Valdemar Menezes: Xeque-mate

 A presidente Dilma Rousseff desarmou o esquema desestabilizador montado contra seu governo ao colocar a reforma política na ordem do dia e defender que o povo opine diretamente sobre como deve ser essa reforma. Os que não cansavam de repetir hipocritamente "como é bonitinho o povo na rua” – imaginando conseguir manipulá-lo – levaram um susto quando a presidente disse que era preciso ouvir esse mesmo povo, através de consulta direta, para que opine sobre a reforma política.

Por Valdemar Menezes*

A partir desse anúncio, foi um deus-nos-acuda nos segmentos que sempre emparedaram as reformas sociais e políticas no País. Dilma passou a ser chamada de "chavista” e "totalitária”, pois, para os donos do Brasil esse negócio de o povo intervir diretamente no processo decisório é um escândalo.

Com esse simples gesto, a presidente desmascarou, perante a opinião pública, quem de fato está ao lado dos anseios populares e quem utiliza a palavra "povo” apenas como retórica vazia.

A palavra mágica para dar uma sacudidela no Congresso Nacional foi "Constituinte Exclusiva”. Funcionou como uma esporada na ilharga de um cavalo modorrento. Bastou mencioná-la para que todos saíssem em disparada para impedir qualquer mudança efetiva nas regras atuais, beneficiadoras do status quo. Foram mobilizados todos os meios para lançar no ar o espantalho do "totalitarismo”.

Claro que a presidente tinha noção de que se seguisse a via da Constituinte Exclusiva o processo seria moroso e polêmico. O que ela queria mesmo era dar mecanismos de decisão ao povo. Se tivesse falado apenas em plebiscito, não teria saído do lugar – pois para justificar objeções à participação do povo há doutrinas de toda ordem. Curvou-se, então, ao argumento da morosidade, mas conseguiu garantir, no final, o que queria: que o povo fosse ouvido. Pois, intervir nas decisões políticas é a cobrança principal da rua – o resto é decorrência dela.

"Prato feito”

Sem prever as declarações do próprio presidente do STF, Joaquim Barbosa – a favor da "inclusão do povo na definição da reforma” – e de seu colega Celso de Mello ("o povo tem o direito de exercer diretamente o poder nas hipóteses previstas em nossa lei fundamental”), a oposição conservadora reagiu como se esperava: condenou o plebiscito.

Ao fazê-lo deixou cair a máscara. Quem não se lembra do refrão "o brasileiro não sabe votar”? Os liberais sempre preferiram entregar ao povo o "prato feito”. Daí, a proposta do referendo. Não acreditam que o "peão” (povo) tenha capacidade de escolher o próprio cardápio. Como se sabe, no plebiscito o cidadão é ouvido antes de se aprovar uma proposta.

Já no referendo, apresentam-lhe a proposta montada e votada previamente pelos próprios políticos. Só depois o povo vai dizer se a aceita ou a rejeita, em bloco. É o "prato feito”. Acontece que o povo agora quer escolher, um a um, cada ingrediente a ser colocado no prato. Um duro choque para os políticos. O povo quer plebiscito, não referendo.

Desidratação

O único receio dos setores populares é que os segmentos conservadores da base governista e os que participam no próprio governo desidratem o plebiscito proposto por Dilma, deixando de apresentar ao eleitor o conjunto dos ingredientes necessários à confecção do prato (isto é, à reforma política). O direito de participar nas decisões políticas e administrativas é um deles.

E aí entra o recall (direito de o eleitor cassar o representante). Aliás, esse instrumento foi sugerido por Joaquim Barbosa e apoiado por Celso de Mello. Muito bom seria retirar a exclusividade do Congresso Nacional para convocar plebiscitos e referendos. O cidadão mesmo quer ter o direito de propor plebiscitos e vetar leis que considere lesiva aos interesses da coletividade.

De fato

A democracia participativa, mesmo que ainda não formalizada, já está em pleno funcionamento no País, na prática. Será difícil ignorá-la daqui para frente, depois que o povo sentiu seu gosto. Este entendeu que só se mobilizando as coisas caminham neste País. Esta é a lição aprendida agora.

Os políticos conservadores vão tentar travar essa conquista. Ledo engano. Como diz Roberto Carlos, "daqui pra frente tudo será diferente”. Seria mais sábio regulamentar a democracia participativa do que fazê-la funcionar apenas pela pressão das ruas. Só não enxerga essa mensagem, quem realmente não quer ver.

Longe de estar ausente dos acontecimentos, o ex-presidente Lula concitou os movimentos sociais, as centrais sindicais e as entidades estudantis a participar das manifestações para bloquear as manipulações da direita e evitar que o governo seja imobilizado pelos segmentos conservadores (que estão não só na oposição, mas também na própria base aliada e, inclusive, dentro do governo).

Quanto mais o povo está nas ruas, mais Dilma se vê um pouco mais livre dos laços imobilizadores dos aliados fisiológicos. Basta ver o quanto o Congresso trabalhou nos últimos dias. O governo vive chantageado pela coalizão feita com as forças conservadoras. Se não faz alianças, não tem maioria mínima para funcionar. Se faz aliança, fica sob constante ameaça de rebelião dos que impõem a satisfação dos próprios interesses para continuarem apoiando. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Só com o povo pressionando, através da democracia participativa, Dilma poderá se livrar desse tipo de chantagem.

*É jornalista