Encontro entre índios e governo busca solução para conflito no RS

Representantes do Governo do Estado, do Ministério da Justiça, Funai, Incra e Secretaria Geral da Presidência da República, ouviram de líderes indígenas e quilombolas que eles não se submeterão às propostas de reassentamento de indígenas e nem de criação de um grupo de diálogo. O encontro ocorreu na quarta-feira (4), na sede do Ministério Público Federal, em Porto Alegre (RS) e, nas palavras do procurador Domingos Dresch, buscou ser um momento “que não mexesse nas brasas da fogueira”.


Encontro entre lideranças indígenas e governo / Foto: Ramiro Furquim

Mas, de fato, foi encaminhada a formação de uma mesa de discussão nacional e a disponibilização de cerca de seis mil hectares para atenuar o conflito entre indígenas e agricultores no estado.

O encontro se deu após o confronto entre policiais militares e indígenas na Praça da Matriz, no dia 30 de agosto, e a divulgação de ao menos duas notas políticas por parte de entidades indigenistas com críticas ao governo Tarso Genro (PT), na qual denunciam o assédio a líderes de povos indígenas e o uso de artifícios para supostamente frear as negociações pela demarcação das terras.

Gilberto Carvalho abriu a sua participação afirmando que o impasse “não é assunto para se resolver em poucos meses, mas que levará o tempo necessário para se calcular e pagar o preço das devidas indenizações”. Indígenas e agricultores disputam áreas comuns no norte gaúcho, em cidades como Sananduva e Mato Castelhano.

Para reduzir a possibilidade de conflito em áreas onde a tensão é crescente, o governo do estado apresentou a proposta de ceder cerca de seis mil hectares para as negociações. Segundo o secretário de Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul, Ivar Pavan, as terras podem servir tanto a indígenas como a campesinos. “As duas partes podem fazer uso desta proposta, mas se nenhuma delas se interessar, as terras voltam para o governo”, afirmou.

Os seis mil hectares se referem, em grande parte, a hortos florestais da Companhia Estadual de Silos e Armazéns (CESA) e terrenos da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Presente na reunião, o líder caingangue Augusto Alpen da Silva afirmou que o que os povos esperam “é uma demarcação oficial a partir do direito originário”, e não a remoção para outros lugares. No entanto, a proposta interessa ao movimento indígena no sentido de possibilitar a readequação de agricultores nas áreas oferecidas pelo estado – reduzindo desta forma a tensão nos municípios do norte.

Caingangues e guaranis – os dois povos mais afetados pela atual situação das demarcações de terra no estado – cobraram a resolução de “medidas urgentes”, que compreendem a demarcação e declaração de pequenas áreas em que o enfrentamento já parece próximo, para assim permanecerem na mesa de negociação. A expectativa do governo federal é que uma solução possa ser encontrada em conjunto com os ministérios da Secretaria Geral da Presidência da República e da Justiça. O prazo para as resoluções pontuais ficou acertado para o início de outubro.

A ausência de passos claros rumo às demarcações fez com que, em mais de uma oportunidade, o diálogo adquirisse um tom mais duro. Representantes indígenas afirmaram que, caso o impasse permaneça, a demarcação das terras “precisará ser feita com as nossas próprias mãos, como já fizemos em outros anos da nossa história”. Ricardo Zamora, chefe de gabinete do governador, afirmou que a possibilidade de confronto “preocupa e muito”, mas defendeu que “foi importante a reunião ter sido feita na sede do Ministério Público Federal, de quem cobramos que estivesse atuando neste assunto”.

Ao término de mais de duas horas de reunião, indígenas e apoiadores discutiram com os representantes do governo do estado. Quem estava de fora reclamava principalmente da atuação da Brigada Militar na Praça da Matriz durante o episódio do dia 30 de agosto. Pressionados pelos manifestantes, eles recuaram e deixaram o prédio do Ministério Público por uma saída alternativa.

Na concepção dos povos indígenas, para além de áreas produtivas, seus territórios tradicionais constituem-se em espaços sagrados: áreas onde persiste a memória coletiva e ancestral nas quais se perpetuam as condições para preservar e manter a especificidade do modo de ser de cada povo tal qual está previsto na Constituição Federal. Portanto, não é admissível qualquer tipo de proposta tendo em vista o reassentamento para áreas isoladas, fragmentadas e espalhadas pelo Estado, como também não se admite nenhum tipo de negociação de direitos.

Por esses motivos, indígenas e quilombolas repudiaram a proposta e sugeriram que estas terras sejam destinadas aos agricultores, como forma de encaminhar o cumprimento das promessas já realizadas pelo Governador Tarso Genro: a demarcação e titulação das terras, baseada na tradicionalidade prevista na Constituição Federal de 1988 e a indenização plena (benfeitoria e terras) dos agricultores.

Os indígenas ressaltaram que, assim como no Mato Grosso do Sul, até este momento, todos os representantes dos agricultores legitimados pelo governo representam setores ruralistas alinhados à defesa dos grandes latifúndios, engajados na promoção de políticas anti-indígenas em âmbito nacional.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há mais de 30 dias foi entregue uma relação de áreas que estão em processo demarcatório. O governo se comprometeu, frente às lideranças, em apresentar respostas e elaborar um cronograma prático de trabalho para concluir os processos de demarcação e indenizações que vem se arrastando há anos.

Aos agentes governamentais, os líderes indígenas e quilombolas reapresentaram uma proposta baseada em suas próprias pautas. Foi dado um prazo de um mês (com encerramento no dia 7 de outubro) para que estes, de maneira conjunta, União e Estado, concluam os procedimentos de demarcações, desintrusões e indenizações baseadas nos documentos e demandas já explicitadas pelos povos tradicionais e originários ao Governo Federal no dia 1º de agosto. Os indígenas deixaram claro que somente depois de respondidas estas demandas poderão sentar com os representantes do governo para buscar novas soluções conjuntas.

Anunciaram ainda que se em 7 de outubro as respostas não forem dadas pelos governos, as aldeias indígenas passarão a tomar as medidas necessárias para que as demarcações ocorram e isso inclui conflitosentre agricultores e indígenas.

Mídia

Os indígenas afirmam que grande parte dos meios de comunicação apresentou informações distorcidas quanto ao histórico de espera dos indígenas frente ao que eles chamam de "negligência governamental". O governo é apresentado pelos jornais apenas como conciliador e aquele que busca soluções justas, ao invés de também demonstrar suas relações com o agronegócio e as elites agrárias financiadoras de muitas campanhas eleitorais. Esta posição reforça o falso debate de que a essência do conflito se dá entre pequenos agricultores e indígenas, o que mais de uma vez foi desconstruído pelas lideranças e pequenos agricultores que reivindicavam o direito a justa indenização e com isso desocupar as áreas tradicionais onde foram assentados.

Ainda segundo os indígenas, as lideranças indígenas são descritas de forma superficial, como violentas e intransigentes ao não aceitarem as tais propostas. Não se reconhece que os povos indígenas, ao longo da história, estão sendo violados e suas terras arrancadas, tomadas e reduzidas através de políticas governamentais e que, na condição de sobreviventes de inúmeras políticas de genocídio, sofrem agora novos ataques organizados por políticos e ruralistas contra seus direitos constitucionais.

Com Sul21 e Cimi