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Alexandro Reis: A Mensagem de Moura: O grito do povo brasileiro

O sociólogo e escritor marxista Clovis Moura, em artigo publicado na edição 34° da Revista Princípio, tratando de questão estrutural da formação do Brasil, destaca que “o racismo é atualmente uma ideologia de dominação do imperialismo em escala planetária e de dominação de classes em cada país particular”. E logo arremata: “ao longo da história, o racismo foi à justificação dos privilégios das elites e dos infortúnios das classes subalternas.”.
Por Alexandro Reis*

Agora ele se renova como instrumento de dominação”. Esta visão crítica é uma importante base de análise para verificarmos a dimensão das mudanças ocorridas no último decênio e quais os próximos desafios.

O capitalismo tardio brasileiro se desenvolveu preservando a essência ideológica do regime estruturante das relações sociais e econômicas vigente até o finalzinho do século 19. As mudanças ligadas à garantia de direitos trabalhistas, à seguridade e proteção sociais em geral, ao impulso da produção industrial interna e crescimento econômico a partir da coordenação estatal, ocorreram sob a acomodação dos interesses dominantes.

Nessa ordem, é possível crescimento econômico sem distribuição de renda, ampliação dos resultados do agronegócio sem realização efetiva da reforma agrária, funcionamento do sistema político e judiciário submetidos aos mesmos grupos de interesses (as capitanias hereditárias modernas), entre outras particularidades que obstam vergonhosamente as oportunidades de parcelas significativas da população.

O enfrentamento dessa conformidade de coisas não se iniciou em 2003. Também não se encontra aqui consensos de como enfrentá-la. Todavia, a vitória de um presidente de origem operária e comprometido com as questões do povo abriu um novo ciclo na vida democrática do País e possibilitou conquistas matérias e simbólicas para população negra.

A partir do governo do PT, em aliança programática com o PCdoB e outras forças progressistas, as condições objetivas favorecem avanços no campo de batalha. O primeiro foco de atuação é o carcomido, mas renitente, dogma ideológico e político (branqueamento, cordialidade e harmonia da sociedade brasileira), sustentado por argumentos tipo: desigualdade social e regional são os problemas centrais do Brasil; distribuição de renda e descentralização da política pública resolverão automaticamente as questões dos negros; o mérito e a isonomia são elementos “imexíveis” da república e da democracia brasileira.

Já o segundo foco visa o estabelecimento do critério étnico-racial na avaliação da efetividade das políticas públicas. Nesse sentido, as posições contrárias utilizam de falsa retórica e bradam: “não somos racistas”; a universalização das políticas públicas é o caminho justo e natural; as políticas públicas de ações afirmativas são um receituário neoliberal; isso é racismo ao contrário; trata-se de manipulação dos partidos políticos no poder para enganar o povo; essas medidas aumentarão a carga tributária; é mais uma prova de ineficiência da gestão pública.

Apesar do alarmismo orquestrado pela grande mídia empresarial, apoiada por intelectuais conservadores ou capitulados pela acomodação dos interesses dominantes, avanços consideráveis são alcançados no sentido da garantia da promoção da igualdade. É criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Investimentos sociais garantem a melhoria da qualidade de vida da população negra. Amplia-se a participação de negros/as no mercado de trabalho; programas são criados com recorte étnico-racial. Expandem-se as vagas via sistema de cotas para estudantes negros nas universidades públicas, e é sancionado o Estatuto da Igualdade Racial.

Um conjunto de leis, decretos e uma série de outros instrumentos administrativos importantes para implementação de políticas públicas de promoção da igualdade racial, assim como programas e ações que têm por objetivos atender as demandas sociais e econômicas da população negra surgem com advento do governo Lula e têm continuidade com a presidenta Dilma Rousseff.

A sanção da Lei nº 10.639/2003 e a edição dos Decretos 4.886/2003 e 4.887/ 2003, consignam, na dimensão formal, novas responsabilidades do Poder Público e inauguram uma nova fase de combate ao racismo no Brasil.

Além do ProUni, Bolsa Família/Brasil sem Miséria, a política de aumento do salário mínimo em percentuais acima da inflação, bem como a geração de empregos formais e a disponibilidade de crédito para as famílias de baixa renda, crédito consignado, entre outras medidas com vista à ampliação do consumo das famílias e retomada dos investimentos públicos em infraestrutura, foram fundamentais para a ascensão social de larga parcela da população negra.

Essas conquistas apresentam resultados concretos na vida da população. Entretanto, há desafios antigos e novos correspondentes à necessidade de um novo projeto de desenvolvimento nacional.

Para superação do dogma ideológico e político dominante, é preciso enfrentar a casta que detém o monopólio dos meios de comunicação do país. A mídia empresarial brasileira, hoje, é o principal instrumento de dominação e de reprodução do racismo. Nesta área encontramos os principais articuladores de ações contra as políticas afirmativas, contra a regularização das terras quilombolas e a constante propaganda de criminalização de jovens negros.

O atual sistema tributário é outra zona de conforto dos interesses dominantes. A manutenção desse sistema compromete o desenvolvimento do país, impõe restrições objetivas à redução das desigualdades sociais e regionais, asfixia a distribuição de renda, atrita o pacto federativo e retira da população negra capacidade de consumo e de investimento de longo prazo. Portanto, reforma-lo é condição imperiosa para superação do racismo e da descriminação racial.

A dimensão da mudança é política e assim deve ser compreendida a consecução das estratégias concernentes aos próximos desafios. A fratura da relação de domínio e quebra dos privilégios da classe dominante estão na centralidade do novo projeto de desenvolvimento da nação. Esta é a mensagem de Moura, este é o grito diário do povo brasileiro.

*Alexandro Reis é Membro da Comissão dos Movimentos Sociais do PCdoB em Brasília/DF e Membro da Coordenação Nacional de Combate ao Racismo do PCdoB.