Disputa territorial entre Reino Unido e Espanha levanta tensões

O Governo britânico ameaçou, nesta segunda-feira (12), desencadear ações legais “sem precedentes” contra a Espanha, por causa dos controles “desproporcionados e politicamente motivados” impostos na fronteira de Gibraltar. O aviso chegou depois de Madri ter admitido levar às Nações Unidas as suas reivindicações de soberania sobre a pequena (mas estratégica) península.

Gibraltar - Reuters

Uma troca de palavras que, apesar de não incorrer no risco de degenerar em confronto, é demasiado azeda para dois países que são membros da União Europeia.

Com a tensão ao rubro, partiram nesta segunda dois navios da frota britânica, que vai participar em exercícios militares no Mediterrâneo e Golfo Pérsico. Um deles aportará no Sul da Espanha e outro fará escala em Gibraltar.

Londres garantiu tratar-se de uma movimentação de rotina e Madri não atribuiu também qualquer significado político à passagem dos navios, mas, como lembrava a Reuters, a manobra não deixa de evocar velhas rivalidades entre os dois antigos impérios marítimos.

Quem manda no “Rochedo” (como é conhecida a península no extremo Sul da Europa, reconhecível pelo seu promontório de calcário) é uma questão com séculos. Mas o enésimo conflito entre Espanha, que reclama como seu o território, e o Reino Unido, que detém a soberania sobre a península desde 1713, começou em agosto passado, quando rebocadores lançaram blocos de cimento ao mar, em uma zona reivindicada pelas autoridades de Gibraltar, mas que fica a apenas 60 metros do porto andaluz de La Línea de la Concepción.

O governo local anunciou que vai construir ali um “recife artificial”, destinado a servir de refúgio a espécies ameaçadas, mas Madri alega que o único propósito da barreira é impedir a passagem dos barcos de pesca espanhóis e, com isso, reforçar as reivindicações de Gibraltar sobre aquela faixa de mar.

Sem nunca usar a palavra retaliação, reforçou os controles na fronteira, provocando filas imensas de carros e intermináveis horas de espera para quem quer entrar ou sair da península. Anunciou ainda a intenção de aplicar uma taxa de 50 euros aos veículos que atravessem a fronteira.

“O primeiro-ministro está decepcionado com o fato de Espanha não ter acabado com os controles adicionais”, disse nesta segunda o porta-voz do premiê britânico David Cameron, acrescentando que, face ao “incumprimento” do que teria sido prometido pelo chefe de Governo espanhol, Mariano Rajoy, Londres “está agora ponderando que ações legais tem ao seu dispor”.

Não poupando nas palavras, o porta-voz disse que as inspeções reforçadas a que estão a ser sujeitos residentes e turistas “são ilegais ao abrigo das leis europeias”. Ainda assim, recusou adiantar a que fórum irá recorrer Londres: “Este será um passo sem precedentes, pelo que queremos estudá-lo com cuidado antes de tomarmos uma decisão”.

Pouco depois, o Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol assegurava que não iria recuar, dizendo que os controles são não só “uma obrigação” (enquanto território britânico, Gibraltar não integra o espaço Schengen), como são “proporcionais” face ao objetivo de combater o contrabando, razão que invocou para justificar o aperto da vigilância.

Retórica nacionalista

Recados pouco habituais entre dois países europeus (e, além do mais, dois governos conservadores) e que provam que, para já, nenhum deles está disposto a ceder num assunto em que, mais do que a razão, mandam velhos sentimentos nacionalistas.

Foi isso que transpareceu com a notícia, avançada no domingo pelo jornal El País, e confirmada pelo porta-voz da diplomacia espanhola, de que o Governo de Rajoy pondera uma ofensiva diplomática que poderia passar pela ONU (seja no Conselho de Segurança, seja na Assembleia Geral) para forçar o Reino Unido a negociar a soberania de Gibraltar.

Em cima da mesa estaria também a possibilidade de apresentar queixa junto do Tribunal Internacional de Justiça sobre a anexação, no início do século 20, do istmo que liga a península ao território espanhol, e onde Gibraltar construiu o seu aeroporto, ou das reivindicações espanholas sobre as águas que as autoridades do Rochedo reclamam como suas.

O jornal El País avançava ainda que Madri estudava também a possibilidade de se aliar à presidente Cristina Kirchner, da Argentina, unindo a sua causa pelas Malvinas (ilhas Falklands, para os britânicos) à reivindicação espanhola por Gibraltar.

Uma hipótese que o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Margallo, disse não descartar, mesmo que para isso seja obrigado a colocar em segundo plano a diferença com Buenos Aires por causa da nacionalização de uma petrolífera que era detida pela Repsol.

Sem pôr em causa as reivindicações espanholas sobre Gibraltar, a oposição alertou para os riscos de uma estratégia de confrontação. “É preciso ter cuidado com aventuras e falsas alianças”, avisou o Partido Socialista, que acusou ainda Rajoy de, ao transformar a disputa “numa questão de Estado”, querer, na verdade, “tapar outras questões”, como o escândalo dos pagamentos ilegais aos dirigentes do Partido Popular.

Mas em Londres há também quem não faça por acalmar a tensão. Num inflamado artigo no Daily Telegraph, Boris Johnson, prefeito de Londres e principal rival de Cameron no Partido Conservador, exigiu que Espanha tire “as mãos do pescoço” de Gibraltar, acusando Madri de “ressuscitar a perseguição da época” de Franco para desviar as atenções da crise econômica e do elevado desemprego no país.

Para a também britânica revista Economist, Madri está dando um tiro no pé, já que a medida, contra a população de Gibraltar, “adiará um acordo [sobre a questão de soberania] por mais uma geração”.

Já o Financial Times, apesar de reconhecer como inegociável o direito à autodeterminação da população da península (que, por duas vezes, disse em referendos de legitimidade questionável que quer continuar a ser britânica), escreve que o conflito ameaça deixar as relações bilaterais reféns da disputa territorial.

Ou, como explicou ao jornal um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros, “a grande preocupação é que Gibraltar se transforme nas próximas Falklands. Não em termos de poder dar origem a uma guerra, mas de chegar ao ponto de infectar todos os outros setores das relações bilaterais”.

Com o Público