Ivan de Carvalho Junqueira: Mais um "Casa" para adolescentes

Com a inauguração dos dois novos centros socioeducativos, nos aproximamos dos 150 no estado, da Capital até Irapuru, bem na esteira do sistema prisional. As 112 vagas recém criadas serão logo preenchidas, não resta dúvida, sendo recorrente o desrespeito do Poder Judiciário à excepcionalidade da medida. E, nova vez, exigiremos mais construções.

Por Ivan de Carvalho Junqueira*, do Brasil de Fato

Inaugurou o estado de São Paulo mais um centro socioeducativo, dois, aliás, no município de Limeira.
Compartilho das diretrizes da Lei n.º 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), assecuratória da proteção integral de direitos. Legislação avançada, acreditem, pioneira na América Latina, não obstante achincalhada a todo momento.

Já no campo infracional juvenil, apoio o que disposto no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, regulamentado, por sua vez, através da Lei n.º 12.594/12, dando-lhe robustez.

Defendo nossos adolescentes com afinco (participando, não raro, de acaloradas discussões) sem, no entanto, ratificar o que cometido, razão pela qual devem ser responsabilizados pelas suas condutas (atos infracionais), respeitada – sempre – a legalidade.

Porém, enquanto cidadão, embora também atuante no sistema de justiça juvenil, reputo primordial o incremento das políticas públicas que, fossem bem trabalhadas décadas antes, minimizariam parte da vulnerabilidade enfrentada por elevado contingente populacional, carecedor – ainda – dos mais elementares direitos sociais: saúde, educação, trabalho, alimentação, moradia, lazer…

Pobreza e miséria não justificam a incursão no crime. Todavia, incrementam o risco.

Todos estes direitos, em conjunto a uma série de outros, encontram-se expressamente previstos na Constituição Cidadã, de outubro de 1988, sofrendo, muitas das vezes, com a falta de efetividade, não atingindo os seus destinatários. Lembrando a clássica lição de Ferdinand Lassale, vai se tornando uma simples “folha de papel”, na medida em que desconsiderada em sua plenitude.

O ECA, promulgado há quase 23 anos, mudou o panorama da política de atendimento à camada infanto-juvenil, revogando, em contrapartida, o que apregoado pelos antigos Códigos de Menores, de cunho paternalista e opressor, na cooptação dos “menores” provenientes das “classes” menos favorecidas.

O Estatuto trabalha, entretanto, com o chamado tríplice sistema de garantias: medidas primárias (políticas públicas), secundárias (protetivas) e terciárias (socioeducativas), que devem (melhor, deveriam) ser acionados de forma sucessiva, sem “queimar” etapas.

Também o artigo 112, do ECA, impõe-se na mesma linha à nominação das medidas sancionatórias, partindo da prática do ato infracional. Começa pela advertência (a mais branda delas), perpassando por outras (obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e semiliberdade) chegando, ao final – excepcionalmente – à internação (a mais gravosa), retirando o adolescente do seu convívio social, privando-o da liberdade por até três anos.

Em que pese a alegada melhora, nos últimos anos, para com o atendimento direto ao adolescente autor de uma conduta delitiva, mais humanizado e individualizado, a perspectiva não é das melhores.

Nos habituamos a entregar, por conivência, mais presídios do que instituições de ensino ou postos de saúde (não o contrário) diante dos clamores emocionais, senão, oportunistas, da parte de muitos, exigindo maior punição. “Quem abre uma escola, fecha uma prisão”, alertara Victor Hugo.

Assim, o Estado Social vai minando, cedendo lugar ao Estado Penal, repressivo.

Dentro da “cultura da punição”, assentada no movimento da “lei e ordem” (vide a edição, no país, da Lei dos Crimes Hediondos – Lei n.º 8.072/90), ouvimos inflamados discursos em favor da pena de morte, prisão perpétua, redução da idade penal (todas, cláusulas pétreas), bem como, aumento das penas e medidas socioeducativas…

A problemática, porém, nunca é resolvida. Seja para o preso (adulto, imputável) ou apreendido, ambos reféns de uma estrutura falha quanto à pretendida (re)educação (prevista, em teoria, nos manuais criminológicos) e, até mesmo, à sociedade aflita – a defender respostas sempre mais duras de “combate ao crime” – para a qual a sensação de (in)segurança pública transparece grande e crescente.

Por entre a sombra desta sociedade individualista, sob a perniciosa lógica do “cada um por si”, desconfiamos dos próprios vizinhos, vistos – agora – como inimigos em potencial. No dizer de Frei Betto, “teme-se que a praça esconda ladrões atrás das árvores, fantasmas desfilem pelas ruas à noite e crianças pedintes se transformem em perigosos assaltantes ao se aproximar do carro” (Gosto de uva, 2003). Falar um simples “bom dia”, para muitos, tornou-se tarefa das mais penosas ao sair de casa.

Temos no Brasil, atualmente, cerca de 500 mil presos, a 4.º maior população carcerária do mundo! Destes, mais de 170 mil encontram-se no estado de São Paulo, ressalvados os mandados judiciais a cumprir. De acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária – SAP, há 156 unidades prisionais, de se acrescer a entrega, em breve, de outras 13…

Com a inauguração dos dois novos centros socioeducativos, nos aproximamos dos 150 no estado, da Capital até Irapuru, bem na esteira do sistema prisional. As 112 vagas recém criadas serão logo preenchidas, não resta dúvida, sendo recorrente o desrespeito do Poder Judiciário à excepcionalidade da medida. E, nova vez, exigiremos mais construções.

Tratamos do efeito, não da causa, insiste-se no telhado, não no alicerce, cujo remédio punitivo já não resolve.

Continuamos enxugando o gelo…

* Ivan de Carvalho Junqueira é especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública Servidor na Fundação CASA/SP.