Após conflitos, Terenas e governo se reúnem nesta quinta-feira

Uma comitiva formada por 20 índios Terena, do Mato Grosso do Sul, embarca nesta quarta-feira (5) para Brasília (DF), onde se reunirá com representantes do governo para discutir o conflito na Fazenda Buriti, em Sidrolândia, a 70 quilômetros de Campo Grande. Os ânimos se exaltaram nas últimas horas, depois que o índio Josiel Gabriel Alves, 34 anos, foi baleado.

Josiel está internado na Santa Casa e há possibilidade de sequelas no sistema motor. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que acompanha a situação da capital sul-mato-grossense, ele foi baleado nas costas durante à tarde de terça (4), na fazenda São Sebastião, em Sidrolândia (MS), e provavelmente passará por uma cirurgia para a retirada do projétil.

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O conflito entre os fazendeiros e índios se agravou no dia 15 de maio quando os terena ocuparam quatro fazendas na região. Uma delas, a Fazenda Buriti, foi o local onde o índio terena Osiel Gabriel, de 35 anos, foi morto e mais três índios ficaram feridos durante uma ação de reintegração de posse, comandada pela Polícia Federal, na quinta-feira passada (300. O ato foi classificado por indigenistas e especialistas ouvidas pelo Vermelho no assunto como desastroso.

Na manhã desta quarta, uma tropa da Força Nacional desembarcou em Campo Grande. Segundo o governo, 110 homens permanecerão na região atendendo a um pedido do governador do estado, André Puccinelli (PMDB). Na segunda (3), o governo já havia anunciado mudanças na demarcação de terras indígenas, afirmando que, além dos laudos técnicos da Funai, serão ouvidos também os ministérios do Desenvolvimento Agrário, o Incra, da Agricultura, a Embrapa, do Desenvolvimento Social e da Justiça. 

“O objetivo é equilibrar as negociações para justamente evitar o confronto. Por isso considero extremamente positiva a medida que pretende colocar fim ao que eu chamo de irresponsabilidade da Funai, que só enxerga o lado dos indígenas em suas decisões”, afirmou o secretário de estado da Produção Rural do Amazonas, Eron Bezerra. “Não se pode negar a presença dos demais atores sociais e sua importância para as localidades. Vivemos uma situação bem semelhante no Amazonas, no município de Autazes, onde os povos Mura estão misturados aos ribeirinhos, seringueiros e agricultores locais”, completou.

Segundo o secretário de estado do Amazonas, a Funai já decidiu que pretende retirar os pequenos agricultores do local para dar posse aos Mura. “Se houver uma reintegração será preciso uma grande negociação com todos os atores que vivem no lugar para evitar uma tragédia”, alertou Eron Bezerra que completa: “Sempre é preciso buscar mediação necessária e não buscar solução criando outro problema. Também há outros fatores que contribuem para o acirramento dos ânimos como a morosidade do processo legal de demarcação. É uma questão que se arrasta há décadas”.

Dirigente do PCdoB, Bezerra deixa claro que “não está sendo questionado o direito e o acesso à terra das populações tradicionais indígenas”. No caso da Fazenda Buriti ele é categórico: “Não se pode colocar o direito individual de um proprietário acima da vontade de uma grande maioria, como é o caso dos terena”.

A Funai foi procurada mas não retornou até o fechamento da matéria. Em nota divulgada na internet, o órgão lamentou a morte do indígena Oziel Gabriel e diz estar acompanhando o caso. De acordo com a Funai, havia um recurso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região para reverter a ordem de reintegração de posse da Fazenda Buriti, que se encontrava suspensa pela Justiça Federal de Campo Grande, que não foi julgado.

“A Funai considera lamentável o fato de ter sido determinado o cumprimento da ordem de reintegração antes do julgamento desse recurso, sem que pudesse informar e dialogar previamente com os indígenas, bem como acompanhar as medidas voltadas à efetivação da decisão”, diz um trecho do comunicado.

Histórico

A fazenda Buriti tem cerca de 300 hectares e está entre os 17,2 mil hectares delimitados como de posse dos índios terena, em 2001, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), com base em laudos técnicos. Desde então os índios reivindicam sua posse na Justiça. Em 2004, a Justiça Federal declarou, em decisão de primeira instância, que as terras pertenciam aos produtores rurais. Em 2010 o Ministério da Justiça declarou a posse da terra aos terena. Tanto a Funai quanto o Ministério Público Federal recorreram, e, em 2006, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, declarou a área como de ocupação tradicional indígena. Houve novo recurso dos fazendeiros e, em junho de 2012, obtiveram decisão favorável, de segunda instância.

“Agora, a nossa esperança é que o Supremo Tribunal Federal tome uma decisão definitiva sobre a questão. Há laudo antropológico da Funai e duas perícias da Justiça, uma arqueológica e outra antropológica, que comprovam a ocupação do povo terena”, explicou Flavio Vicente Machado, coordenador regional de Campo Grande do Cimi.

Reunião

Flavio confirmou que os índios serão recebidos em uma reunião na quinta-feira, às 14 horas, pelos ministros José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência.

A presença da presidenta Dilma Rousseff no encontro está sendo discutida, no entanto, não há nenhuma confirmação do governo federal. Nesta quarta, a presidenta deu declarações que o governo cumpre e cumprirá todas as decisões da Justiça, mas que é sempre a favor do diálogo para evitar o confronto: “Não discuto decisão judicial. Sempre preferiremos processos negociais, mas cumpriremos todas as decisões”, reforçou em entrevista à imprensa, após reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

O ministério da Justiça determinou a apuração dos fatos para que aqueles que transgrediram a Lei sejam penalizados e também uma perícia será feita para investigar de onde partiu o tiro que matou o índio Oziel. 

Deborah Moreira
Da redação do Vermelho