuba, China e União Soviética chegassem
ao poder. Outros, também se comenta, foram vítimas de chantagem. E alguns (há muitos
depoimentos que citam esse tipo de acontecimento, embora os torturados, até o ponto
em que este colunista saiba, não tenham feito depoimentos formais sobre isso) usaram sua
proximidade com a repressão para obter favores oficiais e ampliar suas empresas, criando
dificuldades para as concorrentes.

Pois bem: discute-se quem matou e quem foi morto, discute-se onde estão os corpos, discute-
se os desaparecidos, discute-se a possibilidade de, entre os desaparecidos, alguns terem
mudado de lado, pagos ou não, e recebido estrutura e recursos para mudar de aparência, de
vida e até de país. Quem pagou?

A Comissão da Verdade ainda não tocou neste assunto. O pedetista gaúcho Carlos Araújo, ex-
marido da presidente Dilma Rousseff, cobrou essa investigação; e relatou à própria Comissão
sua experiência pessoal, em que empresários com frequência assistiram à tortura, ou a
incentivaram. Há pelo menos um caso, narrado a este jornalista, em que um empresário que
o torturado não conhecia assistiu à tortura e se masturbou, comentando que há algum tempo
não chegava ao orgasmo sem assistir ao sofrimento de alguém.

Quem? Quantos? Por quê? A resposta é complicadíssima: basta acompanhar os casos de
corrupção que foram julgados para apurar que o intermediário pagou, que o corrompido
recebeu. Na hora de descobrir e julgar quem deu o dinheiro ao intermediário faz-se um
ruidoso silêncio. Um bom exemplo é o de PC Farias, condenado por intermediar subornos, e o
de subornados por ele que também foram atingidos.

É uma especificidade brasileira: há um intermediário, há vários receptores do dinheiro, e não
há quem tenha desembolsado a quantia entregue ao intermediário.

Tudo bem, faz muito tempo. Provavelmente a maior parte dos envolvidos já morreu. Se
alguém estiver vivo e ficar provado que financiou a tortura, estará coberto pela Lei de Anistia e
não sofrerá punição. Inútil procurar? Talvez. Mas, se tanta gente e tantos recursos são usados
para descobrir o que realmente houve, deve haver um esforço para saber quem financiou todo
o processo.

Fonte: Observatório da Imprensa