Jornalistas promovem ação em repúdio às agressões em protestos

Organizações de jornalistas e de defesa de direitos humanos se reuniram no início da tarde desta quinta-feira (20), no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP), para divulgar uma nota de repúdio às graves violações cometidas contra jornalistas e comunicadores ocorridas recentemente, como no protesto de quinta-feira (13) contra o aumento da passagem, em São Paulo (SP). O objetivo é dar visibilidade aos fatos para que os mesmos sejam apurados.

O fotógrafo Sérgio Silva, da agência Futura Press, atingido no olho esquerdo por um tiro de bala de borracha disparado pela Polícia Militar durante o protesto de quinta-feira (13), em São Paulo, tem poucas chances de recuperar a visão. Já a repórter da Folha de S. Paulo, Giuliana Vallone, também atingida no olho por uma bala de borracha, não corre risco de ter danos maiores. No Facebook, a jornalista comentou o que houve e agradeceu o apoio: "Vi o policial mirar em mim". No total, quase 20 profissionais sofreram agressões ou foram presos.

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Embora tenha havido uma sinalização mais positiva da opinião pública, e até mesmo a postura do comando da Secretaria de Segurança Publica tenha sido alterada em relação aos protestos, depois do registro de casos de violência contra jornalistas e manifestantes, as organizações consideram que ainda nãofoi suficiente para sanar a situação. Em manifestações que ocorrem em todo o país, diversas imagens violentas por parte da polícia continuam sendo registradas.
João Paulo Charleaux, jornalista da Conectas, que atua na área de direitos humanos na África, América Latina e Ásia, lembrou que o “direito à comunicação não é um direito privativo das empresas de comunicação e seus empregados”.

“Os jornalistas não são os únicos a exercerem esse papel. Hoje em dia, pela disponibilidade de meios e consciência política de algumas pessoas, a função de comunicador é exercida por qualquer pessoa. Não existe nenhum impedimento legal para que elas exerçam o papel de comunicador em um protesto. Não há nenhuma razão para quem quer que seja em atacar um jovem ou outra pessoa que esteja registrando imagens. O argumento de que não são jornalistas não exclui essas pessoas à proteção”, argumentou João Paulo, durante coletiva para apresentação da nota.

Ele lembrou que os profissionais ainda aguardam um pronunciamento público do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do Secretário de Segurança Pública do Estado, Fernando Grella, condenando esse tipo de ação, lembrando as declarações infelizes dadas pelo secretário, de que os jornalistas que fazem cobertura estão cientes dos riscos.

“Também as empresas de comunicação precisam estar atentas aos editoriais de opinião que publicam, já que têm reflexo na atitude dos atores dessa história. Criou-se um ambiente bastante permissivo do uso da força para que as coisas se desenrolassem como se desenrolaram na quinta-feira. É preciso que os jornalistas envolvidos na produção de opinião dos meios reflitam sobre suas atitudes também”, disse João Paulo, ressaltando as obrigações que as empresas de comunicação têm com seus funcionários. “O jornalista que vai para a rua precisa ter suporte da empresa como, por exemplo, seguro de vida, apoio psicológico e assistência jurídica. Todos que não cumpre são de alguma forma algozes desses jornalistas”, concluiu.

A representante do Portal Aprendiz, Helena Singer, lembrou a prisão do repórter do veículo, Pedro Ribeiro Nogueira, 27 anos, na terça (11), e que o mesmo só foi solto na tarde de sexta-feira (14) depois de passar mais de 60 horas preso no 2º DP, no Bom Retiro, em São Paulo (SP).

“A gente repudia qualquer forma de violência contra qualquer pessoa, estamos aqui falando especificamente dos jornalistas, mas repudiamos qualquer tipo de violência seja por parte da Polícia seja por parte de manifestantes”, declarou Helena.

Pedro responderá, em liberdade, às acusações de formação de quadrilha, dano ao patrimônio público e incêndio criminoso. Um vídeo que foi amplamente divulgado nas redes sociais flagra o momento em que Pedro é agredido e preso. De acordo com Helena Singer, nem sequer pode ser mostrado como prova a seu favor. “A versão dele não foi ouvida, nem pode fazer o exame de corpo delito, que foi realizado três dias depois, quando o jornalista foi solto”, lamentou.

Medo

Integrante da organização Repórteres Sem Fronteira, Luiz Gustavo Pacete, lembrou a fragilidade que se encontram esses profissionais depois das violências sofridas. “Há desdobramentos que precisam ser considerados sobre as vidas desses repórteres que foram agredidos e presos. Eles têm uma relação com esses policiais em seu cotidiano, durante a cobertura jornalística. Mas, a poeira não pode baixar, não pode ser visto de forma pontual e é por isso que estamos nos articulando”, disse Luiz Gustavo. “Estamos em um contexto de 2012 para cá de violência física, de jornalistas mortos e outros tantos processados juridicamente, com o objetivo de coação”, exclamou.

O representante da organização internacional de repórteres, disse que após conversa com algumas desses profissionais, vítimas de agressões, constatou que “o trabalho deles está totalmente afetado, como o fotógrafo que está limitado, que pode até deixar de exercer a profissão”.

Para João Brant, do Intervozes, é importante salientar o medo que esses trabalhadores estão vivendo, juntamente com suas famílias. “Estão com medo e com razão. Por isso a dificuldade de darmos encaminhamento dessas denúncias para que elas de fato sejam apuradas. Então não pode depender apenas desse jornalista”, comentou.

Para as organizações presentes mais importante neste momento é marcar politicamente a posição da categoria, expressão nessa nota pública (abaixo reproduzida), que ainda pode ter novas adesões.

Nota pública

As organizações de jornalistas e de defesa de direitos humanos abaixo assinadas, preocupadas com a garantia da liberdade de imprensa e da liberdade de manifestação e expressão, vêm a público manifestar:

O repúdio às graves violações a direitos de liberdade de imprensa e de manifestação e expressão em virtude da violência policial ocorrida nos recentes protestos pela redução da tarifa de transporte, que só em São Paulo resultou em mais de vinte jornalistas feridos e dois jornalistas presos. Entendemos que a violência se deveu não apenas a abusos individuais, mas foi incentivada por declarações de autoridades públicas e inclusive de editoriais de opinião dos próprios órgãos da imprensa em defesa da forte repressão à manifestação;

A preocupação com aumento dos casos de ameaças a jornalistas por parte de integrantes da Polícia Militar, agravada pelo medo que impede os profissionais em dar encaminhamento às denúncias;

O repúdio a todas as tentativas de dificultar e impedir o trabalho de cobertura jornalística dos eventos, inclusive aquelas promovidas pelos próprios manifestantes.

Nesse sentido, reivindicamos as seguintes ações:

Identificação e responsabilização dos responsáveis por todas as agressões ocorridas nas recentes manifestações;
Garantia da liberdade de manifestação, com revisão das doutrinas, manuais e procedimentos para uso de armas menos letais;
Criação de Grupo de Trabalho em âmbito estadual em São Paulo para adoção de medidas específicas de proteção à liberdade de imprensa, com sugestão de participação da Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, Sindicato dos Jornalistas e organizações da sociedade civil;

As organizações também consideram fundamental o acompanhamento do Grupo de Trabalho sobre proteção a jornalistas da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e a denúncia dos casosàs relatorias de liberdade de expressão da OEA e da ONU.

Salientamos, por fim, que a violência contra jornalistas e comunicadores atenta não apenas contra os profissionais e veículos envolvidos, mas contra o direito de toda a sociedade a ser informada, configurando-se, na prática, como uma forma de censura.

São Paulo, 20 de junho de 2013

Assinam (até as 11h30 desta quinta-feira, 20):

Aprendiz
Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE)
Artigo 19
Carta Maior
Catarina Cristo de Oliveira Barros Amaral
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Conectas Direitos Humanos
Daniel Cassol
Denise O Freire
Departamento de Jornalismo da PUC-SP
Eduardo Nunomura
Fausto Salvadori Filho
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Instituto Palavra Aberta
Instituto Vladimir Herzog
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
José Arbex Júnior
Juliana Moreira
Kathia Natalie Gomes
Knight Center para o Jornalismo nas Américas
Laurindo Leal Filho
Leonardo Sakamoto
Luiz Carlos Azenha
Luciana Burlamaqui
Natasha de Freitas Moreira
Nelson Lin
Oboré
Repórteres Sem Fronteiras
Repórter Brasil
Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo
UNIC-Centro de Informações da ONU
UNIRR – União e Inclusão em Redes e Rádio
Zora Mídia

Deborah Moreira
Da redação do Vermelho