Sem categoria

Ângela Almeida: O PCdoB e a luta pelo direito à cidade

As manifestações que ocorreram em junho, com grande intensidade e com uma enorme participação popular, deixaram todos perplexos: de onde vieram e por que vieram se os grandes problemas que sempre atormentaram os brasileiros (desemprego, inflação, violência urbana e no campo) estão com soluções bem encaminhadas e reina a estabilidade política?
Por Ângela Almeida*

Como diz Marilena Chauí, “as perguntas são justas, mas a perplexidade, não”. Basta que voltemos nosso olhar para o verdadeiro insuportável da urbanidade brasileira atual. Apesar dos grandes avanços dos últimos dez anos, as condições de vida de milhões de brasileiros continuam difíceis nas cidades, incluindo aí os milhões que viveram recentemente uma ascensão econômica e social. A democratização do acesso à educação não foi acompanhada em todo o país por uma melhoria equivalente da qualidade. Nos serviços de saúde, áreas de excelência convivem com setores extremamente deficientes. E a urbanização acelerada do país, que conta aproximadamente com 200 milhões de habitantes, colocou em evidência a situação precária do transporte, onde os trabalhadores perdem horas de sua jornada para saírem de suas casas.

A referência a esses três temas, evocados nos cartazes dos manifestantes, é pertinente. Ela diz respeito a problemas que fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiros. E um dos aspectos positivos dessas manifestações foi justamente demonstrar que aquilo que defendemos no programa do PCdoB, em relação à reforma urbana, que inclui a mobilidade, estopim das manifestações, é uma demanda do povo. Esse problema nos diz respeito hoje, de forma grave, figurado, por exemplo, em um movimento que, a princípio, pedia menos R$ 0,20 na tarifa do transporte urbano.

No fundo, o que se deseja é reivindicar o direito à cidade, que, como explica David Harvey, “não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente”. Quando olhamos para a história, constatamos que as cidades foram regidas pelo capital, mais do que pelas pessoas.

A cidade foi estruturada de modo a facilitar a articulação entre os sistemas de produção, consumo e circulação, permitindo a maior fluidez do capital. Nesse sentido, a cidade tornou-se palco dos meios de produção, dos serviços, das informações, das mercadorias e da força de trabalho. O espaço urbano, nessa lógica, é entendido como capital fixo, visto que é planejado para permitir o processo de produção. Essa é a cidade do capital, ou seja, a cidade que produz e se organiza de acordo com a lógica das relações econômicas capitalistas.

Mas como fica o cidadão nesse espaço? A cidade do capital deveria ser também a cidade do cidadão, que tem direito à habitação, à saúde, ao transporte, à educação, ao trabalho, à cultura, enfim, a todos os serviços de consumo coletivo, que possam lhe garantir uma vida digna. Henry Lefebvre reforça a importância do direito à cidade quando o coloca como uma exigência, como um “direito à vida urbana, transformada, renovada”.

Na cidade capitalista, o direito à cidade é objeto de luta e reivindicações, pois não é exercido plenamente. A cidade reproduz um espaço urbano repleto de desigualdades e injustiças sociais, no qual o acesso aos bens de consumo é diferenciado de acordo com a classe social a que pertence cada cidadão. Nesse sentido, a afirmação de Iná Costa de que “o crime de lesa humanidade do capitalismo não é ter criado uma sociedade materialista em que se desejam bens de consumo, mas tê-la organizado de modo a impedir que a maioria tenha acesso aos bens que produz”.

Parece-nos claro, portanto, que o direito à cidade deve ser o norte fundamental a ser construído nas manifestações. Como diz Alexandre Pilati, “não importa mais muito de onde elas partiram, ou que problemas apresentaram até aqui”. É tarefa dos comunistas e de todas as forças políticas e sociais avançadas aproveitarem o espaço de ressignificação da cidade provocado por elas. Embora haja interesses contraditórios em jogo e exista um grande perigo das manifestações serem apropriadas por forças conservadoras da sociedade brasileira, até aqui elas têm o grande mérito de colocar os donos da cidade frente a frente com aqueles que dela se apossaram e a tornaram um inferno de tráfego e frustrações.

Os protestos são sintomas do desejo do direito que os cidadãos têm de viverem a cidade e não serem consumidos por ela, enquanto grandes somas de dinheiro são acumuladas por aqueles que, por exemplo, mantém relações espúrias com o poder público em nome do capital. Esse é um direito mais que legítimo e é bom que ele possa se tornar efetivo.

*Ângela Almeida é Militante do PCdoB, RS, Caxias do Sul.

Bibliografia:

CHAUÍ, Marilena. As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo. Disponível no sítio: < http://www.cafecomsociologia.com/2013/07/as-manifestacoes-de-junho-de-2013-na.html>. Acesso em jul. 2013.
COSTA, Iná Camargo. Por uma crítica dialética. In: COSTA, Iná Camargo. Nem uma lágrima – teatro épico em perspectiva dialética. São Paulo: Expressão Popular/Nankin Editorial, 2012.
HARVEY, David. Alternativas ao neoliberalismo e o direito à cidade. Disponível no sítio: < http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/327/513>. Acesso em jul. 2013.
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991.
PILATI, Alexandre. A hora do direito à cidade. Disponível em: < http://www.revistaprincipios.com.br/principios/digital/encarte125/>. Acesso em ago. 2013.