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Caio Botelho: Frente institucional, luta e disputa de ideias

Uma verdadeira epopéia da luta pela liberdade: é o que representa a heróica trajetória de mais de nove décadas do Partido Comunista do Brasil, que apenas sobreviveu à cruel perseguição da qual foi vítima porque soube extrair ensinamentos de seus erros e acertos e, principalmente, por guiar-se por uma teoria revolucionária: o socialismo científico.
Por Caio Botelho*

Em cada época, na medida em que tarefas eram superadas, novos desafios iam surgindo, tanto do ponto de vista da construção partidária quanto aquelas trazidas pelo contexto político em que o Brasil, o mundo e a luta pelo Socialismo iam encontrando pela frente. Não foram poucas as vezes em que vacilações e tentativas de liquidação do nosso “DNA” revolucionário tiveram que ser combatidas. Destaca-se, nesse sentido, a vitoriosa reorganização do Partido em 1962.

Também ocupa lugar de destaque nessa história o 8º Congresso, realizado no auge da crise do Socialismo e que acabou por reafirmá-lo, ainda que analisando criticamente os equívocos cometidos. Impossível não lembrar o papel do lendário dirigente João Amazonas que, com seus ensinamentos – que continuam atuais – deu uma significativa contribuição para manter em riste a bandeira comunista.

Pois a nossa geração não foge à regra e também possuem em suas mãos os desafios próprios da atualidade. Não somos um Partido pronto, mas em constante construção e, dessa forma, enfrentamos cotidianamente as possibilidades de desvios de direita e de esquerda, que surgem com mais rapidez e de forma mais ardilosa do que buracos em uma estrada escura e mal conservada.

Não deve ganhar terreno em nossas fileiras a ideia de que somos invencíveis: não existe vacina que imunize contra as degenerações de todos os tipos. Se mesmo a mais poderosa organização revolucionária do século 20 – o PC da URSS – sucumbiu diante de inimigos internos, não seremos nós que escaparemos desse destino se faltarmos com a vigilância necessária.


A responsabilidade histórica dessa geração de comunistas

O Partido Comunista do Brasil vive o momento mais rico de sua história: oxigena-se com a ampliação do número de membros em suas fileiras, amplia o respeito junto à sociedade e cumpre importante papel na ocupação de espaços relevantes na vida do país.

Aprimorou a sua formulação teórica na medida em que propôs, em seu Programa aprovado no último Congresso, um novo projeto nacional de desenvolvimento, cuja consecução representa uma fase preliminar de transição ao Socialismo e que permitirá o acúmulo de forças “via reformas estruturais e rupturas” revolucionárias, como diz o documento.

O novo momento histórico aberto com a vitória, há dez anos, de uma ampla coalizão progressista possibilitou que, em março de 2007, o Comitê Central publicasse a histórica resolução em defesa de uma “tática mais afirmativa e audaciosa”. A partir daí, nosso Partido começou a encarar com certa centralidade a questão da disputa eleitoral, estimulando o lançamento de candidaturas comunistas a cargos majoritários e a ampliação do nosso protagonismo nas disputas proporcionais. Naturalmente, isso acabou por elevar os esforços das direções e da militância em torno da disputa do voto.

Concordamos com essa orientação, mas sabemos também que ela nos traz novos desafios: como nos tornamos um Partido com forte atuação na frente institucional sem virarmos um Partido institucionalizado? Como ampliamos a nossa presença na máquina do governo sem nos tornarmos um Partido da máquina do governo? Essas são questões que, em nossa opinião, estão na ordem do dia e precisam ser respondidas por esta geração de comunistas.

Isso porque compreendemos que o necessário equilíbrio entre a frente institucional, a luta de massas e a disputa de idéias junto à sociedade – que, como aprendemos nos cursos iniciais do Partido, se entrelaçam – tem sido alterado nesses últimos anos em favor da primeira. Elevar o nosso patamar nas disputas eleitoras é de suma importância, mas não pode ocorrer à custa do rebaixamento do papel de nossa presença nas lutas do povo brasileiro e na defesa de uma consciência revolucionária.

O papel do PCdoB à frente de governos

Temos assistido, em cidades importantes onde o PCdoB passou a exercer funções de governo, um verdadeiro desmonte da vida militante e da estrutura partidária. Instâncias de direção deixam de se reunir e quando o fazem dedicam suas pautas exclusivamente à demandas governamentais. Também deixam de acompanhar as lutas da juventude, a nossa atuação entre a classe trabalhadora e em demais segmentos dos movimentos sociais. Obviamente, a existência de honrosas exceções deve ser devidamente registrada.

Mas então com qual finalidade o Partido Comunista anseia ocupar espaços de poder nos marcos da sociedade capitalista? Por que dirigir prefeituras, governos estaduais, secretarias e ministérios seria tão importante para nós? Certamente não é para fazer mais do mesmo.

Para tapar buracos, construir duas ou três praças, um ou outro posto de saúde e pôr em prática demandas rotineiras da administração pública já existem os outros partidos. Se fosse para cumprir apenas essas tarefas seria dispensável a presença dos comunistas nesse campo.

É por isso que precisamos fazer tudo isso e algo mais. Não interessa ao Partido Comunista ocupar espaços de poder se isso não refletir na elevação do nível de consciência do povo. E esse ensinamento não é uma novidade: em 1986, ao participar da posse de Luiz Caetano como prefeito da cidade de Camaçari (BA), primeira a ser governada pelo PCdoB após a ditadura militar, João Amazonas afirmou: “O nosso partido, que apoiou candidatos democráticos em todo o país, vê-se agora diante da questão de tomar parte na administração pública. Esperamos colaborar, desprendidamente, na administração municipal, no sentido de que realizamos as reivindicações do povo e de que os prefeitos realizem gestões democráticas e populares. (…) nosso objetivo é servir ao povo. É ajudá-lo a se organizar melhor, a elevar sua consciência política, a fim de obter novas conquistas”² [grifo nosso].

Como dito, continuam atualíssimos os pensamentos de Amazonas.

*Titulo original: Frente institucional, luta de massas e disputa de ideias: é necessário assegurar o equilíbrio.

* Caio Botelho é militante do PCdoB e da UJS no estado da Bahia.

² BUONICORE, Augusto. Meu verbo é lutar – a vida e o pensamento de João Amazonas. 1ª ed. São Paulo: Anita Garibaldi, 2012.