Sem categoria

Netinho de Paula: Por que uma Secretaria de Combate ao Racismo

É preciso fazer uma reflexão sobre a questão da igualdade racial na agenda política do PCdoB, considerando o acúmulo e aprendizado dessa nova etapa á frente da SMPIR de São Paulo, chamando atenção para o papel dos partidos no fortalecimento da democracia.
Por Netinho de Paula*

A SMPIR é um novo marco institucional no combate ao racismo e às desigualdades raciais na capital paulista, através do qual o Estado assume como compromisso a responsabilidade de desenvolver políticas públicas e construir uma agenda política voltada, em especial à população negra.

Essa construção política traduziu e se inspirou no reconhecimento da luta do movimento negro, concretizando-a e adentrando definitivamente na institucionalidade pública, constituindo-se numa possibilidade de ter autonomia orçamentária e promover o esperado reordenamento institucional capaz de combater o racismo institucional.

De que universo falamos? No recorte do Estado de São Paulo, trata-se de cerca de 34,63% da população, segundo o censo 2010 do IBGE. Na Capital esse percentual sobe para 36,83%, ou seja, de um universo de 11.316.149 milhões de habitantes, ou seja, falamos de quase 4,2 milhões de pessoas, com níveis de desigualdades que atravessam os diversos setores governamentais e da iniciativa privada.

Assumir o debate de combate ao racismo a partir de uma agenda afirmativa, seja pelo Estado, seja pela sociedade e suas organizações devem induzir mudanças nos indicadores e estatísticas, como os índices de mortalidade da juventude negra. Na cidade de São Paulo cerca de 28% dos óbitos por causas externas ocorrem entre jovens e deste universo, cerca de 57,6% dos jovens do sexo masculino vítimas de homicídios são negros e pardos. No Brasil esse número sobe para 75,5% (Datasus,2010).

É preciso recuperar a história da luta pela igualdade racial e seu reconhecimento pelo Estado. Foi uma caminhada longa, cujas origens vêm das bases sociais, destacando-se alguns símbolos do trajeto e da construção histórica da luta do povo negro, desde Zumbi, o Teatro Experimental do Negro Abdias do Nascimento, o ato público organizado em São Paulo contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê, que originou o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU). É um movimento que tem como marca a resistência do povo negro, mas com uma lentidão histórica na abertura do Estado para incorporar essa pauta na agenda política.

No Estado de São Paulo, apenas em 1984 foi criado o primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afro-brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo Franco Montoro.

Em relação à pauta partidária, em 1985 o Partido dos Trabalhadores criou um espaço para a discussão da luta racial, a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT.

No que diz respeito ao PCdoB, em seu interior organiza-se e nasce a União de Negros pela Igualdade (Unegro), fundada em 14 de julho de 1988, na cidade de Salvador. Hoje está organizada em 23 Estados da Federação e compõe o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Políticas de Juventude – Conjuve e conduz o debate sobre a questão racial no PCdoB.

Articulada ao processo constituinte foi ainda no governo Montoro a iniciativa de indicar um representante dos negros para a chamada Comissão Arinos, que criminalizou a discriminação racial, inscrevendo a pauta racial e da igualdade na, como um princípio do Estado Democrático de Direito. A definição e tipificação do racismo como crime foi estabelecida pela Lei Caó, de autoria do deputado Carlos Alberto de Oliveira, em 1989.

Nessa articulação entre movimentos, partidos e sindicatos, a CUT reconhece a importância da agenda racial em 1990, entrando no V Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), adentrando o universo da organização dos trabalhadores.

A agenda da igualdade racial foi se construindo e entrando nas institucionalidades públicas, partidárias e sindicais, sempre impulsionada pelo movimento social. Chegando à criação da Seppir em 2005 e no processo de construção e aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.

Mas é preciso assumir os desafios, reconhecendo os impasses impostos pelo racismo, que atravancam esse processo, revelando-se lacunas na construção do Estatuto. Se considerar a composição dos parlamentos, pode-se compreender os porquês de alguns entraves institucionais, seja pela pequena bancada defensora do Estatuto, até mesmo pela escassez de negros nos quadros do legislativo, refletidas nos cortes e ajustes que impactaram na organização do modo de gestão e do financiamento da política de promoção da Igualdade racial no Brasil.

O desafio ainda não foi superado e permanece a convicção de que os Partidos devem assumir a pauta étnico-racial com urgência, mobilizando sua base para que seja possível ter uma democracia racial articulada e integrada à atividade política e institucional.

Um destaque importante que permite compreender as faces do racismo moderno está no mundo do trabalho. Considerando-se o tipo de ocupação, apenas 21,4% dos cargos de direção são ocupados por negros no Brasil (IBGE, 2010); é preciso construir novas estratégias de enfretamento junto aos setores públicos e privados, pois ainda não se derrubaram as barreiras do racismo institucional que bloqueiam a ascensão dos negros a cargos de gerência, coordenação e chefia.

Urge que os sindicatos abracem esta bandeira, pois falar em democracia racial sem romper a ordem econômica histórica, onde os negros ocupam as bases da pirâmide sem que se tenham a mobilidade racial e social esperada pelas ações afirmativas, pode comprometer a sua concretude. É preciso articular definitivamente o desenvolvimento econômico à igualdade racial.

“Eu olho o dia de hoje e fico imaginando que nós já avançamos bastante se a gente analisar o patamar de onde começamos, mas ainda falta uma estrada enorme a ser percorrida. Eu costumava dizer que tudo que a gente fizer para estabelecer a igualdade racial nesse país, é um pagamento de uma dívida que não pode ser mensurada em dinheiro. Ela tem de ser mensurada em solidariedade, em compromisso de ajuda mútua que o Estado brasileiro precisa cada vez mais assumir. E às vezes me inquieta profundamente porque há uma visão equivocada sobre a África. Não é que as pessoas não sabem da história da África, mas que muita gente não quer saber.(Presidente Lula. Lançamento da SMPIR/SP, 2013).”

O caminho que se apresenta como possível é a criação de uma Secretaria de Combate ao Racismo dentro da estrutura orgânica do PCdoB, sem prejuízo das organizações como a Unegro, mas trazendo a sua luta para o funcionamento e organização do partido.

É preciso ampliar o número de negros nos postos de comando e decisão para derrubar as barreiras que limitam uma democracia de fato, uma democracia que se funde na igualdade e na justiça social, numa sociedade sem racismo.

*Netinho de Paula é membro da Comissão Política Estadual do PCdoB São Paulo.