Embaixador do Brasil na Palestina avalia ambiente político

O embaixador do Brasil na Palestina, Paulo Roberto Castilhos França, responde às questões feitas por Paulo Castelo Branco, colunista do portal Brasília em Dia, e atenta à ideia de que não existem “novas soluções” para o conflito. “É preciso criar um ambiente político favorável para que as partes entrem em acordo”, afirma, com relação à retomada do processo de paz, proposta pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry.

Embaixador Paulo Roberto França - Brasília em Dia

O Brasil reconheceu oficialmente o Estado da Palestina em 2010, mas mantém um escritório de representação diplomática em Ramallah (sede administrativa da Autoridade Palestina, na Cisjordânia) desde 2006, quando o embaixador Arnaldo Carrilho (recentemente falecido) inaugurou o posto.

Neste sentido, o ativismo do Brasil também contribuiu para o envolvimento de outros países, sobretudo na América Latina, para o reconhecimento da Palestina, principalmente na Assembleia Geral da ONU, em novembro de 2012, quando 134 membros das Nações Unidas deram o voto favorável ao novo status de Estado observador não-membro à Palestina.


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Leia a seguir a entrevista concedida pelo embaixador França ao portal Brasília em Dia, pouco antes da viagem do secretário norte-americano John Kerry, no passado final de semana:

Quando o senhor chegou a Ramallah, como avaliou as relações entre o Brasil e a Palestina?

Assumi a chefia do Escritório de Representação do Brasil junto ao Estado da Palestina em novembro passado. Posso afirmar que o relacionamento entre o Brasil e a Palestina é bastante fluido e pautado pela cordialidade e pelo respeito mútuo. Em dezembro de 2010, o Brasil deu importante passo para fortalecer as relações ao reconhecer a Palestina como um Estado, no território determinado pelas fronteiras de 1967 (anteriores à Guerra dos Seis Dias) e com Jerusalém Oriental como sua capital. A iniciativa foi posteriormente seguida por quase todos os países da América do Sul.

Quais são os interesses que norteiam a atuação do Brasil na Palestina?

Atualmente o Brasil está envolvido em diversos projetos de cooperação e de assistência humanitária na Palestina, em áreas como educação, saúde, agricultura, esportes e infraestrutura. A atuação brasileira nesses setores tem rendido ao País excelente repercussão junto ao governo e à população locais.

Além disso, há oportunidades para o desenvolvimento de relações econômicas entre as partes, sobretudo quando o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a Palestina entrar em vigor. Mas nosso interesse em trabalhar com os palestinos não se limita apenas ao plano bilateral. O conflito entre a Palestina e Israel continua a ser uma das mais importantes questões na política internacional e o Brasil tem interesse em acompanhar de perto esse tema e, dentro de suas possibilidades, contribuir para que uma solução seja alcançada.

Com relação ao conflito entre Israel e Palestina, de que maneira o senhor acredita que o Brasil pode contribuir?

Acreditamos que as bases para uma solução do conflito já estão dadas nas resoluções das Nações Unidas sobre a questão e nos numerosos acordos assinados e processos negociadores entabulados ao longo dos últimos anos entre as partes. Não existe solução nova. O papel da comunidade internacional, dentro deste contexto, é criar o ambiente político favorável para que as partes possam chegar a um acordo. A contribuição brasileira seria nesse sentido. O Brasil tem atualmente um ótimo nível de diálogo tanto com a Palestina quanto com Israel. No plano multilateral, temos sempre procurado contribuir, de maneira construtiva, para uma abordagem equilibrada do conflito.

Tem havido muita especulação sobre um possível novo processo de paz lançado pelo governo norte-americano. O secretário de estado John Kerry já visitou a região quatro vezes desde que assumiu o posto e planeja uma nova visita em breve. O que podemos esperar dessa movimentação?

É evidente entre os palestinos o sentimento de frustração diante da paralisia do processo de paz nos últimos anos. Para muitos, a solução de dois Estados está cada vez mais distante. Por esses motivos, seria extremamente importante se a recente movimentação diplomática dos EUA de fato se transformasse em passos positivos e concretos para o encaminhamento do conflito. Apesar disso, não podemos ver os EUA como único país apto a ajudar no processo de paz. É imprescindível que o Conselho de Segurança retome sua função central nas negociações. Defendemos também que novos atores sejam convidados a contribuir para o processo, como ocorreu na conferência de Annapolis, em 2007.

Recentemente foi noticiada a confirmação e, logo em seguida, o adiamento de uma missão técnica da Unesco na cidade de Jerusalém. Que comentários o senhor tem a respeito desse tema?

A missão técnica da Unesco para examinar o estado de conservação da “Cidade Velha de Jerusalém e seus muros” foi aprovada, por consenso, pelo Comitê do Patrimônio Mundial, durante sessão realizada em Brasília em agosto de 2010. Após exaustivas negociações no âmbito da UNESCO, foi acordado o envio dessa missão técnica, cujo objetivo seria averiguar a situação do patrimônio cultural da Cidade Velha. A missão deveria ter iniciado seus trabalhos no último dia 19 de maio.

É preciso lembrar que a Cidade Velha, localizada na Jerusalém Oriental, contém importantes sítios sagrados para cristãos, muçulmanos e judeus. No entanto, o governo israelense decidiu cancelar a missão. Do ponto de vista do patrimônio cultural, esta decisão posterga ações importantes que têm de ser tomadas para a preservação de sítios históricos de grande significado para uma parcela considerável da população mundial. Há negociações em curso e esperamos que elas possam conduzir à realização dessa missão.