Alexandre Padilha: "Não se faz saúde sem médico"
"Não se faz saúde sem médico". Com essa frase, Alexandre Padilha, ministro da Saúde, aponta um dos principais desafios de sua pasta e do país. O Ministério analisa propostas para importar médicos estrangeiros para compor os quadros em hospitais públicos, iniciativa que tem gerado polêmica. "Chegou a hora de o Brasil planejar o número de médicos que quer ter", afirma Padilha ao Valor Econômico.
Publicado 24/06/2013 10:18
O déficit de médicos no país — 1,9 profissional por mil habitantes, enquanto na Argentina, por exemplo, são três por mil pessoas; e na Espanha, quatro — soma-se a outros importantes desafios do setor, como dar qualidade ao Sistema Único de Saúde (SUS), reduzindo o tempo de espera para atendimento, e explorar ao máximo as parcerias público-privadas.
"Não basta avaliar a saúde no Brasil por seus indicadores [o país é referência no tratamento da aids, em imunização, bate recordes em transplantes, por exemplo]. Temos que aperfeiçoar a humanização do atendimento", diz Padilha. Integrantes do Ministério e do governo, além de empresários e especialistas, vão debater assuntos ligados à saúde pública brasileira hoje no seminário "Saúde: desafios de hoje e amanhã", promovido pelo Valor com apoio da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
O Ministério da Saúde, que completa 60 anos em julho, também vai aproveitar o evento para anunciar hoje dois novos medicamentos contra hepatite C — Telaprevir e Boceprevir —disponíveis em 110 hospitais de referência em todo o país. O tratamento deve beneficiar 5,5 mil pacientes, evitando que entrem na fila do transplante. Essa ação pode gerar economia de R$ 378 milhões com transplantes de fígado no SUS. Outro importante medicamento que começa ser distribuído pelo sistema é o Fator VIII Recombinante, para o tratamento da hemofilia. O remédio é resultado de parceria para transferência de tecnologia entre a Hemobras e a multinacional Baxter. "Apenas três empresas no mundo produzem esse medicamento", diz Padilha.
Na semana passada, o Ministério anunciou novos acordos de transferência de tecnologia. O país conta com 90 Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) que envolvem a transferência de tecnologia para a produção, no Brasil, de 77 medicamentos.
"O SUS tem suas vitórias, mas há limites", diz Antonio Britto, presidente-executivo da Interfarma. Para ele, é preciso discutir a atual capacidade de universalizar o acesso à população. "Tivemos uma redução extraordinária da mortalidade infantil, o sucesso do programa de vacinação, mas temos de ficar atentos aos índices de insatisfação da população em relação à dificuldade de acesso".
Atualmente, 25% da população brasileira (cerca de 50 milhões de pessoas) têm seguro privado. "Mas esses 25% consomem 55% do total gasto com saúde. Os outros 75% [cerca de 150 milhões de pessoas], que dependem exclusivamente do SUS, consomem os 45% restantes", diz Britto. Os gastos do país com saúde, acrescenta Britto, ficam em 8,8% do PIB – a média mundial é de 9,4%. "Não é verdade que se gasta pouco com saúde no Brasil, mas precisa ser melhor avaliado."
Outro ponto que precisa ser planejado é o envelhecimento da população nos próximos anos. "Como esse modelo se sustenta no futuro? ", questiona o executivo. "Tem que se analisar questões econômicas. O governo tem se apoiado nas PDPs, mas o país importa 88% dos princípios ativos dos remédios que produz."
O país tem como base parte dos modelos de saúde implantados nos EUA e na Europa. "Na Europa, onde o Estado se coloca como provedor de saúde, o modelo é motivo de orgulho do continente, mas a crise financeira pode comprometer esse sistema", pondera Britto. Nos EUA, o governo fez suas apostas baseada na oferta privada de serviços, o que traz injustiças para uma parte considerável da população, que fica marginalizada.
Para Judith Salerno, diretora-executiva do Instituto de Medicina dos Estados Unidos, o desafio fundamental para o sistema de saúde americano é que, ao contrário de outros países desenvolvidos, os EUA não prestam cuidados de saúde universal. "Hoje, mais de 46 milhões de americanos não têm seguro de saúde". As reformas instituídas, em 2010, com a promulgação da "Affordable Care Act" (ACA, lei conhecida como Obamacare) vai estender a cobertura a essa parcela da população a partir de outubro de 2014, por meio do programa público Medicaid e a criação de mercados de seguros de saúde, conhecidos como intercâmbios, onde os americanos podem comprar seguro de saúde privado.
A diferença fundamental entre os sistemas de saúde brasileiro e dos EUA é que o Brasil oferece cuidados de saúde universal e gratuito como um direito dos cidadãos. "Os EUA ainda não está lá. No entanto, com maior acesso vem maiores desafios ao Brasil, país grande e diversificado geograficamente. Atendimento de qualidade terá de guiar os dois países no futuro", diz Judith.
Fonte: Valor Econômico