Argentinos repudiam editorial do La Nación defendendo golpe

Escritores, acadêmicos e movimentos sociais repudiaram um editorial do jornal conservador argentino La Nación negando o golpe militar que derrubou o governo popular do ex-presidente Juan Domingo Perón, em setembro de 1955, e instalou a ditadura da chamada “revolução libertadora”, e que acusa o ex-presidente de ser o responsável pela queda porque seu regime estava esgotado, abundavam escândalos e mostras brutas de autoritarismo.

Por Stella Calloni, no La Jornada

Este mesmo editorial faz referências a um momento semelhante que, segundo o ponto de vista dos dirigentes deste meio, vive o atual governo da presidenta Cristina Fernandez de Kirchner, que na opinião do renomado escritor e jornalista peronista Osvaldo Bayer é um claro incitamento para acabar com o governo constitucional.

La Nación argumenta que Perón não caiu pelas armas. Bayer, autor de um dos livros mais importantes do país: “Los Vengadores de la Patagonia Trágica”, que investiga o fuzilamento de 500 mil trabalhadores por militares na província de Santa Cruz, no sul do país nos anos 1920-1921, considera evidente que o golpe militar tirou vantagem da situação política 1955. Não se pode dissimular os fatos do passado. O conteúdo do editorial contradiz as bases científicas da história.

Segundo o jornal fortemente adversário, nem as balas de chumbo derrubaram o general Juan Domingo Perón, nem existem balas de tinta, e nem, caso existissem, poderiam destituir governos. Perón não caiu por obra das armas que levantou a Revolução Libertadora em 1955.

Bayer, em entrevista concedida da Alemanha ao jornal Tiempo Argentino, observou que ainda que tivesse existido uma forte crise política, em nenhuma lei da Constituição Nacional está escrito que as forças armadas devem tomar o poder.

Enquanto isso, o chefe de gabinete Manuel Abal Medina disse sentir calafrios diante da reivindicação do golpe de 1955 e pediu uma reflexão sobre esta atitude, especialmente os que têm um pequeno compromisso com a democracia.

Antes do golpe de setembro de 1955, em junho desse mesmo ano, os militares bombardearam a casa de governo tentando matar Perón, em sua primeira tentativa de golpe, ao meio-dia, antecipando-se ao que aconteceu em setembro de 1973 com os militares chilenos bombardeando La Moneda (sede do governo do Chile) no golpe encabeçado pelo já falecido general Augusto Pinochet contra o presidente democraticamente eleito Salvador Allende. No bombardeio da marinha argentina sobre a Praça de Maio morreram dezenas de pessoas: trabalhadores, estudantes e todos aqueles que andavam desprevenidamente no local.

Abal Medina também condenou a intenção do editorial ao dizer que Perón tinha caiu por seus próprios erros de governo, tratando de negar aquele golpe sangrento, que desencadeou uma brutal perseguição aos trabalhadores, sindicatos, bairros pobres e os que tentaram enfrentar esta injustiça foram fuzilados — inclusive militares — em 1956.

La Nación questionou um recente discurso da presidenta, que disse que algumas pessoas tentam derrubar governos populares com balas de tinta, referindo-se ao papel desempenhado pelos meios de comunicação na história de golpes de estado no país e na região.

O analista da Agência Urondo Agency (APU), Nicolas Adet Larcher ressaltou que o título do editorial do La Nación é “A tinta não destitui”, o que é uma tendência ingênua que tenta retirar da imprensa o papel decisivo com relação à destituição ou imposição de governos. O analista acrescenta que a realidade confirma a fala de Cristina sobre o fato de que muitos governos derrubados em nossa história contaram com manchetes catastróficas na imprensa contra si que favoreceram, ou propiciaram o clima para golpes de Estado.

O clima agora esquentou de novo com ataques permanentes contra a figura presidencial, alguns duramente referidos a supostos problemas emocionais, por parte de jornalistas opositores, e também de alguns políticos, como o ex-presidente Eduardo Duhalde, do peronismo de direita, que nas últimas eleições acenou para ditaduras militares do passado.

Duhalde atacou a presidenta tentando instalar a ideia de que ela não teria capacidade para mandar, com uma expressão grotesca de que perdera os parafusos, depois, sua esposa, Hilda Duhalde, colocou em dúvida a capacidade das mulheres exercerem a política e que um analista opositor diagnosticou uma suposta doença desconhecida, o que foi rejeitado por grupos profissionais em todo o país.

Isso acontece enquanto se aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal, que deve decidir se um artigo referindo-se à desigualdade que representa os monopólios de mídia como o Grupo Clarín é aplicável ou não e se é constitucional.

Diante desta situação, o guatemalteco Frank La Rue, relator das Nações Unidas para a Liberdade de Expressão, que esteve no debate recente na Corte, enfatizou a importância para a democracia e a liberdade de expressão da Lei de Meios aprovada pelo Congresso argentino no final de 2009.

Ele alertou que a concentração dos meios leva à concentração de poder político, mas não opinou sobre a audiência agendada pelo Tribunal para resolver a situação entre o Estado e o Grupo Clarín, o único entre vários aqui que se recusa a cumprir a lei e não quer se desprender de com uma parte de suas posses midiáticas, o que o converte no grupo mais poderoso do país.

Traduçãoda Redação do Vermelho,
Vanessa Silva