Servidores da Fundap alertam para perigos da fusão de fundações

Servidores da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) vêm a público para se manifestarem contrários a fusão da mesma com outras duas fundações. A medida foi anunciada pelo governo do Estado de São Paulo como uma medida de economia, em resposta à Jornada de Junho. Em entrevista à Rádio Vermelho, duas técnicas da Fundap revelam que, além de não reduzir os gastos públicos, haverá perda do patrimônio e mais gastos.

“Já se sabe que não é por medida de economia. Tivemos uma assembleia com a secretária-adjunta que veio falar que é uma decisão de governo e que não é por medida de economia e que vai ficar mais caro [para fazer a adequação]. Ela falou que é por uma concepção de reunir fundações em um mesmo espaço de criatividade… Olha é um papo que não tem justificativa”, declarou com indignação a socióloga Vanya Sant’Anna, técnica da Fundap, referindo-se a uma reunião ocorrida na terça-feira (20) entre a Secretária-adjunta de Planejamento do Estado, Cibele Franzese, e os servidores.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciou no dia 28 de junho, depois da onda de protestos pelo país que resultou na revogação do aumento de 20 centavos da tarifa do metrô e trem, um corte de gastos públicos que incluía a extinção de uma secretaria (Desenvolvimento Metropolitano) e a fusão de três autarquias: A Fundap juntamente com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e o Centro de Pesquisas de Administração Municipal (Cepam). De acordo com o governador, a economia será de cerca de R$ 355 milhões, sendo R$ 129 milhões neste ano e R$ 226 milhões em 2014.

A secretaria a ser extinta é a de Desenvolvimento Metropolitano, após dois anos e meio da sua criação, sendo incorporada à da Casa Civil. Também seria extinta a Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco). Mas o governo já voltou atrás.

Outro fato denunciado pela servidora é de que o serviço atualmente executado pela fundação acabará sendo feito pela iniciativa privada: “Na verdade se não formos nós a dar a assessoria técnica e formação, vai ser o setor privado que será privilegiado”.

Os servidores estaduais temem pela perda da instituição e pela situação de insegurança do quadro de funcionários. A técnica lamentou a perda do capital humano que já foi investido pela administração pública na formação dos profissionais.

“Somos um patrimônio[público] porque somos capacitados permanentemente, com cursos no exterior, aqui, vieram professores de fora. Temos um capital humano de primeiríssima qualidade. Temos uma capacitação para adoção de sistemas de planejamento, de formulação e monitoramento de políticas públicas, de alteração de estruturas, enfim, toda a parte administrativa principalmente aplicada às políticas públicas. E isso não queremos perder, porque ficaremos sem trabalho, as consultoras privadas vão sambar no nosso caixão”, exclamou.

A Fundap se tornou referência em estruturação de processos e políticas, na gestão pública, nos diversos níveis: estadual, nacional e internacional. A pedido do Itamarty, chegou a atuar diversos países como Nicarágua ,Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
A primeira experiência do órgão com outras autarquias foi na transição de território para estado de Rondônia, em 1981. Depois, o Itamaraty a credenciou como agência. “Nós prestamos durante muitos anos esse serviço na África. Na Nicarágua foi um ano, mas na África durou muitos anos. Toda essa expertise de montar governo, a partir de um convênio com o Itamaraty entre esses governos, que recebiam recursos de órgãos de cooperação internacional que financiava programas nesses países recém saídos de guerras civis”, contou Vanya Sant’Anna.

A Fundap surgiu em 1968 em uma reforma administrativa, a última feita no estado paulista no governo de Roberto Abreu Sodré, que mais adiante ajudou a fundar o Partido Democrático Social (PDS), sucessor do Arena, que deu sustentação ao regime militar. Com o passar do tempo foram criadas três áreas estratégicas de atuação da administração pública: formação, pesquisa e assistência técnica.

“Três pontos foram eleitos como prioritários para o órgão: formação, pesquisa e assistência técnica. Pensava-se na criação de carreiras com nível superior, dentro do governo, aos moldes dos governos inglês e francês, e que fosse autônomo em relação às mudanças políticas. Também se pensava em criar uma fundação para garantir a modernização permanente dos serviços públicos. E acabou sendo criada por professores da Fundação Getúlio Vargas, da USP, da Unicamp e da Unesp”, recordou.

Silvia Stanisci, também socióloga e técnica da Fundap, lembra a importância da instituição como ponte entre as universidades, onde há a produção de conhecimento, e a administração direta, responsável por resolve os problemas emergenciais do dia a dia.

“A nossa característica faz a ponte entre as universidades e a administração direta, responsável por resolve os problemas emergenciais do dia a dia. Já quem está na universidade pensa na produção do conhecimento puro que não necessariamente será aplicado amanhã. Mas, para fazer isso, é preciso ter um distanciamento critico e uma independência e autonomia do centro de poder. E essa característica entra em risco com essa proposta que está aí anunciada”, alertou.

Silvia Stanisci alerta para a concentração de poder gerada pela fusão: “O que está sendo pensado é uma instituição que vai ficar muito próxima ao centro decisório do governo. Esse fato mais o fato de estar sendo aventado um projeto de lei à Assembleia Legislativa apenas pedindo autorização da criação da nova instituição, cujo perfil, detalhamento e atribuições serão determinados por decretos do executivo. Ou seja, está sendo transferido ao Executivo todo o poder de, a cada nova gestão, redefinir o que essa instituição vai fazer. Hoje você tem três instituições com produtos e atividades que são importantíssimos para a população, para a administração pública e que são históricos”.
Os servidores temem que a nova instituição que se pretende passe a ser moeda de troca e que fique a mercê das vontades políticas. “Vai variar de lugar e até de perfil de atribuições conforme a vontade política do governador que estiver no poder naquele momento. Não só pela concentração de poder, mas principalmente porque os estatutos das fundações serão extintos e ficará submetido ao conjunto de normas instituído pelo poder executivo”, completou Silvia.

Abaixo, uma carta divulgada pelos servidores da Fundap. Ouça a entrevista completa concedida pelas servidoras à Rádio Vermelho, mais abaixo.

FUNDAP: “Em defesa do patrimônio público”

Nós, funcionários da Fundap, recebemos, pela imprensa, a notícia de que o Governador do Estado de São Paulo decidiu realizar a fusão de três fundações – FUNDAP, CEPAM e SEADE, como medida de economia: "Nós reduzimos as tarifas de Metrô, de trem, de ônibus da EMTU [Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos] e isso implica em redução de receita", declarou o governador Geraldo Alckmin, no dia 28 de Junho, ao anunciar um conjunto de medidas visando corte de despesas no custeio do Estado. O Decreto 59327, do mesmo dia, “dispõe sobre medidas de redução de despesas de custeio e de reorganização no âmbito da Administração Direta e Indireta”.

A fusão é uma proposta que já fora ventilada no início do ano, teve-se notícia de seu descarte, mas parece ter sido reconsiderada quando da resposta do governo às manifestações de Junho.

Em Abril, tivemos na Fundap a posse de um novo diretor, Prof. Dr. Wanderley Messias da Costa, originário da USP, uma das instituições que integra nosso Conselho Curador. O Prof. Wanderley teve uma chegada auspiciosa na Casa, acenando com mudanças positivas e entusiasmando o corpo de funcionários. Teve seu nome aprovado pelo Conselho Curador e foi nomeado pelo Governador. Eis aqui um primeiro ponto de perplexidade: qual a finalidade de se nomear um novo Diretor-Executivo, de tal envergadura, proveniente de uma das instituições representadas no Conselho e, transcorrido menos de um mês, anunciar a intenção de extinguir a Fundap ?

Porque disso se trata: a criação de uma nova Fundação que absorveria as atividades das três Fundações constantes da proposta feita pelo Governador, exige sua extinção. As três instituições, Fundap, SEADE e CEPAM, foram criadas por Lei, sendo cada uma delas um ente público com competências próprias e específicas, patrimônio e quadro funcional. É de se pensar e se preocupar com o que aconteceria, de fato, com suas competências, seu patrimônio e com as pessoas envolvidas quando de sua extinção.

O referido anúncio, no calor da hora da resposta às manifestações , nos parece configurar uma atitude oportunista de setores do governo que têm uma visão estreita e antiquada da administração pública.

A Fundap, como é de conhecimento geral, tem uma respeitável história e é um patrimônio da administração pública paulista. Diferente de outras instituições, menos de dez por cento de seu orçamento provém de repasses diretos do Tesouro, a maior parte é provida pelos projetos que realiza.

Há quem no governo afirme, de público, que o dinheiro vem da mesma fonte. É meia verdade.

A Fundap é convidada a apresentar projetos, os órgãos da administração estadual aprovam suas propostas e contratam seus serviços. Desenvolve, com êxito os projetos, como atestam as avaliações feitas pelos contratantes. Pratica, de modo responsável e eficiente, uma gestão de resultados.

A Fundap tem uma longa tradição, muito bem sucedida, de serviços prestados ao governo do Estado de S.Paulo, ao governo federal, a outros governos estaduais, municipais, e ajudou de modo importante a estruturação de novos governos em países como Nicarágua ,Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Cabe lembrar a importância da Fundap na produção de conhecimentos fundamentais para a Administração Pública; na inovação dos métodos de gestão de políticas e programas de governo; no apoio às transformações organizacionais e institucionais dos aparelhos de estado; na ancoragem e institucionalização de programas emergenciais de alta relevância para o poder público e no planejamento e execução de programas trans e inter-setoriais, sobrepassando a rigidez das estruturas administrativas de governo. Suas contribuições têm sido decisivas para a modernização administrativa em processos de re-engenharia organizacional e na criação e desenvolvimento de novas carreiras no setor público. Seria exaustivo exemplificar aqui, com o rol de projetos, cada um desses pontos levantados. Estamos à disposição para demonstrar o quanto esse histórico é verdadeiro.

Nesses projetos, com diferentes clientes e contextos, a Fundap sempre integrou em seu trabalho as áreas de consultoria, ensino e pesquisa, como se inscreve na declaração de sua missão. De fato, apenas uma visão simplista poderia separar essas atividades, como se fossem isoladas. Não existe um único projeto de consultoria que não tenha componente de capacitação e vice versa. E a pesquisa é parte desse processo de compreensão da realidade de um sistema, de um órgão, da população atendida, quer na preparação das atividades, quer na avaliação dos processos e resultados. Não são atividades estanques, separáveis, fragmentadas. Elas estão presentes nos projetos, pois a Fundap não trabalha com pacotes pré moldados, mas com processos abertos, em grande interação com os clientes.Esse é um importante diferencial em termos de qualidade dos projetos por ela realizados.

A Fundap atualmente tem, em curso, dezenas de projetos com as Secretarias de Estado da Cultura, da Saúde, da Assistência e Desenvolvimento Social, da Pessoa com Deficiência, da Educação, da Fazenda, do Desenvolvimento Econômico e Emprego e órgãos como o DETRAN e mais.

Foi autorizada pelo Conselho Estadual de Educação a oferecer o primeiro curso de Especialização em Gestão por Resultados. Oferece cursos presenciais e à distância. Formou, especializou e capacitou centenas de milhares de servidores públicos. Administra o Programa de Estágios do Estado de São Paulo, hoje com dezenas de milhares de estagiários para todas as estruturas do governo estadual.

Mesmo em meio a essa ameaça de extinção, órgãos estaduais continuam a demandar projetos e assinar contratos, o que demonstra que o longo relacionamento entre a Fundap e os demais órgãos da administração publica paulista criou um vínculo de confiança e o reconhecimento de sua competência.

Torna-se, enfim, incompreensível o sentido da “economia de gastos” que o governo pretende com a extinção da Fundap. Ao abrir mão dela o Governo do Estado, suas Secretarias e demais órgãos passariam a comprar os necessários serviços de terceiros no mercado. É de estranhar que seja dada preferência a instituições privadas que lucrariam com consultorias, processos de formação e pesquisas demandadas pelo setor público. Claro, trata-se de uma escolha, mas com certeza prejudicial ao interesse público.

Parece que nada disso está sendo considerado ou revelado. Pessoas ligadas à direção das três instituições, Fundap, CEPAM, SEADE, foram chamadas a preparar um convênio de três meses, para que as instituições aprendam a trabalhar juntas, como isso nunca houvera acontecido! Enquanto isso é preparado um Projeto de Lei para criar uma nova instituição, que reuniria todas as três. Sem qualquer abertura para uma discussão democrática, que envolvesse todas as partes, dentro de uma visão tecnocrática, sem nenhuma correspondência com o tempo presente. A bem dizer, com absoluta ausência de um crivo democrático.

Temos duas preocupações: a defesa de uma instituição respeitável e respeitada como a Fundap e o esclarecimento sobre a situação de extrema insegurança de seus funcionários. Estamos alarmados quanto à forma com que se pretende aprovar e implementar o já referido projeto: apresentando à Assembléia Legislativa uma redação genérica, retendo sua regulamentação no âmbito do Executivo, sem a oitiva ou consideração dos agentes por ele afetados.
 

Deborah Moreira
Da redação do Vermelho