Pesquisa aponta que Brasil tem mais de 370 mil usuários de crack

Os usuários regulares de crack e/ou de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi) somam 370 mil pessoas nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Considerada uma população oculta e de difícil acesso, ela representa 35% do total de consumidores de drogas ilícitas, com exceção da maconha, nesses municípios, estimado em 1 milhão de brasileiros.

A constatação está no estudo Estimativa do Número de Usuários de Crack e/ou Similares nas Capitais do país, divulgado nesta quinta (19) pelos ministérios da Justiça e da Saúde. A pesquisa foi encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Para o secretário Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, Vitore Maximiano, o número de usuários regulares desse tipo de droga é "expressivo", embora corresponda a 0,8% da população das capitais (45 milhões). "Não é pouco, em absoluto, termos 370 mil pessoas com uso regular de crack. O número é expressivo e mostra que devemos ter total preocupação com o tema."

Região Nordeste

O secretário classificou de surpreendente o fato de, em números absolutos, a Região Nordeste concentrar a maior parte dos usuários, contrariando o senso comum, segundo o qual o consumo é maior no Sudeste. Como a prática ocorre em locais públicos e durante o dia, ela costuma ser mais visível, devido à formação das chamadas cracolândias. De acordo com o estudo, no Nordeste há aproximadamente 150 mil usuários de crack, cerca de 40% do total de pessoas que fazem uso regular da droga em todas as capitais do país.

"Esse é um achado que surpreende: a presença de um forte consumo no Nordeste e também, proporcionalmente, no Sul [onde há 37 mil usuários de crack]. No Nordeste, acreditamos que seja em razão do próprio IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] mais baixo, quando equiparado nacionalmente", disse. "Já em relação ao Sul, verificamos um componente histórico, uma vez que tradicionalmente há na região um maior uso de drogas injetáveis, cujo índice no país é muito baixo, mas sempre com maior predominância por lá", acrescentou.

A proporção do consumo do crack em relação ao uso total de drogas ilícitas (com exceção da maconha) também apresenta variações entre as regiões. Enquanto nas capitais do Norte, o crack e/ou similares representam 20% do conjunto de substâncias ilícitas consumidas, no Sul e no Centro-Oeste o produto corresponde a 52% e 47%, respectivamente.

Adultos jovens

Os usuários de crack no Brasil são principalmente adultos jovens, com idade média de 30 anos, homens (78,7%), não brancos (80%) – o que inclui pretos, pardos e indígenas, por exemplo – e solteiros (60,6%). Além disso, têm, na maior parte dos casos, baixa escolaridade, sendo que apenas dois em cada dez cursaram ou concluíram o ensino médio. Em relação ao ensino superior, a proporção é ainda menor: cerca de 0,3% cursou ou concluiu esse nível de escolaridade.

A pesquisa também aponta uma expressiva proporção de usuários em situação de rua, com aproximadamente 40% deles nessa condição. Nas capitais o percentual é mais elevado e chega a 47,3%, enquanto nos demais municípios do país 20% dos usuários regulares de crack relataram essa condição. Os pesquisadores ressaltaram que não significa que esse contingente necessariamente more nas ruas, mas que nelas passa a maior parte de seu tempo.

A maioria dos usuários (65%) obtém dinheiro por meio de trabalhos esporádicos ou autônomos. Atividades ilícitas, como tráfico de drogas e furtos, por exemplo, foram relatadas por uma minoria dos usuários (6,4% e 9% respectivamente). Embora o percentual não tenha sido alto, com apenas 7,5% dos usuários apontando o sexo em troca de dinheiro ou de drogas, os pesquisadores consideraram a frequência elevada se comparada à população geral, já que nesse caso a proporção de profissionais de sexo é inferior a 1%.

"O sexo comercial é uma fonte relevante de renda nessa população, embora não em harmonia com algumas informações equivocadas que chegam a atribuir à prática de sexo comercial o financiamento integral do hábito de consumo entre as mulheres", diz o texto.

Espaços públicos e consumo

Em relação aos locais de consumo da droga, o estudo identificou que oito em cada dez usuários usam crack em espaços públicos, de interação e circulação de pessoas. A diretora de Projetos Estratégicos da Senad, Cejana Passos, ressaltou que, em razão dessa característica, não adianta fazer uma pesquisa com metodologias tradicionais, por exemplo, com perguntas diretas ao entrevistado se ele usa ou não a droga, com o objetivo de estimar o número de usuários. Segundo ela, o método adotado, que investiga as redes sociais do entrevistado, com questionamento sobre as pessoas que ele conhece que usam a substância, foi possível chegar a um número mais preciso.

"Essas pessoas podem não estar na residência. Por isso, era preciso investigar o todo e cruzar as redes sociais", disse. "Pela primeira vez, a secretaria considera ter um dado muito confiável em relação ao número de usuários de crack nas capitais", acrescentou.

Coleta de dados

Para coletar os dados, cerca de 500 profissionais como pesquisadores, assistentes sociais e psicólogos, foram a locais de consumo da droga, mapeados com a ajuda de fontes locais – secretarias de Saúde, Assistência Social e Segurança, além de organizações não-governamentais e lideranças comunitárias. Nesses locais, as equipes identificaram usuários, que foram entrevistados entre novembro de 2011 e junho de 2013. Ao todo, 7.381 usuários de crack em 112 municípios de portes variados – incluindo todas as capitais brasileiras – responderam às perguntas.

Para fazer o estudo, foram ouvidas, em casa, entre março e dezembro de 2012, 25 mil pessoas, que responderam a questões sobre as características das pessoas que integram suas redes de relacionamento. Entre as perguntas, havia algumas focadas especificamente no uso do crack e outras que serviram como controle de confiabilidade dos dados, cujas respostas podiam ser comparadas aos cadastros de órgãos públicos, por exemplo, número de conhecidos que são beneficiários do Bolsa Família.

O conjunto de dados é, segundo o Ministério da Justiça, o maior e mais completo levantamento feito sobre o assunto no mundo.

Fonte: Agência Brasil