Integração regional é fortalecida pela cooperação soberana

Na sessão vespertina da Conferência Nacional “2003-2013: Uma Nova Política Externa”, nesta terça-feira (16), a Professora Maria Regina Soares, da UERJ, o assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidenta da República, Marco Aurélio Garcia, e o secretário executivo do Foro de São Paulo, Valter Pomar, abordaram os desafios da política externa brasileira na integração regional e a política social para a cooperação e o desenvolvimento.

De São Bernardo, Moara Crivelente para o Vermelho

conferência política externa

Para a professora Maria Regina, uma das principais inovações do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi justamente a política latino-americana, mais focada na integração e no desenvolvimento em cooperação, mas não em detrimento da realização do comércio. “90% da exportação brasileira de manufaturados é para países do Mercosul”, exemplifica.

“A dimensão política faz a diferença”, afirma a professora, ressaltando quatro aspectos fundamentais de inovação na política regional.

O primeiro: a concepção, já que o Mercosul foi resinificado pelo Governo Lula, tendo começado como um projeto dos anos 1980, "para aumentar poder de barganha da região, mas transformado em prol da hegemonia latino-americana, num regionalismo aberto, mudando o sentido da integração e do Mercosul, para o sentido político e social".

O segundo: o reconhecimento das assimetrias estruturais, um dado básico sobre o peso do Brasil em relação aos demais. “O país sempre demandou tratamento especializado e diferenciado nos foros norte-sul, mas nunca reconheceu o mesmo no sul-sul”; entretanto, o Fundo para a Convergência Estrutural e o Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem) é um exemplo estrutural.

O terceiro: a vinculação entre a prosperidade do Brasil e a da região. “Essa interdependência não é só uma questão para nos livrarmos das externalidades; não podemos crescer se nossos vizinhos não crescem junto”, diz.

E o quarto: a construção de um poder regional, de capacidades para criar um polo de poder regional, num contexto em transformação, cujas dimensões da ordem ainda não são muito claras. Neste sentido, as discussões sobre o conceito de “poder regional” e da própria “região” são ainda mantidas no âmbito acadêmico.

“Nos anos 2000, quando se proliferam governos de esquerda, ainda havia a expectativa de que os EUA fossem os guardiões da região; a concepção sobre a integração soberana da região não é consensual na sociedade brasileira, mesmo entre o empresariado”, ressalta a professora.

Sobre a postura a ser adotada pelo Brasil, a decisão de o país “usar ou não o seu poder é política, e não material. A postura depende da sociedade civil brasileira, que definirá qual é o projeto de região que o seu candidato representa.” O conjunto de atores envolvidos na formulação de políticas é enorme, diz a professora, e a política externa é uma política pública, que precisa de legitimidade, reciprocidade entre governo, Estado, política e sociedade civil.

Nacionalismo progressista

Marco Aurélio Garcia ressalta que a política externa tem muito a ver com a política interna, “e isso nos remete um pouco a questões preliminares”, como um caráter consensual da política externa. “Diz-se que o que antes era consensual passou a dividir o Brasil, o que é uma mentira, ela sempre dividiu o país”, afirma.

“Não precisamos só festejar a continuidade, dizendo que é uma política de Estado e não de governo, como se o Estado pairasse sobre os governos, como se não houvesse algo chamado soberania popular”, diz o assessor. “Por isso, é normal que governos sucessivos estabeleçam novas propostas e valores, o único critério que precisa ser seguido é o de que a forma dessas mudanças seja a da vontade popular, por meio de eleições”.

A opção sul-americana no Brasil sempre esteve confrontada por desafios enormes, lembra. “Para levar adiante o processo de integração, já tínhamos algumas realidades, por exemplo, a existência do Mercosul. Depois, a deriva neoliberal, centralizada na ideia de livre-comércio, e mesmo assim o Mercosul avançou, mas ficou visível que ele não poderia progredir assim”, explica.

Mais recentemente, ficou clara a necessidade de ampliá-lo. Todos os países da América do Sul são pelo menos associados ao bloco, atualmente. Além disso, também ficou patente a necessidade de estabelecer outros critérios para aprofundar a integração regional, o que ficou estabelecido na União de Nações Sul-americanas (Unasul), cujos elementos constitutivos faziam uma reflexão dos potenciais de integração e o lugar que a América do Sul queria ocupar no mundo, diz Garcia.

Para isso, os potenciais regionais favorecem a integração, como os recursos energéticos, a atividade agrícola cada vez mais produtiva, os recursos minerais, as grandes reservas de água, entre outros elementos, além das transformações em termos de políticas sociais e econômicas na região, com um movimento muito grande de saída de homens e mulheres da situação de exclusão social para a de trabalhadores consumidores, ressalta.

Sobre outras pretensões para a região, Garcia diz que “A Aliança para o Pacífico não deve tirar o nosso sono, devemos manter uma relação fluida com ela como com os outros blocos”, afirmando que o PIB dos seus membros é muito inferior ao do Mercosul, que ela não é integrada por economias comparáveis em dinamismo, e as reduções tarifárias que prevê já existiam.

“Ainda, a integração deles enfrenta resistências internas importantes, o que será verificado nas eleições do Chile neste ano, e o mais importante será questionado, sem o qual ela é quase inviável: a Parceria Trans-Pacífica”, explica.

“Os objetivos já alcançados na integração regional ocorreram por causa de uma conjunção importante de governos progressistas, e os que não eram progressistas acabaram aderindo”, disse Garcia, concluindo ainda que será necessário saber combinar uma firmeza de princípios muito grande, para que não haja deriva, com uma flexibilidade na sua implementação.

Foro de São Paulo

Valter Pomar, secretário executivo do Foro de São Paulo, explicou a conformação do grupo e os seus objetivos: “estava em curso as ofensivas do neoliberalismo (com o ex-presidente Fernando Collor no governo brasileiro), predominando não só na nossa região mas em várias no mundo, uma crise do socialismo e da esquerda e o predomínio unilateral e imperial dos EUA no pós-Guerra Fria”.

“Hoje, o neoliberalismo está em crise e desmobilizado, o socialismo saiu da UTI, a esquerda volta a ocupar espaço político no mundo e há um questionamento mundial contra o imperialismo estadunidense, ainda que o país continue sendo potência, relativamente em declínio”, pondera.

No contexto regional, partidos de esquerdas, populares e democráticos ou governam ou participam do governo em mais de 10 países da região, e onde não formam parte do governo, são em geral a segunda força política do país, diz Pomar.

O fracasso das políticas neoliberais e os acertos das oposições ao neoliberalismo formam a base da integração regional como construída hoje, “e o principal acerto foi a articulação adequada da luta de ideias, a luta social, a luta politica eleitoral e a ação dos governos”, afirma.

Pomar diz que o Foro de São Paulo enxerga o tema da integração, que não é novo, como um que ganha importância e urgência engrandecidas na situação atual, com ideias de deslocamento geopolítico no mundo, fortalecimento do polo Ásia (China), processo de declínio dos EUA, “que interessa principalmente porque eles estão fazendo tudo o que podem para reverter esse declínio, e um dos principais mecanismos de que dispõem para isso é a brutal força militar que acumularam”; e a crise, que é estrutural, global, de impacto diferente entre as regiões, setores econômicos e sociais, “e tudo isso gera uma instabilidade muito forte que produz, como uma das suas tendências, a formação de blocos regionais como um instrumento de autodefesa”.

Esse quadro acentua o conflito de duas visões de integração na região, diz Pomar, “a subordinada e a autônoma”. O Foro defende esta, “primeiro por razões defensivas contra as ondas de choque internacional de crise, e também porque ela reduz a ingerência externa, o que é fundamental para a nossa soberania”.

“Mas também defendemos a autonomia porque essa integração é essencial para que aproveitemos esse imenso potencial político, cultural, natural, energético em benefício da população”. Entretanto, a integração é um processo longo e estruturante, “do ponto de vista político (sua efetividade se baseará na criação de uma soberania popular regional, com mecanismos democráticos), econômico (a integração precisa criar uma infraestrutura produtiva regional e articulada), e a mais importante, de longo prazo: natureza cultural, com a criação de uma visão de mundo de massa, latino-americana e caribenha”, ressalta.

“E também defendemos uma integração que supere as assimetrias”, diz Pomar, mas “o Foro tem uma enorme expectativa para o Brasil, principalmente para o reconhecimento do papel positivo que o país tem cumprido nesse processo de integração, e queremos um papel ainda mais forte”, com mais empenho e ainda mais voltado para a América Latina.