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Marcos Aurélio da Silva: Discutindo as Estratégias

Não é sem sentido dizer que as teses para o 13° Congresso prendem-se a uma discussão muito mais tática do que estratégica. Tarefa a qual, é verdade, enfrenta muito bem, demarcando o período aberto com os governos do PT como um período de transformações “no campo da democracia e dos direitos sociais”.
Por Marcos Aurélio da Silva*

Quais os perigos de uma discussão limitada a este campo? De fato, na história do movimento operário, a II Internacional deixou-se entregar ao evolucionismo que fez tabula rasa dos saltos históricos fundamentais, condição da transformação dialética da história. É afinal todo o problema da social-democratização dos PCs.

Mas quais seriam os debates estratégicos? As experiências históricas conheceram dois caminhos de construção do socialismo. Ambos um produto do conjunto de reflexões que o marxismo-leninismo pôs-se a desenvolver sob as injunções do processo histórico concreto. A saber: a ditadura do proletariado e a Nova Política Econômica (NEP).

Evidentemente, não se trata apenas de uma questão de denominação, mas do conteúdo estratégico que cada uma delas encerra. E seria certamente tolice querer opor na realidade concreta um e outro caminho, que podem aparecer sob as combinações mais diversas. De qualquer modo, a rigor, uma e outra não se confundem.

Segundo formulou Lenin, a ditadura do proletariado caracteriza-se por “um poder não partilhado com ninguém” e apoiado “na força armada das massas” ― uma construção socialista “sem a burguesia e contra a burguesia”. A NEP, reconhecendo “as ‘longas dores de parto’ da nova sociedade”, que só pode ganhar encarnação “na vida através de uma série de tentativas concretas e variadas”, permite uma série de concessões aos capitalistas ― e cujo significado mais profundo é o de estabelecer “um acordo, um bloco, uma aliança do poder” do Estado “proletário com o capitalismo de Estado”.

Seguramente, conforme advertiu Lenin, “quanto mais plenamente encarnado nos Soviets o Estado socialista e a ditadura do proletariado, menos nos será permitido temer o ‘capitalismo de Estado’”. Não obstante, isso não deve servir de mote para o distanciamento em relação às formas concretas com que se apresenta o processo histórico. Lenin teorizou e fez avançar as formas da ditadura do proletariado diante de um quadro em que as classes dominantes não estavam dispostas a quaisquer melhorias: “as reformas são adiadas”, insistiu ele apontando para o parasitismo do funcionalismo e do exército.

Não há dúvida que a crise do sistema capitalista imperialista atual tem no “parasitismo” e nos “cortes de direitos” uma de suas máximas expressões. Não obstante, o quadro brasileiro, como bem o notaram as Teses, é o de importantes reformas sociais e democráticas.

Significa isso que toda estratégia deveria basear-se no melhorismo? Absolutamente. A via socialista por um caminho nepiano, e ainda mais quando não decorrente de um “assalto aos céus”, como nas revoluções comunistas conhecidas, deveria ser insistentemente assinalada como a forma fundamental para o salto dialético necessário. Mas não se trata de uma simples partilha de poder. De algum modo, é da hegemonia gramsciana que se está tratando. E se ela significa, nas palavras do comunista sardo, “que se forme certo equilíbrio de compromisso”, este compromisso jamais se relaciona “com o essencial, pois se a hegemonia é ético-política, também é econômica; não pode deixar de se fundamentar na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica”.

Certamente, o conceito de Estado com que se opera aqui, não sendo aquele das frações oportunistas que falam da conciliação de classe, conforme nos fez ver a crítica de Lenin, não é também aquele, segundo formulou Gramsci, que entende o Estado simplesmente como “sociedade política”, “ou ditadura ou aparelho coercitivo”, mas também como “hegemonia de um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc”.

Assim é que o aparelho coercitivo, de modo algum ausente, se combina com elementos muito mais complexos e esticados no tempo em “longas dores de parto.” Mas não há saltos aqui? A via é apenas eleitoral? A burguesia, por este caminho, aceitaria, na medida do fortalecimento das finanças públicas ― e eis porque a travessia atual é tão crucial ― o resgate de suas propriedades via pagamento pacífico? Lenin censurou a Bukharin que este tenha aventado esta possibilidade referindo-se ao Marx que falava da Inglaterra da década de 1870. Eram condições em que existia menos militarismo e burocracia, disse Lenin.

Não obstante, em condições políticas muito mais acirradas que a brasileira, é essa a linha que vem sendo seguida na Venezuela bolivariana, onde setores estratégicos da economia (telecomunicações, bancos, eletricidade, aço) tem sido objeto de importantes estatizações. Não estaria aqui também o caminho para a recomposição do setor produtivo estatal brasileiro? Não seria este o caminho, certamente fazendo avançar para a área dos bancos e outras mais, do salto em direção às primeiras células da nossa economia socialista? Aliás, se se trata de lançar mão de comparações, vale lembrar que Allende estatizou 79 grandes empresas industriais e 16 dos 18 bancos comerciais.

Mas lancemos de novo a pergunta: aceitaria a burguesia autóctone compor uma espécie de NEP à brasileira, sendo reservada a ela uma participação apenas minoritária (p. ex. o fornecimento de materiais para o setor estatal) no conjunto da economia?

Eis que, no plano da sociedade civil, um paciente trabalho cabe ao Partido e todas as forças de esquerda empenhadas nesta construção ― incluídos os intelectuais, como bem o sabia Gramsci. Mas que não se confie exageradamente nele. Nem toda a classe dominante local tem convicções reformistas e, menos ainda, estaria disposta a ceder via resgate o aparelho produtivo que controla. Neste caso, não se trata apenas de ganhar a sociedade civil, mas as próprias forças armadas ― para que, no momento decisivo, e se necessário, os elementos da ditadura do proletariado (aí incluídas as milícias operárias de autodefesa recentemente referidas por Maduro, e aliás tão ausentes no Chile de Allende), sejam postos ao lado dos operários e das demais classes subalternas.

*Marcos Aurélio da Silva é militante do PCdoB Santa Catarina.