Povos Terena ocupam pacificamente Fazenda Esperança no MS

Famílias de índios terena ocupam as terras da Fazenda Esperança, em Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Desde terça-feira (4) eles vêm se instalando, levantando acampamento. Mulheres e crianças também fazem parte do grupo.

Por Karina Vilas Bôas*, para o Portal Vermelho

A outra face da história será contada depois de visitar outro acampamento dos indígenas terenas de Mato Grosso do Sul, montado após a ocupação da Fazenda Esperança, no distrito de Taunay, em Aquidauana – a 143 quilômetros de Campo Grande, nesse local com certeza o clima é mais pacifico do que na região da fazenda Buriti, em Sidrolândia, pois ainda não houve a reintegração de posse e o fazendeiro deixou o local concordando com a situação e fechando um acordo com os indígenas de que nada seria tocado, além da terra.

Esta é a segunda grande ocupação em Mato Grosso do Sul nas últimas semanas, o que deixa claro que após 20 anos os indígenas estão cansados de promessas não cumpridas, já que uma Constituição formulada em 1988 dava garantias de que, em no máximo 5 anos, a situação das demarcações de terras iriam ser solucionadas pelo poder público, portanto um problema que vinha se arrastando dia após dia só poderia chegar a esse ponto, com mortes, violência e tensão.

Na fazenda Esperança os indígenas começam a levantar o seu acampamento, a organizar a ocupação e continuam firmes na luta afirmando que este é um momento único na história dos índios de Mato Grosso do Sul, pois chegou a hora da sociedade voltar os seus olhos para essa causa e entender de uma vez por todas que eles são seres humanos que merecem ser respeitados como tal e terem os seus direitos constitucionais garantidos.

No local existem muitas mulheres que estão auxiliando os seus guerreiros no levantamento das barracas, na lida do dia a dia com a comida e também existem muitas crianças que correm soltas pelas suas terras, brincando e com o sonho e como diz o nome da fazenda, com a esperança de verem ali uma aldeia formada de fato e de direito, onde elas possam crescer e aprender, assim como os seus pais aprenderam um dia, a lidar com a terra e a continuar cuidando da sua cultura.

De acordo com o ancião Pedro Jerônimo, de 81 anos, indígena muito respeitado pela comunidade por conhecer a fundo a história da comunidade, explicou que a propriedade que se encontra no meio de 7 aldeias, possui vários marcos que comprovam que a terra é indígena e que inclusive ele conhece um fazendeiro que reconheceu que as terras são historicamente propriedade dos índios. “Teve um fazendeiro, prefiro não falar o nome, que disse a um patrício nosso a seguinte frase, vocês não são invasores, nós somos, como vocês não tinham dinheiro naquela época agente comprava arame e ia cercando tudo, ocupando e tomando aquilo que era de vocês. Então chegou a nossa hora de termos o nosso direito garantido, já que nós trabalhamos muito para os brancos, muito mesmo, pois há muito tempo nós que sabíamos montar, lidar com o gado e demos o nosso trabalho praticamente de graça para muitos fazendeiros desse estado”, afirma.

Em sua fala mais emocionada Pedro ressaltou que a sua alma dói quando ouve os homens brancos chamando índio de vagabundo e preguiçoso. “O que o homem branco pensa? Que agente só toma tereré? Será que eles se lembram de que tereré custa dinheiro? Que agente também se veste, tem conta para pagar? Isso é discurso de alguns que tem a intenção de provocar o ódio, de fazer cada vez mais gente odiarem o índio”, disse.

O professor indígena, Jonas Gomes, de 68 anos, ressaltou que a fazenda Esperança foi “fundada” em 1945. “Primeiro ela era um campo todo aberto, depois que foi dividida do jeito que está hoje, em quatro, e o primeiro fazendeiro lá trás fez o índio doar a terra para ele, como se fosse um empréstimo, dava alguma coisa em troca e os nossos ancestrais não sabiam o valor em dinheiro da terra, a nossa cultura não é igual a do branco, eles foram enganados e agora nós queremos o que é nosso por direito”, fala.

Para a indígena, Zeli Luis Paes, de 53 anos, o que tem que ficar claro para toda a sociedade que este é o momento certo para que os indígenas terenas lutem pelo seu direito. “Nosso coração está sangrando, um irmão patrício nosso foi assassinado no Buriti, se há 20 anos alguém tivesse olhado por nós a situação não estaria desse jeito, se os governantes lá em cima tivessem feito a sua parte não temos dúvida que a dor de hoje não estaria tão grande, por isso nos fortalecemos e sabemos que este é o nosso momento de lutar pelo que é nosso de direito”, ressalta.

Já para o professor e doutor, Wanderley Dias Cardoso, de 40 anos, liderança muito respeitada na comunidade pela sua história de luta e muito estudo nas causas indígenas, a intenção dos terenas é fazer a reocupação da sua área, já que desde 2004 existe uma portaria que identifica a área como indígena e a única coisa que os indígenas querem, sem violência, é reconquistar aquilo que é seu por direito e poder voltar a habitar as suas terras, a plantar e colher o seu alimento.

Fazenda Esperança agora Aldeia Esperança

Os índios de sete aldeias disputam pela posse de cerca 33 mil hectares de terra na região de Aquidauana. Hoje eles vivem em uma área de 6.000 hectares. A área em questão fica no distrito de Taunay, repartido em 93 propriedades.

Estudos de 2004 da Funai (Fundação Nacional do Índio) indicam que a fazenda Esperança pertence aos índios, mas o proprietário recorreu, e o caso segue na Justiça. A situação é parecida com da fazenda Buriti, em Sidrolândia, onde o terena Oziel Gabriel foi morto.

O Cimi garante que um estudo antropológico da Funai já reconheceu que 33 mil hectares da região são terra indígena tradicional e estão aptos a serem reconhecidos como parte da reserva Taunay/Ipeg.

Cerca de 6.000 índios terenas vivem, desde a primeira metade do século passado, em 6.000 hectares destinados à ocupação indígena pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão federal indigenista substituído pela Funai em 1967. Há cerca de 20 anos os índios reivindicam a ampliação da terra indígena Taunay/Ipeg.

Depoimento de Wanderley Dias:

*Karina Vilas Bôas é jornalista