Gibraltar: Troféu de guerra britânico que Espanha quer recuperar

Há 300 anos que Gibraltar, "o Rochedo", é um território espanhol em posse do Reino Unido, nos termos do Tratado de Utrecht, que pôs fim à Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), e que envolveu praticamente todas as potências europeias da época. Mas isso não quer dizer que Madri alguma vez tenha desistido de recuperar este território na entrada no Mediterrâneo Ocidental, cuja ocupação por Londres o general Francisco Franco considerava "um punhal cravado na espinha de Espanha".

Gibraltar - AFP

O lema de Gibraltar é "nenhum inimigo nos expulsará", e assim tem sido, desde que o almirante George Rooke capturou aquela praça em 1704, liderando uma força naval anglo-holandesa, em nome do arquiduque Carlos, um dos pretendentes ao trono espanhol.

Este não foi o vencedor da guerra sucessória, mas o artigo 10º do Tratado de Utrecht estabeleceu que a Espanha concedia ao Reino Unido "a plena e inteira propriedade da cidade e castelo de Gibraltar, juntamente com o seu porto, defesas e fortalezas."

A titularidade seria "para sempre, sem excepção nem impedimento algum", embora com algumas regras. Espanha tem o direito a recuperar a plena soberania se o Reino Unido quiser "dar, vender ou alienar de qualquer modo" a sua propriedade, o que tem sido usado por alguns para defender que, se Londres quiser conceder a independência, está alienando o território aos seus habitantes.

"Pode entender-se que a cessão de Espanha terminou e se recuperaram os direitos sobre o território cedido", escreveu em julho, no El País, Martín Ortega Carcelén, professor de Direito Internacional na Universidade Complutense de Madri.

Espanha tentou recuperar pela força o território várias vezes, ainda no século 18, enquanto o Rochedo se foi enchendo com uma população de origem variada, não necessariamente britânica: muitos genoveses, mas também gente de Malta, portugueses, judeus e de várias origens do Norte da África.

Em 1830, tornou-se oficialmente uma colónia britânica e, com a abertura do Canal do Suez, em 1869, que liga o Mediterrâneo ao mar Vermelho, permitindo a navegação entre a Europa e a Ásia através do Egito, a importância de Gibraltar ganha um novo fôlego.

É do fim do século 19 e do conturbado início do século 20 que data a ocupação (contestada por Espanha) do terreno onde Gibraltar construiu o aeroporto, cuja inclusão no espaço único europeu Madri ameaça agora vetar, dizendo que o Reino Unido não cumpriu o acordo de 2006 sobre a gestão conjunta do aeroporto.

Durante a Segunda Guerra, a população civil foi evacuada para Londres, Irlanda do Norte, Casablanca, Madeira e Jamaica, e Gibraltar tornou-se um ponto estratégico para os Aliados, cobiçado pelos alemães: Operação Félix era o nome de um plano alemão concebido em conjunto com Espanha, para ocupar Gibraltar, mas nunca chegou a ser executado, pois Franco recusou-se a entrar na guerra.

Na década de 1960, ainda durante a ditadura franquista, Espanha levou Gibraltar até ao Comitê de Descolonização das Nações Unidas. A Assembleia Geral da ONU aprovou várias resoluções apelando ao início de negociações entre Espanha e Reino Unido para pôr fim ao colonialismo em Gibraltar. Isto levou ao referendo de 1967, em que 99,64% dos "llanitos" (como em Espanha se designam os habitantes de Gibraltar) disseram querer continuar a ser britânicos.

Em 1969, passou a ser um território ultramarino britânico, com Constituição própria e um governo local com competências nos assuntos internos. Apenas a Defesa e os Negócios Estrangeiros ficavam a cargo do representante da Coroa britânica.

Espanha, no entanto, não desistiu das suas pretensões sobre o território. Em 1981, o rei Juan Carlos boicotou o casamento de Carlos e Diana porque o casal dos herdeiros à coroa britânica planejava iniciar a lua-de-mel em Gibraltar.

Em 2002, os habitantes de Gibraltar tiveram nova oportunidade de se pronunciar sobre o seu futuro, numa nova época de negociações entre Madri e Londres em que foram consideradas opções de partilha de soberania. A ideia foi rejeitada pela maioria dos habitantes (98,48%).

Os confrontos por causa da pesca (Gibraltar considera como suas uma extensão de águas territoriais que Espanha não reconhece) continuam a ser frequentes. O desenvolvimento de Gibraltar como centro financeiro off-shore, que é ao mesmo tempo território da União Europeia mas isento da cobrança de IVA e que fica à margem da união aduaneira, desperta as suspeitas de ser um paraíso fiscal.

As autoridades do território esforçam-se para desmontar essa imagem, mas Madri não desarma as suspeitas, e exige transparência fiscal. Mais de 6700 habitantes de Gibraltar têm domicílio fiscal no Rochedo e residência em Espanha, o que lhes permite ter os benefícios de ambos os países.

Fonte: Público